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Direitos e deveres dos membros das minorias religiosas

CAPÍTULO II A TUTELA DAS MINORIAS

1. Evolução Histórica

1.5. Minorias Religiosas

1.5.2. Direitos e deveres dos membros das minorias religiosas

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o artigo 27.º considera como titulares activos do direito a ter religião, crença ou convicções próprias e a praticá-la, as pessoas, individualmente consideradas, membros de uma minoria religiosa ainda que estes direitos devam ser exercícidos em comum com os demais membros. Contudo, isto não faz com que o individuo seja considerado como sujeito de Direito Internacinal mas sim como sujeito titular de direitos fundamentais289. Agora, estes direitos reconhecidos aos membros destes grupos, são destes

enquanto integram o grupo e, este continua a ser reconhecido como um grupo minoritário290. Uma

vez que estes direitos são reconhecidos para assegurar a sobrevivência do grupo enquanto entidade religiosa própria, muitos destes direitos são objecto de exercício colectivo.

Os direitos reconhecidos às minorias religiosas, são direccionados à protecção da sua caracteristica distintiva. Isto não quer dizer que não sejam direitos reconhecidos universalmente, apenas que, no que às minorias respeita, têm de ser adoptadas medidas especiais de protecção e promoção dos direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião sem discriminação para que estes direitos universalmente reconhecidos se realizem plenamente291.

O direito dos membros de uma minoria religiosa terem a liberdade de professar as suas crenças ou convicções está prescrito no artigo 2.º da Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas de 1992292. Este direito engloba

o direito a ter, a não ter, a mudar ou abandonar uma religião ou confissão. O exercício deste direito implica uma abstenção do Estado, o que por vezes não acontece293. O direito de participação nos

cultos e ritos da sua própria religião e convicção encontra-se reconhecido na Declaração sobre todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções de 1981 (artigo 6.º, a)). Este direito implica a não obrigatoriedade de participação em rituais que não os da religião ou culto que se professa, porém, existem casos de pressão sobre os membros das minorias a

289 Cf. José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., p. 230.

290 A pertença ao grupo converte-se em condição para o exercício dos direitos. A este respeito caso Lovelace vs Canadá, comunicação n.º

24/1997 do Comité de Direitos Humanos.

291 José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., p. 247. 292 Este direito reflecte o que já se encontrava prescrito pelo artigo 18.º da DUDH e do PIDCP.

293 Informes apresentados à Comissão de Direitos Humanos sobre a intolerância baseada na religião ou convicções salientam casos de

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participarem nas actividades religiosas da maioria da população, ou da religião do Estado294. O

direito ao ensino religioso em conformidade com as próprias crenças ou convicções está contemplado em termos amplos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 26.º) e em termos mais restristos na Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas de 1992 (artigo 4.º, n.º 4). Assim, nos termos destes artigos, este direito engloba os direitos ao ensino da própria religião ou convicção, direito dos pais ou tutores legais de escolher a formação religiosa que esteja de acordo com o que professam assim como o direito a não ter de receber instrução em matéria religiosa que não seja a sua. Contudo nada dispõe sobre o direito a não receber esta formação. Penso que isto se explica pelo facto de uma das exigências para a existência de uma minoria, seja a sua vontade de sobrevivência, a manutenção dos seus traços distintivos o que passaria obrigatóriamente pela instrução das gerações futuras dessas minorias. Ainda assim, esta falta de previsão pode levar a casos paradigmáticos295. O direito ao uso do próprio idioma por parte das pessoas pertencentes a

minorias religiosas está consagrado na Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas de 1992 (artigo 2.º) devendo os Estados adoptar as medidas adequadas para que, sempre que possível as pessoas pertencentes a minorias possam aprender o idioma materno (artigo 4.º, n.º 3). Porém, o uso do próprio idioma não deve circunscrever-se ao seu uso no âmbito educativo mas antes extender-se e, no caso em particular das minorias religiosas, consubstanciar-se no direito a celebrar os seus ritos e cerimónias no seu próprio idioma, sendo fulcral, para esta extensão, a liberdade de expressão296. No âmbito dos

