Competências em auto-regulação estão cada vez mais reconhecidas como
importantes habilidades para o sucesso escolar e estão relacionadas com a qualidade ao
longo da vida, assim como competência social, emocional e o funcionamento cognitivo. De
acordo com Blair (2002), a capacidade de regular a atenção e a emoção são formas de
auto-regulação, fornecem uma base para a preparação para a escola e são favoráveis à
aprendizagem e em manter relacionamentos sociais positivos. A importância de
desenvolver essas competências no início da vida tem demonstrado que o desenvolvimento
de habilidade de auto-regulação na infância prediz saúde, estabilidade financeira e nível de
escolaridade na idade adulta (CURI; MENEZES-FILHO, 2009; MOFFITT et al., 2011). Há
especial interesse em treinamento durante a primeira infância, dada à maleabilidade e
plasticidade associada a este período de desenvolvimento. Além disso, os economistas
norte americanos têm demonstrado que os investimentos em educação infantil pagam a si
próprios, rendendo um retorno de 7% ou mais, aumentam a probalidade de estilos de vida
mais saudáveis e reduzem taxas de criminalidade e custos sociais globais (HECKMAN,
2011). À luz de tais evidências, o presente capítulo apresenta uma análise do enfoque dado
à educação de crianças, especialmente à Educação Infantil, no Brasil.
Desde 2006, escolas municipais vêm fazendo adequações para garantir o ingresso
de alunos de 6 anos de idade ao Ensino Fundamental de 9 anos, conforme a Lei nº 11.114,
de 16 de maio de 2005 (BRASIL, 2005). Com a implantação do Ensino Fundamental de 9
anos destinaram–se os três primeiros anos de escolarização ao Ciclo de Alfabetização em
dois níveis com promoção garantida ao aluno do Nível I para o Nível II (PARECER
CNE/CEB Nº: 4/2008). Visto que, trata-se de uma legislação recentemente estabelecida, no
qual os Municípios, os Estados e o Distrito Federal tiveram o prazo até 2010 para
implementar a obrigatoriedade para o ensino fundamental de 9 anos, no presente estudo
trataremos de focar a Educação Infantil compreendendo que o participantes de 6 anos de
idade já contemplavam a primeira etapa do Ensino Fundamental.
A Educação Infantil (EI), reconhecida como dever do Estado e etapa integrante da
Educação Básica, é fundamentada por documentos norteadores disponibilizados pelo
Ministéiro da Educação (MEC). O MEC disponibiliza uma série de documentos (MEC;
Brasil, 1998a, 1998b, 1998c, 2006a, 2006b) que orientam os projetos pedagógicos
desenvolvidos nas instituições de EI. De acordo com tais documentos, a EI deve criar
condições para o desenvolvimento integral da criança. Para tal, deve propiciar o
desenvolvimento de capacidades de ordem cognitiva, afetiva e de relacionamento
interpessoal, para além de física, ética, estética e que possibilite a inserção social. No
âmbito das capacidades cognitivas, os documentos mencionam a necessidade de
ferramentas e conteúdos que auxiliem o desenvolvimento do pensamento, apropriação e uso
de formas de representação e comunicação, além de habilidades de resolução de problemas.
No que tange a aspectos afetivos e de relação interpessoal, apontam a necessidade de
fomentar a compreensão de si e dos outros e atitudes de convívio social.
Desde 2010, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(BRASIL, 2010), estabelecem dados normativos a serem observados na organização de
propostas pedagógicas nas instituições de ensino. Este documento tem por objetivo o
estabelecimentos de referências de qualidade para a EI, apresentar os requisitos necessários
para uma educação que possibilite o desenvolvimento integral da criança até os cinco anos
de idade, considerando os aspectos físico, psicológico, intelectual e social. Apresenta ainda
procedimentos definidos para orientar a elaboração, planejamento, execução e avaliação de
propostas pedagógicas e curriculares na EI.
Em relação aos componentes curriculares, o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (BRASIL, 1998) tem por objetivo apresentar intenções educativas e
estabelecer capacidades que as crianças poderão desenvolver como consequência de ações
intencionais do professor, com isso, os objetivos auxiliam na seleção de conteúdos e meios
didáticos. De acordo com o documento, a definição dos objetivos em termos de
capacidades, e não de comportamentos, visa a ampliar a possibilidade de concretização das
intenções educativas, uma vez que as capacidades se expressam por meio de diversos
comportamentos e as aprendizagens que convergem para ela podem ser de natureza
diversas. O Referencial enfatiza ainda, que, ao estabelecer objetivos nesses termos, o
professor amplia suas possibilidades de atendimento à diversidade apresentada pelas
crianças, podendo considerar diferentes habilidades, interesses e maneiras de aprender no
desenvolvimento de cada capacidade.
