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Há muito tempo, o principio da igualdade deixou de restringir-se à interpretação que Aristóteles deu para ele, quando aduzia que se deviam tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, uma vez que é necessário destacar os critérios que autorizam este tipo de distinção entre as pessoas e as situações, para encaixá-los nos grupos de iguais ou desiguais.

Segundo Dominique Ribeiro78, “é esse diferencial que é erigido pelo

próprio sistema normativo e que, para tornar-se legítimo, deve estar revestido de

razoabilidade e proporcionalidade” (grifos da autora).

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello79 indaga “quando é

vedado à lei estabelecer discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este exercício normal, inerente à função legal de discriminar?”. Ainda, segundo ele, “qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações, pode ser escolhido como fator discriminatório”, sem que isso vá de encontro ao conteúdo jurídico- material do principio isonômico.

Diante disso, nota-se que alguns critérios como sexo, raça, credo religioso, dentre outros, podem sim servir de base para discriminar na esfera normativa, desde que haja compatibilidade entre os fins que tal norma almeja e o

conteúdo desta. Sobre o principio da igualdade, Ronald Dworkin80 se posiciona da

seguinte forma:

O primeiro é o direito a igual tratamento (equal treatment), que é o direito a igual distribuição de alguma oportunidade, recurso ou encargo. Todo cidadão, por exemplo, tem direito a um voto igual em uma democracia [...], O segundo é o direito ao tratamento como igual

(treatment as equal), que é o direito, não de receber a mesma

distribuição de algum encargo ou benefício, mas de ser tratado com o mesmo respeito e consideração que qualquer outra pessoa.

As ações afirmativas adotadas em diversos países, por exemplo, visam fazer a correção da defasagem entre o ideal de igualdade predominante nas

78 RIBEIRO, Dominique de Paula. Violência contra a Mulher: aspectos gerais e questões práticas da Lei 11.340/2006. 1ª edição. Brasília: Gazeta Jurídica. 2013. P. 50.

79 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Principio da Igualdade. 3ª Ed. 7ª tiragem. São Paulo: Melheiros, 1999. P. 13.

80 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério; tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P. 349.

sociedades democráticas modernas e um sistema de relações sociais marcado pela desigualdade e hierarquia. Tal aspecto está presente em vários dispositivos na

nossa legislação, inclusive na própria CF/1988, em seu artigo 5º, inciso I81.

Em virtude disso, a proteção das mulheres é muito aceitável e justificável, diante da constatação a respeito da grande ocorrência de violência contra ela e os

graves problemas sociais que são dela decorrentes82.

Dessa forma, a correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem e a mulher; aceitando-o, porém, quando sua finalidade for atenuar as desigualdades, como ocorre na ampla maioria dos casos de violência doméstica em que é flagrante a situação de vulnerabilidade da mulher em

relação ao agressor83.

Portanto, não queremos dizer que todas as mulheres são hipossuficientes em relação aos homens, mas sim aquelas que se tornaram vítimas da violência doméstica. Por consequência, além de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela própria constituição (art. 7º, XVIII e XIX; 40 §1º, 143, §§ 1º e 2º; 201 §7º), poderá a legislação infraconstitucional pretender atenuar os desníveis

de tratamento em razão do sexo84.

Diante disso, apesar do papel de destaque funcional que tantas mulheres possuem, atualmente, não se pode deixar de reconhecer que muitas outras ainda são hipossuficientes física e psicologicamente, por questões de ordem social e econômica, na maioria das vezes.

Logo, não existe porque não serem consideradas constitucionais as medidas que visem à defesa do direito à integridade física da mulher, bem como à integridade psicológica e a obrigação de todos que convivem em família

81 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (grifos nossos).

82 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, P.10

83 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, P. 220.

promoverem um ambiente favorável ao bom desenvolvimento material de todas as mulheres, independentemente de sua classe social, sua cor de pele, seu grau de escolaridade, garantindo, em consequência, a aplicação do principio constitucional da isonomia. É o mínimo diante do quanto lhes foi renegado em termos de espaços físico e metafórico, ao longo da história.

Destarte, a pretexto da inclusão social das mulheres e defesa de seus direitos, bem como da promoção do que se chama de discriminação lícita, o Estado Brasileiro editou a Lei Maria da Penha em 2006 e, recentemente, aprovou a Lei

13.104/2015 – A Lei do Feminicídio, criando a qualificadora do crime de homicídio

do artigo 121 do Código Penal, sobre a qual trataremos de forma mais esmiuçada no próximo capítulo.

3 LEI 13.104/2015: LEI DE FEMINICÍDIO

A importância do combate à violência contra a mulher, titular de direitos humanos, por si só justifica o estudo do tema. Ao abordamos a legislação envolvida, levanta-se um questionamento plausível a respeito da tutela estatal de proteção aos direitos das mulheres, que trata sobre ser necessária ou não a criação de um tipo penal específico ou de uma qualificadora para o homicídio de pessoas do sexo feminino, conhecido como feminicídio, tentando vislumbrar a efetividade das medidas punitivas no combate à violência contra as mulheres e sua contribuição efetiva para a emancipação feminina.

Por muito tempo, a violência contra a mulher foi considerada um problema inexistente em nossa cultura, uma questão de cunho privado que, de tão comum, era considerado natural no seio das famílias, em nada condenável.

Após o tratamento dado pela legislação internacional de direitos humanos e, posteriormente, pela legislação nacional, este tipo de violência começou a ser vista como verdadeiramente é: uma afronta clara aos direitos humanos e uma questão de cunho público, que deve ser extirpada da nossa sociedade.

Nesse sentido, muitos países passaram a repreender condutas discriminatórias e a promover ações afirmativas. O intuito maior, claramente, é que a mulher alcance a sua verdadeira dignidade, fazendo jus ao seu direito à igualdade, não apenas formal, mas, também, material.

Em prol da organização e conscientização social em termos de violência por questão de gênero, existem instrumentos que visam reconhecer direitos e conceder garantias femininas, os quais acabam por caracterizar a evolução da proteção às mulheres. Afinal, um problema só pode ser tratado a partir do momento que o identificamos e o categorizamos como tal.

A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, prevê medidas protetivas à mulher em situação de violência doméstica e familiar, sendo um dos exemplos do que significou um progresso brasileiro em relação à preocupação e à tentativa do Estado em combater esse tipo de ocorrência.

Dessa forma, na legislação pátria, há dispositivos legais, como leis, decretos, disposições constitucionais, tratados e convenções internacionais que tratam sobre o tema direta ou indiretamente. Já em termos mundiais, existem ainda convenções, conferências e acordos internacionais que resultaram da conscientização da comunidade internacional a respeito do assunto, sobre os quais trataremos a seguir.