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Direitos Humanos e sua relação com o emprego de ações afirmativas

As ações afirmativas são um poderoso instrumento de inclusão social, constituindo-se de medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance desta, substantivamente, pelos grupos mais vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, estando às mulheres dentro destes grupos.

A política de combate à violência contra a mulher é uma das modalidades de ações afirmativas pautada nas discussões da comunidade internacional relacionada aos direitos humanos. Para tanto, entende-se que os direitos humanos

são dotados de universalidade e de fundamentalidade74.

73 CAMPOS, Carmen Hein de. Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil / Carmen Hein de Campos. – Porto Alegre,

2013. 309 f. P. 24. Disponível em

<http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/5649/1/000453439-Texto%2bCompleto-0.pdf>. Acesso em 27 maio 2016.

74 LOPES, Carla Patrícia Frade Nogueira. O sistema de cotas para afrodescendentes e o possível dialogo com o direito. Brasília: [S.N.]. 2008. Edições Dédalo. P. 73.

É sabido que o conceito e as declarações dos direitos humanos sugerem que todo indivíduo pode fazer reivindicações legítimas de determinadas liberdades e benefícios. Assim, direitos humanos transmitem uma ideia política baseada na moral e visceralmente relacionada com os conceitos de justiça, igualdade e democracia. Esta classe de direitos é uma expressão viva do relacionamento que se almeja prevalecer entre os membros de uma sociedade e entre indivíduos e Estados.

O ideal seria que os direitos humanos fossem reconhecidos em qualquer Estado, grande ou pequeno, pobre ou rico, independentemente do sistema social e econômico que essa nação adota. Em tese, nenhuma ideologia política que não incorporasse o conceito e a prática dos direitos humanos poderia reinvidicar legitimidade. Embora existam vários tratados e declarações adotados com a consciência e o consenso da comunidade internacional, o que ainda se vê é que nenhum dos direitos declarados é respeitado uniformemente no mundo inteiro.

A Declaração de Viena de 199375, por exemplo, é um marco normativo

que objetivou a assimilação da universalidade dos direitos humanos. Seu artigo 5º afirma que:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais.

Dessa forma, o debate a respeito dos direitos humanos passou a ser visto como uma responsabilidade compartilhada entre o Estado e a sociedade, a fim de promover a sua proteção. Por esse motivo, os Poderes Públicos precisam adotar determinadas posturas no sentido de dar prevalência ao Tratado Internacional de Direitos Humanos em face da legislação ordinária, uma vez que se trata de um dever.

75 Declaração e Programa De Ação De Viena (1993). Conferência Mundial sobre Direitos

Humanos. Disponível em:

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/viena.htm> Acesso em 28 maio 2016.

É dentro dessa moldura jurídica edificada no Brasil, em que se tenta promover uma cooperação entre os poderes legislativo, judiciário e executivo, que se dão as politicas afirmativas voltadas à inclusão das minorias.

Por exemplo, a Constituição da República de 1988 prevê, em seu artigo 226, § 8º, que o Estado deve assegurar a assistência a cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. O legislador ordinário, procurando cumprir o comando constitucional originário de restringir essa espécie de violência, inseriu um parágrafo no artigo 129 do Código Penal, criando a figura típica da violência doméstica, por exemplo.

Acontece que toda a aplicabilidade das políticas públicas voltadas a este campo depende das denúncias dos agressores. A dificuldade de trabalhar a partir de abusos reportados aos serviços sociais é ilustrada por recentes estudos norte- americanos, que indicam que são denunciados somente 2% dos casos de abuso sexual de crianças dentro da família; 6% dos casos de abuso sexual de crianças fora da família; e de 5% a 8% dos casos de abuso sexual de adultos.

Dentro dos vários estudos que ocorreram na área, o de L. Heise76

observa que a experiência clínica e de pesquisa social sugerem que deixar às mulheres a definição do abuso leva à subestimação do nível de violência física e psicológica nas relações íntimas, por isso a importância da delimitação em um rol dinâmico, nunca taxativo. Assim, apresenta uma relação dos pontos que resumem qualitativamente sua análise:

1. As mulheres estão sob o risco de violência, principalmente por parte de homens conhecidos por elas;

2. A violência de gênero ocorre em todos os grupos sócio- econômicos;

3. A violência doméstica é tão ou mais séria que a agressão de desconhecidos;

4. Embora as mulheres também sejam violentas, a maioria das violências que resultam em lesões físicas é de homens contra mulheres, isto é, a violência sexual é exercida contra o gênero feminino;

5. Dentro de relações estabelecidas, a violência muitas vezes é multifacetada e tende a piorar com o tempo;

6. Em sua maioria, os homens violentos não são doentes mentais;

76 HEISE, L. Violence Against Women: The Hidden Health Burden. Relatório Preparado para o Banco Mundial. 1994. (Mimeo.) (Manuscrito publicado sob o mesmo título, na série World Bank Discussion Papers 255, Washington, D.C.: World Bank, 1994).

7. O abuso emocional e psicológico pode ser tão danificante quanto o abuso físico, sendo muitas vezes considerado pior, na experiência das mulheres;

8. O uso de álcool exacerba a violência, mas não é causa da mesma; 9. Existem sociedades onde a violência contra a mulher não existe. Em sua discussão sobre as consequências para a saúde, Heise, ainda, aponta um estudo do Banco Mundial que conclui que, nas economias de mercado consolidadas, 19% dos anos de vida perdidos por morte ou incapacitação física, por mulheres de 15 a 44 anos, são resultado da violência de gênero. Em países onde as doenças da pobreza são comuns e a mortalidade materna é alta, esta cifra é de 5%. Em termos globais, o mesmo estudo aponta que as consequências do estupro e da violência doméstica para a saúde das mulheres, medidas desta forma, são maiores que as consequências de todos os tipos de câncer, e pouco menores que os efeitos das doenças cardiovasculares, por exemplo.

Nesse sentido, Joaquim Gomes77, aponta que a discriminação admite

hipóteses de legitimidade, com chancela do Direito, e isso se dá, em situações de inevitabilidade, em razão das exigências específicas do tipo de atividade a ser executada, ou por força das características pessoais dos envolvidos.

Portanto, vê-se que as ações afirmativas são como uma espécie de discriminação juridicamente aceita, porque incorpora um formato de compensação, que concede certo “tratamento privilegiado” a um grupo historicamente marginalizado, trazendo em si um cunho “redistributivo e restaurador”, propiciando níveis de competição similares entre os que tiveram à margem e aqueles beneficiados pela situação.

Um dos embasamentos para justificar a aplicação de tais medidas são princípios, como o da igualdade e o da isonomia, que regem os Direitos Humanos e, portanto, as compensações que nascem em torno do estigma histórico que as mulheres carregam.

77 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da Igualdade: o direito como instrumento de transformação social: a experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. P. 21.