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DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS

Diante da ausência de legislação específica que proteja e regule a união homoafetiva, o direito sucessório das pessoas vinculadas por este tipo de relação, quando reconhecido pelos Tribunais, se dá por aplicação da analogia e decorre da sua equiparação com a união estável. Nas palavras de Cremasco:

A partir da equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis, no âmbito do direito de família, e por força da aplicação do art. 1790 do Código Civil, que ao tratar da sistemática da sucessão na união estável, diz que o companheiro participará da sucessão do outro, fazendo uso de um pronome indefinido, sem exigir a necessidade de que esse outro seja do sexo oposto, seria admissível dizer que os companheiros homossexuais integram a ordem de vocação hereditária e que há para eles, na disciplina vigente, uma modalidade de sucessão de natureza legítima.18

Imperioso lembrar que apesar de a Constituição Federal de 1988 reconhecer expressamente a união estável como entidade familiar, os companheiros somente tiveram regulados os direitos sucessórios com o advento do Código Civil de 2002, o que representou grande avanço legislativo neste particular.

Com a ampliação do conceito de família os relacionamentos homossexuais ganharam nova denominação, passando a ser chamados de uniões homoafetivas e foram, pouco a pouco, conquistando espaço na sociedade.

É certo que o legislador tem se mostrado temeroso ao assegurar direitos às minorias alvo da exclusão social. Porém, o fato de não haver previsão legal específica para as uniões homoafetivas não significa inexistência de direito.

18

CREMASCO, Suzana Santi. Direito sucessório do companheiro homossexual. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_ler.php?id=713>. Acesso em: 22 out. 2010.

Ausência de lei não é sinônimo de ausência de direito, nem impede que se retirem efeitos jurídicos de determinada situação fática. O silêncio do legislador deve ser suprido pela justiça, que precisa dar uma resposta para o caso que se apresenta a julgamento.19

Para Dias a omissão do legislador referente à homossexualidade se dá pelo fato de não acompanhar o desenvolvimento da sociedade, por medo de apoiar os projetos que visem à proteção de um segmento minoritário e da sua total insensibilidade referente ao assunto.20

Tal é o que ocorre com as relações afetivas de pessoas do mesmo sexo. É absolutamente preconceituoso o silêncio da lei. Na falta de previsão legislativa, a tendência da Justiça é reconhecer que inexiste direito a ser tutelado. Assim, acabam as uniões homoafetivas sendo condenadas à invisibilidade. Negam-se direitos como forma de punir posturas que se afastam do modelo familiar aceito pela sociedade. Surge assim uma lacuna no direito.21

O silêncio legislativo acerca das uniões homossexuais gera toda espécie de injustiça e preconceito, e acaba deixando sem solução inúmeros problemas. No âmbito do direito sucessório, não poderia ser diferente. Não há atribuição de direito sucessório ao parceiro homossexual sobrevivente.22

Sobre o mesmo assunto assevera Fernandes:

A ausência de previsão legal não pode implicar a prática de discriminações. É imprescindível que se reconheçam direitos sucessórios ao parceiro que conviveu intimamente com o falecido e a quem este destinava a sua mais alta afeição, observando-se que, no geral dos casos, direta ou indiretamente, contribuiu para a formação do patrimônio. Não pode ser considerada justa a decisão que, por conta de preconceito, ou mesmo juízo pré-formulado, nega ao parceiro sobrevivente direito a herança, por considerar somente o fato de tratar-se de pessoa que biologicamente possui o mesmo sexo do outro, que faleceu, ao passo que em outros tipos de relacionamento afetivos esse direito é reconhecido.23

Tal omissão surpreende e causa desconforto até entre os mais conservadores que rejeitam a homoafetividade ao ver entregue um patrimônio a parentes distantes que, na maioria das vezes, não aceitaram ou até mesmo

19

DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e direito homoafetivo. Disponível em:

<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/52_-_homoafetividade_e_direito_homoafetivo.pdf>. Acesso em: 22 out. 2010.

20

DIAS, Maria Berenice. A lei do silêncio. Disponível em:

<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/48_-_a_lei_do_sil%EAncio.pdf>. Acesso em: 22 out. 2010. 21 Ibid. 22 FERNANDES, 2004, p. 82. 23 Ibid., p. 84.

ridicularizaram, hostilizaram a orientação sexual do titular da herança. Mais estranheza causa à possibilidade, na ausência de herdeiros sucessíveis, ser declarada a herança como vacante e acabar a totalidade do patrimônio em mãos da municipalidade, deixando o companheiro de muitos anos sem absolutamente nada.24

Para suprir a omissão legislativa em relação às uniões homoafetivas, os Tribunais Pátrios sustentam suas decisões em princípios constitucionais, os quais asseguram liberdade, igualdade e dignidade a todos os seres humanos, independentemente da orientação sexual.