direitos dos membros da minoria como direitos colectivos, todas as minorias religiosas têm direito à sua existência e sobrevivência, tal como dispõe o artigo 1.º da Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas de 1992. Todavia, a expressão mais extrema deste direito encontra-se contemplada pela Convenção para a prevenção e sanção do genocídio de 1948, em que o elemento que tipifica o delito de genocídio, é a intenção de destruir um grupo. Ora bem, o grupo existe, enquanto tal, pelos indivíduos que o constituem pelo que o delito de genocídio constitui um acto contra os indivíduos. O direito a manter e conservar a identidade religiosa do grupo encontra referências na Declaração sobre a raça e prejuízos raciais de

294 Cf. José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., p. 256.

295 Doc. E/CN.4/Sub.2/181, párr. 267, pp. 93-94 salienta o caso da Áustria onde os alunos que pertencem a uma Igreja ou comunidade

religiosa reconhecida oficialmente devem, obrigatoriamente, receber instrução religiosa nas escolas primárias e secundárias.

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1978 (artigo 1.º e 5.º). A cada grupo cabe decidir sobre a melhor forma de manter a sua identidade devendo os Estados protegê-los e criar condições para fomentar a promoção dessa identidade297. O

direito a manter o estatuto próprio e a condição jurídica, integra-se na temática do reconhecimento jurídico-formal das minorias religiosas pelos Estados e está intimamente ligada a diversas questões como do financiamento por parte do Estado das actividades das comunidades religiosas, ou a validez das leis e costumes da religião professada por uma minoria. Neste sentido, o artigo 4.º n.º 2 da Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas de 1992, dispõe que os Estados criarão condições favoráveis que permitam às pessoas pertencentes a minorias manifestar as suas características a menos que determinadas práticas concretas violem a legislação nacional e sejam contrárias às normas internacionais298. A

conservação de tradições jurídico-religiosas encontra o seu limite na ordem pública e no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais das pessoas, pelo que esta tradição não pode consubstanciar uma violação de tais direitos e liberdades299. O direito à autonomia e administração

interna, pressupõe que haja o reconhecimento de uma liberdade a favor dos grupos religiosos que lhes permita elaborar o seu próprio estatuto de organização e funcionamento, as regras para a eleição dos seus órgãos e as respectivas normas de funcionamento300. O direito a estabelecer e

manter as próprias associações encontra-se reconhecido na Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas de 1992 no seu artigo 2.º, n.4º. Para além desta, encontra-se também contemplado e, de forma mais desenvolvida, na Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções a liberdade de fundar e manter instituições de beneficência ou humanitárias (artigo 6.º, b)). Este é pois um direito reconhecido de forma geral cuja única limitação se prende com a ordem pública301. Deve salientar-se também o reconhecimento do direito de

297 Previsto no artigo 1.º da Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas

de 1992. Previsto no artigo 5.º da Convenção Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais do Conselho de Europa.

298 O artigo 4.º, n.º 2 da Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas de

1992: ―Os Estados deverão adoptar medidas a fim de criar condições favoráveis que permitam às pessoas pertencentes a minorias manifestar as suas características e desenvolver a sua cultura, língua, religião, tradições e costumes, a menos que determinadas práticas concretas violem a legislação nacional e sejam contrárias às normas internacionais‖.

299 Cf. José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., p. 308. 300 Cf. José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., p. 315.

301 A relatora especial Odio Benito considerou que, dos estudos fornecidos pelos estados sobre esta matéria, apenas um país se

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estabelecer instituições de ensino302 e a liberdade de as dirigir e financiar, existindo casos em que os

Estados consideram o estabelecimento de escolas uma responsabilidade exclusivamente sua303.

Ao contrário do que sucede com os direitos, não há muitas referências nos instrumentos internacionais quanto às obrigações, quanto aos deveres das minorias304. A declaração mais

expressa deste dever é estabelecida pelo n.º 1 do artigo 29.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que nos diz ―o indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade‖305.