Desta forma, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,
1998) enfatiza que, embora as crianças desenvolvam suas capacidades de maneira
heterogênea, a educação tem por função criar condições para o desenvolvimento integral de
todas as crianças, considerando, também, as possibilidades de aprendizagem que
apresentam nas diferentes faixas etárias. Para que isso ocorra, faz-se necessário uma
atuação que propicia o desenvolvimento de capacidades de ordem física, afetiva, cognitiva,
ética, estética, de relação interpessoal e inserção social, como sumarizadas a seguir
(BRASIL, 2010 - p. 38 – 39):
“As capacidades de ordem física estão associadas à possibilidade de
conhecimento, ao uso do corpo na expressão das emoções, ao deslocamento
com segurança.
As capacidades de ordem cognitiva estão associadas ao desenvolvimento dos
recursos para pensar, o uso e apropriação de formas de representação e
comunicação envolvendo resolução de problemas.
As capacidades de ordem afetiva estão associadas à construção da
auto-estima, às atitudes no convívio social, à compreensão de si mesmo e dos
outros.
As capacidades de ordem estética estão associadas à possibilidade de
produção artística e apreciação desta produção oriundas de diferentes
culturas.
As capacidades de ordem ética estão associadas à possibilidade de
construção de valores que norteiam a ação das crianças.
As capacidades de relação interpessoal estão associadas à possibilidade de
estabelecimento de condições para o convívio social. Isso implica aprender a
conviver com as diferenças de temperamentos, de intenções, de hábitos e
costumes, de cultura etc.”
Para que as aprendizagens infantis ocorram com sucesso, de acordo com o
Referencial Curricular Nacional para a educação Infantil, é preciso que o professor
considere, na organização do trabalho educativo (BRASIL, 2010, p.30):
• “a interação com crianças da mesma idade e de idades diferentes em situações
diversas como fator de promoção da aprendizagem e do desenvolvimento e da capacidade
de relacionar-se;
• os conhecimentos prévios de qualquer natureza, que as crianças já possuem sobre
o assunto, já que elas aprendem por meio de uma construção interna ao relacionar suas
ideias com as novas informações de que dispõem e com as interações que estabelece;
• a individualidade e a diversidade;
• o grau de desafio que as atividades apresentam e o fato de que devam ser
significativas e apresentadas de maneira integrada para as crianças e o mais próximas
possíveis das práticas sociais reais;
• a resolução de problemas como forma de aprendizagem”.
Apesar dos documentos disponíveis pelo MEC terem sua relevância no contexto
nacional, verifica-se que fornecem diretrizes e orientações gerais para elaboração de
currículo e ações educativas em classes de EI (BRASIL, 1998a, 1998b, 1998c, 2006a,
2006b, 2010). Como o próprio documento define, trata-se de uma proposta aberta, flexível
e não obrigatória, que poderá subsidiar os sistemas educacionais, que assim o desejarem, na
elaboração ou implementação de programas e currículos condizentes com suas realidades e
singularidades. Dessa forma, seu caráter não obrigatório visa a favorecer o diálogo com
propostas e currículos que se constroem no cotidiano das instituições, sejam creches,
pré-escolas ou nos diversos grupos de formação existentes nos diferentes sistemas, útil,
portanto, como elemento orientador de ações na busca da melhoria de qualidade da
educação infantil brasileira.
De fato, os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL,
2006a, 2006b) preconizam aspectos relevantes para a definição de parâmetros de qualidade
para a Educação Infantil no Brasil e ressaltam a relevância da participação dos professores,
dos demais profissionais da instituição e da comunidade no processo de elaboração de
propostas pedagógicas das Instituições de Ensino Infantil e no cumprimento da lei. Neste
sentido, não delimitam regras específicas ou fornecem proposta estruturada, o que pode
gerar dificuldade em transpor proposições teóricas em atividades práticas a serem utilizadas
em sala de aula. Mas na prática, conforme apontado por Dias e Seabra (2015), os
professores têm dificuldade em transpor os princípios dos referenciais nacionais em
atividades desenvolvidas para as crianças. De acordo as diretrizes do MEC no dia a dia
escolar, a criança deve ser apresentada a conceitos básicos de matemática e linguagem,
além de movimento, música, artes visuais e cultura, muitas vezes as propostas definidas
pelos profissionais da educação na escola.
Observa-se que, apesar de interessantes, tais propostas podem ser ineficazes, por
exemplo, em relação a quais conceitos de linguagem devem ser formentados ou como
promover melhor autocontrole. Historicamente o caráter das relações educativas na
instituição de Educação Infantil são perpassadas pela função indissociável do cuidar/educar
(ROCHA, 1999), no qual o atendimentos em muitas das escolas ainda predomina um
modelo de atendimento voltado principalmente à alimentação, à higiene e ao controle das
crianças, como demonstra a maioria dos diagnósticos e dos estudos de caso realizados em
creches brasileiras (CAMPOS; FULLGRAF; WIGGERS, 2004). Essa afirmação evidencia
a não-superação do caráter compensatório da Educação Infantil denunciado por Kramer
(1987) que ainda se manifesta nos dias atuais, como também a polarização assistência
versus educação, apontada insistentemente por Kuhlmann Jr. (1998). Sobretudo, acredita-se
que as mudanças socioeconômicas entre as gerações podem influenciar a transmissão das
práticas educativas, uma vez que, na medida em que uma nova geração vivencia diferentes
experiências ligadas ao trabalho e à educação, estas podem transformar seus valores sobre a
educação de crianças e consequentemente suas práticas educativas (WEBER et al., 2006).