O princípio da dignidade humana foi o fundamento que sustentou decisão recente proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao apreciar o recurso de apelação nº 7003584772. (ANEXO A).

Extraí-se do corpo do acórdão:

A CF, no artigo 3º, IV, reza como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nesse passo, a discriminação por orientação sexual é uma forma de tratar sem igualdade. Tratar desigualmente, com preconceito.Outro princípio que deve ser invocado para preencher a lacuna jurídica é o previsto no artigo 1º, III da CF, o da dignidade da pessoa humana, o qual é um dos fundamentos da Estado Democrático de Direito.O princípio jurídico da proteção da dignidade da pessoa humana tem como núcleo essencial a idéia de que a pessoa humana é um fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função de características que lhe conferem individualidade e imprimem sua dinâmica pessoal. (Roger Raup Rios, ob. Cit. p.89).25

O Tribunal de Justiça catarinense comunga do entendimento da Corte gaúcha, quanto à possibilidade de aplicação dos princípios constitucionais para o reconhecimento de uniões homoafetivas, inclusive quanto ao direito sucessório do companheiro sobrevivente:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. 1. AÇÃO NOMINADA DE SOCIEDADE DE FATO. IRRELEVÂNCIA. FUNDAMENTO DA PRETENSÃO CENTRADO NA UNIÃO HOMOAFETIVA. PLEITO DE MEAÇÃO. 2. ENTIDADE FAMILIAR. RELAÇÃO FUNDADA NA AFETIVIDADE. 3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. 4. POSSÍVEL ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL. 5. COMPETÊNCIA DA VARA DA FAMÍLIA. ACOLHIMENTO DO CONFLITO.

24

DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 123.

25

RIO GRANDE DO SUL. Apelação cível n° 7003584772. Relator: Rui Portanova. Data dfe Julgamento: 10/06/2010. Dia 18 junho de 2010. Disponível em:

1. „O nomem iuris conferido à petição, desde que adaptável ao procedimento legal, não implica em inadequação do meio processual‟ (TJSC, Apelação cível n. 2003.020538-1, da Capital, rel. Des. JOSÉ VOLPATO DE SOUZA, j. em 09.12.2003). 2. „O direito não regula sentimentos, mas as uniões que associam afeto a interesses comuns, que, ao terem relevância jurídica, merecem proteção legal, independentemente da orientação sexual do par‟ (DIAS, Maria Berenice. União HOMOSSEXUAL: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2001, p. 68). 3. „Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes as que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevado sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade.‟ (TJRS, Apelação Cível Nº 70001388982, Sétima Câmara Cível, rel. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, j. em 14.03.2001).4. „O relacionamento regular homoafetivo, embora não configurando união estável, é análogo a esse instituto. Com efeito: duas pessoas com relacionamento estável, duradouro e afetivo, sendo homem e mulher formam união estável reconhecida pelo Direito. Entre pessoas do mesmo sexo, a relação homoafetiva é extremamente semelhante à união estável.‟ (STJ, Resp 238.715, Terceira Turma; Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. em 07.03.2006).5. Reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar, centrada que é no afeto, a ela é possível atribuir, por analogia, e dependendo da prova, os reflexos jurídicos compatíveis da união estável heterossexual, cenário que faz chamar a competência da vara especializada de família.26

O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser invocado por ser o pressuposto da idéia de justiça humana, porque é ela quem dita à condição superior do homem como ser de razão e sentimento.27

Conforme ensinamentos de Rocha, nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir status de família merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.28

A partir da essência constitucional da dignidade da pessoa humana, passa-se a analisar outros princípios do texto constitucional os quais se fundam nos

26

SANTA CATARINA. Apelação cível. Conflito de competência n. 2008.030289-8, de Lages. Relator: Henry Petry Junior Juiz Prolator: Stanley da Silva Braga Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil Data: 20 de outubro de 2008. Disponível em:

<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action>. Acesso em: 5 nov. 2010. 27

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república

federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.br/.../constituicao/constituiçao.htm>.

Acesso em: 7 out. 2010. 28

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O princípio da dignidade humana e a exclusão social: realidade e utopia. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS – JUSTIÇA, 16., 2001, Brasília.

dizeres do professor Fachin, “a base jurídica para a construção do direito a orientação sexual como Direito personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana.”29

Para se viver em dignidade, deve ser respeitado o livre desenvolvimento da personalidade das pessoas, segundo sua peculiar forma de ser. Não se pode excluir uma pessoa do sistema jurídico tutelador das conseqüências da afetividade, como é o Direito Família, em razão de sua orientação sexual, a qual é constituidora de sua personalidade, sendo elemento essencial do seu ser.30

O Desembargador relator do citado acórdão proferido pelo Tribunal de Santa Catarina ressalta que a dignidade tem que ser reconhecida, respeitada e promovida através da interpretação deste princípio fundamental e basilar: (ANEXO B).

