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PARTE I – DIREITOS HUMANOS E DIREITO À CELERIDADE

1 O direito a ter direitos

Antes de discorrer a respeito da fundamentalidade de um direito, mister se faz enfatizar a origem de qualquer direito, bem como quem é o sujeito de direitos.

É sabido que o ser humano é um animal social e como tal, desde os primórdios, buscou viver em sociedade e, assim, atender seus interesses pessoais, bem como os da coletividade. Com o surgimento do problema do poder, consoante ressalta Celso Ribeiro Bastos, surgiu a questão política106 e, com esta, o Estado que, por sua vez, nada mais é do que uma sociedade politicamente organizada e a Constituição “o estatuto jurídico do fenômeno político”, no dizer de José Joaquim Gomes Canotilho.

Segundo Jorge Miranda, “falar em Estado equivale, portanto, a falar em comunidade e em poder organizado”107. Entretanto, ressalta Celso Bastos, que tal

organização existe somente e na medida que existe o Direito, sendo este o instrumento que permitiu à sociedade passar de uma simples coesão de pessoas a uma verdadeira instituição108. Jorge Miranda complementa, afirmando que o Direito é a fonte de

segurança e de justiça do Estado. Destaca-se, aqui, a relevância do Estado de Direito, no qual as pessoas não se submetem ao Estado em razão da força, temor ou violência, mas sim em função do princípio da legalidade, fator este evidenciado, no final do século XVIII. Em suma, verifica-se que o Direito é o meio que permite a convivência harmônica dos indivíduos em sociedade, visando todos a um fim comum. O Direito, assim, disciplina as relações entre Estado e indivíduos, dos indivíduos entre si e do Estado com outros organismos internacionais, mantendo todos atrelados à lei, espírito este voltado à proteção dos indivíduos contra descomedimentos dos detentores do exercício do poder estatal e a realização do bem comum.

Neste diapasão, analisando a teoria dos ordenamentos jurídicos, em geral, verifica-se, historicamente, que o poder pertence ao povo (ex.: Artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988), o qual, por meio da Constituição do

106 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 4.

107 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, tomo III. 3ª ed., Coimbra: ed. Coimbra, 1991, p. 20.

108 ABBAGNANO, op. cit., p. 375-376: “INSTITUIÇÃO (lat. Institutio; in. Institution; fr. Institution; al. Anstalt; it. Istituzione). 1. Na lógica terminista medieval, é a adoção de um novo vocábulo durante a discussão, pelo tempo que ela dura (cf. OCKHAM, Summa log., III, 3, 38). A finalidade dessa adoção é tomar a linguagem mais concisa, discutir uma coisa desconhecida ou enganar o interlocutor ou permitir-lhe responder mais facilmente às objeções. Neste último sentido é uma das obrigações (v.). 2. Na sociologia contemporânea, esse termo é de uso freqüente e foi empregado, p. ex., por, Durkheim como objeto específico da sociologia, definida precisamente como "ciências das instituições" (Règles de la méthode sociologique, 2ª ed., p. XXIII). A instituição por vezes foi entendida como um conjunto de normas que regulam a ação social (exatamente como faz Durkheim); outras vezes, em sentido mais geral, como "qualquer atitude

Estado, instrumentalizado pelo Direito, pode exercê-lo direta ou indiretamente, assegurando, assim, ao cidadão participação na vida política. Este é o direito à cidadania.

Neste sentido, Hannah Arendt afirma que “a cidadania é o direito a ter direitos” que, por sua vez, é construída com base na convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público, o qual permite um mundo comum, por meio da asserção dos direitos humanos. A questão, aqui, é quais direitos o indivíduo tem direito a ter e a resposta é: todos aqueles garantidos na Constituição.

Os referidos direitos humanos, melhor denominados de “direitos humanos fundamentais”, por sua vez, como já foi visto, são assegurados por meio da ordem jurídica, que permite uma convivência social harmônica e limita a atuação estatal, bem como pela garantia de instrumentos, ações afirmativas e outros procedimentos estatais, voltados a fomentarem tais direitos.

Neste tópico, cabe uma ressalva. Não apenas aos cidadãos, no sentido jurídico do termo, são garantidos os direitos humanos fundamentais, mas a todo e qualquer indivíduo, pela simples condição de ser humano e, assim, ter assegurado em sua quase totalidade dos ordenamentos jurídicos vigentes, um núcleo de direitos garantidores de sua “existência digna mínima”. Isto pode ser vislumbrado pelo próprio conceito de sujeito de direito, que consiste na pessoa física ou jurídica que for portadora de direitos e obrigações, ou seja, é a pessoa a quem a ordem jurídica atribui direitos e impõe obrigações. Ressalte-se, porém, que a capacidade de possuir direitos e deveres não pressupõe, necessariamente, a faculdade de exercer pessoalmente aqueles, basta que o faça por intermédio do Estado ao qual pertence (ex.: direitos fundamentais do nascituro, de estrangeiros etc).

Ao se interpretar Hannah Arendt, entende-se que apoiado em uma convivência coletiva, voltada à realização do bem comum, é possível garantir a todas as pessoas a efetiva realização dos direitos humanos. Isso, porque, o interesse público, o bem comum, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello,

nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto se abrigando também o depósito intertemporal destes mesmos interesses (...)109.

Assim, conclui-se fazendo um paralelo às palavras de Hannah Arendt, que o ser humano tem, portanto, o direito de ter seus direitos fundamentais preservados, em qualquer ordenamento jurídico, pelo simples fato de serem humanos110.

Os direitos humanos e suas garantias, por sua vez, nada mais são do que a positivação dos princípios e valores reconhecidos como fundamentais pela sociedade, garantidos por um poder, por uma autoridade.