Com o presente estudo espera-se poder contribuir para práticas baseadas em evidências
científicas sobre o desenvolvimento infantil.
Porém, apesar das possíveis críticas à Educação Infantil, como já se sabe, ela tem
fundamental importância no desenvolvimento de diversas habilidades em crianças.
Pesquisadores têm comparado amostras de crianças brasileiras que cursaram a EI e que não
cursaram a EI, sendo que tais estudos revelam que as crianças que frequentaram a EI
tendem a apresentar melhores desempenhos em relação as crianças que não cursaram a EI.
Em geral, os melhores desempenhos em habilidades de leitura, escrita, aritmética, relações
interpessoais e autocontrole são apresentadas por crianças que frequentaram o EI
(FERNANDES; DANDRA, 1981; PEREIRA; ALVES, 2002).
O impacto da EI pode ainda estender-se ao longo dos anos até a adolescência e vida
adulta. Evidências nesse sentido são oferecidas por um estudo que investigou os efeitos da
EI sobre os salários, a escolaridade e a proficiência escolar no Brasil. Houve impacto
significativo da pré-escola na conclusão dos quatro ciclos escolares, com efeito marginal
crescente nos três primeiros, e no desempenho escolar de alunos da 4ª, 8ª e 11ª séries.
Impacto positivo e significativo da creche foi observado na conclusão do colegial e do
Ensino Universitário. Ainda, e de forma independentemente do seu impacto na
escolaridade, a pré-escola teve impacto positivo sobre a renda dos indivíduos (CURI;
MENEZES-FILHO, 2010).
Tais achados estão alinhados com evidências internacionais. Um estudo importante
na área acompanhou crianças a partir de 3 e 4 anos de idade e investigou o impacto dos
fatores relacionados à pré-escola, criança e família no desenvolvimento cognitivo e
sociocomportamental da criança até os 11 anos de idade. Dentre os principais achados estão
cognitivo e sociocomportamental da criança e que os benefícios da EI continuam até os 11
anos de idade. Crianças com necessidades educativas especiais e aquelas menos favorecidas
foram mais beneficiadas pela EI (TAGGART et al., 2011).
Esses estudos mostram o evidente impacto da EI sobre o desenvolvimento da
criança e têm sido corroborados por investigações em outras áreas, como a Economia. Por
exemplo, o relatório do National Bureau of Economic Research concluiu que intervenções
para desenvolvimento de habilidades cognitivas e não-cognitivas realizadas em idades mais
precoces provêm alto retorno econômico, superando intervenções compensatórias que
ocorrem mais tarde no ciclo vital (CARNEIRO; HECKMAN, 2003). Tais achados são
corroborados pelo posicionamento da UNESCO, que tem enfatizado desde a década de 90
a importância da educação pré-escolar (DELORS; AL-MUFTI; AMAGI; CARNEIRO;
CHUNG; GEREMEK; NANZHAO, 1996) e, mais recentemente, a relevância dos
primeiros anos da infância para construir fundações sólidas para a aprendizagem
(UNESCO, 2007) e o papel da EI para fomentar habilidades que preparem a criança para o
aprendizado escolar (UNESCO, 2008).
Apesar das evidências destacando a importância de tais habilidades de
auto-regulação para o sucesso acadêmico e vida, essas habilidades muitas vezes não são
explicitamente ensinadas na escola. Emergentes evidências científicas apoiam a formação
dessas habilidades em crianças através de uma variedade de modalidades, incluindo
práticas baseadas em autorreguação (DIAMOND; LEE, 2011).
Felizmente, intervenções precoces para o desenvolvimento de habilidades executivas
podem prevenir déficit de habilidades executivas proporcionando benefícios de curto e longo
prazo, em âmbito escolar e social (ANDERSON; REIDY, 2012), sobretudo a promoção do
funcionamento executivo em escola pública (DIAS; SEABRA, 2015a, 2015b). Desta forma,
além de promover uma melhor adaptação e rendimento escolar, tal estimulação poderia
prevenir uma série de problemas sociais e de saúde mental, diminuindo custos sociais
relacionados a comportamentos desadaptativos e anti-sociais, incluindo adicção a substâncias, e
no diagnóstico de desordens do funcionamento executivo, a exemplo do TDAH e Transtorno
de Conduta (DIAMOND et al., 2007; MOFFITT et al., 2011). O investimento na educação
precoce, portanto, tem o potencial de melhorar a saúde e reduzir os comportamentos de
risco ao longo da vida, reduzindo assim os custos sociais globais, como trataremos no
capítulo a seguir.
FATORES PROMOTORES DO DESENVOLVIMENTO DE FUNÇÕES
EXECUTIVAS
3. FATORES PROMOTORES DO DESENVOLVIMENTO DE FUNÇÕES
No documento
INTERVENÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DE FUNÇÕES EXECUTIVAS EM CRIANÇAS DE 4 A 6 ANOS DE IDADE NO CONTEXTO ESCOLAR E
(páginas 38-48)