No caso concreto das minorias religiosas, o indivíduo é sujeito de deveres e o grupo religioso em que se integra não é diferente. Cabe então falar dos deveres da minoria religiosa para com os seus membros. Neste âmbito, cabe dizer que não existe uma disposição expressa dirigida a obrigar o grupo a respeitar os direitos fundamentais dos seus membros contudo o facto de que um individuo integra um grupo religioso não significa que este abdique dos seus direitos. O membro do grupo tem o direito a mudar ou abandonar a religião ou crença, o que resulta especialmente importante, por exemplo, naqueles casos em que haja práticas ou ritos tradicionais do grupo nos quais o membro não quer participar ou se participando, não o faz de acordo com a sua vontade306.

Os deveres dos membros do grupo, não se cingem a deveres para com os próprios membros senão também, para com as demais pessoas, não pertencentes ao grupo, devendo predominar a tolerância e o respeito pelas restantes crenças, religiões sendo absolutamente proibido actos de ódio, hostilidade, discriminação ou intolerância que incitem a violência que no seu mais extremo suposto constitui o delito de genocídio307. O Estado deve promover a tolerância e o diálogo cultural e

as suas instituições religiosas, cf. José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., p. 316.

302 Artigo 13.º da Convenção- Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais de 1995: ―1. No quadro do respectivo sistema educativo,

as Partes reconhecem às pessoas pertencentes a uma minoria nacional o direito de criar e gerir os seus próprios estabelecimentos privados de ensino e de formação.

2. O exercício deste direito não implica qualquer obrigação financeira para as Partes‖.

303 Cf. José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., p. 316.

304 Independentemente do valor jurídico que possa ser atribuído à existência de disposições que prevejam ―deveres‖, esta questão foi

colocada algumas vezes. Para um maior desenvolvimento cf. José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. cit., pp. 320-322.

305 A relatora especial Daes considera que o artigo 29.º, n.º 1, da DUDH, bem como o quinto parágrafo dos Pactos Internacionais, contêm

provisões de natureza essencialmente moral, cf. E/CN.4/2002/107, p. 11, párr. 44.

306 Existem várias práticas, como por exemplo, o matrimónio forçado ou o divórcio unilateral masculino.

307 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos no artigo 20.º, n.º 2 dispõe que ―Todo o apelo ao ódio nacional, racial e religioso

que constitua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência deve ser interditado pela lei‖. A Convenção Internacional contra todas as formas de Discriminação no artigo 4.º dispõe ―Os Estados Partes condenam a propaganda e as organizações que se inspiram em ideias ou teorias

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por tal devem incluir na ordem interna disposições que proíbam toda a apologia em favor do ódio nacional, racial ou religioso308. Estes deveres para com os demais consubstanciam também deveres

para com a comunidade309. As minorias estão sujeitas ao ordenamento jurídico do Estado no qual se

inserem, nesse sentido a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias, esclarece que nenhuma das suas disposições poderá ser interpretada no sentido de permitir qualquer actividade contrária aos objectivos e princípios das Nações Unidas, nomeadamente os da igualdade soberana, integridade territorial e independência política dos Estados310. Ou seja, há um

dever de obediência à lei. Neste sentido, Asbjorn Eide no estudo quanto aos meios de resolução pacífica e construtiva dos problemas onde intervêm minorias, salienta que um direito unilateral de autodeterminação é extremamente duvidoso. Segundo Eide, este é anulado pelo princípio básico da integridade territorial, desde que, no entanto, que o Estado aja em conformidade com o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos e seja dotado de um governo que represente todo o povo do território, sem distinção de raça, credo ou cor. Deve-se ter em mente que o princípio mais básico de auto-determinação é o direito de participação popular no governo do Estado. Quando o Governo não permite que toda a população participe, a questão do direito à autodeterminação dos diferentes componentes torna-se mais pertinente311. No seguimento do

trabalho da Relatora especial Erica Irene Daes312, o relator especial Miguel Alfonso Martínez, é