Desse modo, „devem ser levados em conta, em eventual juízo de ponderação, os valores que constituem inequívoca expressão desse princípio (inviolabilidade de pessoa humana, respeito à sua integridade física e moral, inviolabilidade do direito de imagem e da intimidade)‟ (MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit., p. 62-63). E continua o julgador: Fica evidente aqui que, também no Direito brasileiro, o princípio da dignidade humana assume relevo ímpar na decisão do processo de ponderação entre as posições em conflito. (p. 69-70) (grifo nosso). Destaca SARLET que „A dignidade da pessoa humana é a qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida. Não é criada, nem concedida pelo ordenamento jurídico, motivo por que não pode ser retirada, pois é inerente a cada ser humano.‟ (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 41).E completa aquele doutrinador: Desta forma, a inclinação sexual não pode ser fator de exclusão do indivíduo, nem tampouco retirar-lhe a garantia de viver com dignidade.31

Em uma ordem constitucional democrática e pluralista a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada juntamente com todas as escolhas de cada indivíduo, inclusive de sua orientação sexual.

A Constituição Federal declara, em seu artigo 3º, inciso I, que um de seus objetivos fundamentais é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Segundo Fernandes, este texto possui um profundo conteúdo ético e social, pois pretende afastar as injustiças e reprimir as desigualdades. A solidariedade implica a aproximação, o respeito, a aceitação dos iguais e dos diferentes. O homem, por ser livre, tem autonomia para assumir e exercer sua orientação sexual, sendo injusto

29

MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 153.

30

Ibid., p. 153. 31

que alguém seja repelido ou perseguido por isto. A liberdade, afinal, em todas as dimensões, é o bem supremo.32

O homossexual é pessoa e como tal merece proteção da ordem jurídica que confere aos heterossexuais em situações análogas. O princípio da igualdade, disposto no artigo 5°, caput, da Constituição Federal, no dizer de Fernandes é o princípio básico, fundamental, o princípio dos princípios. Veda discriminações imotivadas, proíbe distinções injustificadas, inadmite privilégios. Conclui ainda a Autora que:

Proibir ou dificultar que algumas pessoas assumam e exerçam a sua sexualidade, atormentar ou constranger algumas pessoas por terem determinada orientação sexual, discriminando-as por causa disso, ou deixar de reconhecer ou conferir direitos a algumas pessoas no seu relacionamento afetivo com outras do mesmo sexo, é, afinal, e sem dúvida, abalar e descumprir o princípio da igualdade. Os homossexuais podem até ser diferentes, integrar um grupo minoritário, mais são iguais a todo ser humano, como seres humanos que são, e têm de ser tratados com igualdade, respeitados em sua individualidade, no seu modo de ser e na sua dignidade.33

Do magistério de Matos extrai-se que o princípio da igualdade não pode se traduzir em um nivelamento com as regras tradicionalmente postas do Direito de Família, mas deve respeitar as diferenças existentes, lutando como se fosse um

apartheid fundado numa maneira específica da identidade homossexual,

conquistando uma igualdade respeitadora das diferenças.34

Sob este prisma colhe-se do corpo do já citado acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que mesmo que a corrente seja a heterossexualidade, o paradigma é outro é o gênero humano e ainda o respeito à diferença e a diversidade, pois o que importa é o compartilhamento do afeto, de sentimento, de carinho, base de qualquer relacionamento entre duas pessoas:

A decisão de tutelar o direito do homossexual e as relações que daí advém cabe ao aplicador da lei com base no ordenamento jurídico que está a sua disposição. Só existem, assim, dois caminhos: ou se reconhece o direito às relações homoafetivas e lhes imprime proteção e às relações jurídicas decorrentes, ou se segrega, se marginaliza. Não existe meio termo ou outorgue proteção parcial. A primeira hipótese coaduna-se com a tolerância que deve permear as relações sociais. A segunda traz o preconceito, o sectarismo, o apartheid pela opção sexual. Implica em reconhecer como menor uma relação entre duas pessoas de mesmo sexo, sob o paradigma das relações heterossexuais. Ainda que corrente seja a heterossexualidade, o paradigma é outro: é o do gênero humano. Nesse sentido a posição de

32 FERNANDES, 2004, p. 150. 33 Ibid., p. 152. 34 MATOS, 2004, p. 172.

JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (A relação homoerótica e a partilha de bens - Homossexualidade – Discussões Jurídicas e Psicológicas - Instituto Interdisciplinar de Direito de Família - IDEF, Editora Juruá, Curitiba/PR, 2001): É que o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da hodiernidade, e mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável padronizada, não se abdica à união homossexual os mesmos efeitos dela. Pouco importa se hetero ou homoafetiva é a relação. Importa que seja a troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas. Importa que siga os elementos da união estável, mas que seus sujeitos sejam não somente o homem e a mulher, como também o homem e o homem e a mulher e a mulher. Negar-lhes esse direito é desprezar sua natureza humana e limitar a pessoa que são.35

Para Matos se deve respeitar a possibilidade das pessoas livremente desenvolverem sua sexualidade, em harmonia com as características de seu modo de ser. Todos devem ter a liberdade de expressar sua sexualidade, sua afetividade, sua formação familiar, de acordo com as diversas orientações, no espaço privilegiado da intimidade, pois é o que esta previsto na Lei Maior.36

Tem-se ainda que ressaltar o entendimento no âmbito Previdenciário que através da Ação Civil Pública número 09347-0, do Ministério Público de Porto Alegre, criou a possibilidade de surgimento de um novo direito.37

Relata ainda Martinez, que a partir da Ação Civil Pública número 09347-0, foi emitido uma Instrução Normativa de nº 20/00, (com alterações das Instruções Normativas números 27/08 e 29/08), que passaria a considerar o companheiro homossexual como dependente preferencial para fins de concessão do beneficio, a pensão por morte.38

Tal entendimento foi crucial para esta minoria que permaneceu durante muito tempo invisível e esquecida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Hoje a possibilidade de reconhecimento de uma união homoafetiva na esfera previdenciária é fato e os tribunais estão exigindo os mesmos requisitos das uniões estáveis heterossexuais.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também já decidiu que o companheiro sobrevivo, do mesmo sexo, tem direito a receber a pensão por morte, uma vez comprovada a união e a dependência econômica, mesmos requisitos exigidos para as uniões estáveis dos heterossexuais. Tal entendimento sustentou-se

35

RIO GRANDE DO SUL, loc. cit. 36

MATOS, 2004, p. 177. 37

MARTINEZ, Wladimir Novaes. União homoafetiva no direito previdenciário. São Paulo: LTR, 2008. p. 173.

38

no direito à igualdade, previsto no Artigo 5º, caput, da Constituição Federal, conforme se extrai do corpo do acórdão:

No caso específico dos autos, o reconhecimento de união homossexual, ou homoafetiva, para fins de concessão de pensão ao companheiro supérstíte, vem amparado em um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, consagrado como direito fundamental da pessoal humana: o direito à igualdade, à isoriomia, previsto no art. 5°, caput,e inciso I da Constituição Federal, [...] Demais disto, com a edição da Lei Complementar Estadual n°, 1.012/2007, que alterou diversos dispositivos da Lei Complementar n° 180/78, passou a constar do art. 147, que contém o rol de dependentes do segurado falecido, no inciso II, „o companheiro ou a companheira, na constância da união homoafetiva.‟39

Verifica-se que além de reconhecer o direito à igualdade, a Corte paulista também sustenta a decisão em Lei Complementar Estadual que prevê expressamente a concessão do direito à pensão por morte ao companheiro sobrevivo.

A exemplo de outros países, como a Dinamarca, que reconheceu legalmente a união homoafetiva em 1989, a Noruega que em 1993 adotou o modelo dinamarquês de reconhecimento da parceria homossexual, a Groelândia, que em fevereiro de 1994 requisitou à Rainha da Dinamarca a extensão da lei deste país ao seu territórios, o Brasil está caminhando para a sua legalização. Evidente que o conhecimento da legislação de outros povos pode fornecer subsídios, informações e enorme utilidade, para que possamos resolver no Brasil a questão das uniões homossexuais, observando, obviamente, nossas características e peculiaridades, nossa individualidade.40

Restou evidenciado, também, o entendimento dos tribunais pátrios acerca do tema, os quais apontam para o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, destacando-se que no estado de São Paulo já existe lei específica que garante o recebimento da pensão por morte ao companheiro sobrevivo, entendimento que também já foi defendido em ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Porto Alegre. Verificou-se que a Lei Maria da Penha representa um avanço na conquista dos direitos por esta parcela da sociedade, pois não exigiu distinção de sexo para garantir a proteção do Estado contra a violência.

39

SÃO PAULO. Apelação cível n° 531.643.5/0-00. Relator: Danilo Pinizza. Órgão julgador 4ª Vara da Fazenda Pública. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 1° nov. 2010.

40

Isso porque, em uma sociedade democrática como é brasileira, regida por princípios constitucionais que asseguram dignidade, liberdade e igualdade a todas as pessoas, não se pode admitir qualquer forma de discriminação em face da orientação sexual.

Conclui-se, que apesar da ausência legislativa específica é possível o reconhecimento dos direitos aos homossexuais, inclusive os sucessórios, pois a Constituição Federal de 1988 assegura a aplicação direta dos princípios da dignidade humana, igualdade e liberdade a todas as pessoas independentemente da

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