encarregue pela Subcomissão de elaborar um estudo sobre Direitos Humanos e responsabilidades humanas313. Para o relator Alfonso Martínez, o tópico da responsabilidade não tem recebido a devida

atenção mas o facto de termos uma Declaração Universal dos Direitos do Homem e não uma Declaração Universal dos Deveres do Homem, reflecte os antecedentes filosófico e cultura de quem desenhou o documento – os poderes que saíram vitoriosos da Segunda Guerra Mundial314. Contudo,

fundadas na superioridade de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa origem étnica ou que pretendem justificar ou encorajar qualquer forma de ódio ou de discriminação raciais, obrigam-se a adoptar imediatamente medidas positivas destinadas a eliminar os incitamentos a tal discriminação (…)‖.

308 José María CONTRERAS MAZARÍO – Las Naciones Unidas y la Protección de las Minorías Religiosas…, op. Cit., p. 324.

309 Artigo 29.º, n.º 1 da Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias: ―O indivíduo tem deveres para com a

comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade‖.

310 Artigo 8.º, n.º4 da Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias. 311 Doc. E/CN.4/Sub.2/1992/37, párr. 165, p. 33.

312 A relatora especial foi incumbida pela Subcomissão de elaborar um estudo para precisar os termos ―dever‖ e ― comunidade‖, cf. Doc.

E/CN.4/Sub.2/432/rev.2.

313 Este estudo foi requerido pela Comissão para os Direitos Humanos na sua resolução 2000/63. 314 Posição de Oscar Aris Sánchez compartida pelo relator especial. Doc. E/CN.4/2003/105, p. 11, párr. 32.

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não se deve menosprezar os avanços feito pelo estudo da relatora Daes315 e pela Acta Final de

Helsínquia (1975), que na sua Declaração sobre os Princípios norteadores das relações entre os estados participantes, confirmou o direito do indivíduo a saber os seus direitos e deveres no campo dos direitos humano316. Este prossegue, e no que respeita aos direitos humanos, não podemos

rejeitar a ideia de que para além dos direitos, os indivíduos também têm obrigações (na dimensão legal da sua vida em sociedade) e deveres (na dimensão ética da sua vida em sociedade). Todo o direito está conexo a alguma obrigação de algum tipo e, para facilitar o conhecimento das suas responsabilidades sociais, deveria fazer-se uma declaração sobre a responsabilidade social317.

Perfilhamos a opinião de que tal documento teria apenas um valor moral pois na prática não seria juridicamente vinculativo. Constituiria uma chamada de atenção uma vez que muitos direitos se encontram positivados e, ainda assim, são alvo de inúmeras violações.

É um postulado que os direitos dos indivíduos estão limitados pelos direitos dos demais indivíduos. De maneira semelhante, tem de se encontrar um equilíbrio entre os direitos dos indivíduos e o interesse da colectividade. Neste sentido, pode ser necessário limitar direitos e liberdades para preservar a integridade da ordem pública. Esta limitação, não será arbitrária, devendo as limitações estabelecidas por lei ter em vista a promoção, reconhecimento e o respeito pelos direitos e liberdades dos outros e satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática (artigo 29.º, n.º 2 Declaração Universal dos Direitos do Homem). Neste sentido, a liberdade de manifestar a própria religião ou convicções só pode ser objecto de restrições desde que previstas pela lei e, cumulativamente, sejam necessárias à protecção de segurança, da ordem e da saúde públicas ou da moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem (artigo 18.º, n.º 3 Pacto Internacional Direitos Civis e Políticos).

315 Num seu relatório o relator traça os progressos alcançados no estudo da matéria e destaca o papel da Relatora especial Erica Daes, cf.

E/CN.4/2002/107, párrs. 40-58, pp. 11-13.

316 Doc. E/CN.4/2003/105, p. 11, párr. 71.

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Capítulo III - MINORIAS ISLÂMICAS NA EUROPA E AS RESTRIÇÕES AO USO DO VÉU