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O Papel das Disciplinas Cultura Popular e Música e Sociedade A disciplina Música e Sociedade é ofertada aos estudantes no

2 O LUGAR ONDE AS MÚSICAS SE ENCONTRAM

2.1 O CURSO, OS ESTUDANTES E A PROFESSORA/PESQUISADORA

2.1.1 O Papel das Disciplinas Cultura Popular e Música e Sociedade A disciplina Música e Sociedade é ofertada aos estudantes no

segundo semestre do Curso. De acordo com a ementa, a intenção da disciplina é abordar “As interações entre música e sociedade. A música e seu entorno. A sociedade e suas determinantes”. Para músicos recém-chegados, habituados a uma perspectiva individualista da música, que concebe a composição e a performance como um ato solitário, o entendimento da música como cultura e produto da interação social é totalmente novo. A definição de música que os estudantes têm é repetidora do senso comum ou subjetiva.

Música é a arte de combinar sons de uma maneira tradicional e que explica alguma coisa, uma ideia, um sentimento (Davi, 2º semestre, 2009).

É expressão de sentimentos. Aquilo que você pode expressar através da melodia, aquilo que você ta sentindo no momento, aquilo que você vive (Lucília, 8º semestre, 2009).

A arte de combinar sons de uma maneira tradicional demonstra o enraizamento de técnicas de composição conservatoriais, que negam outras possibilidades do processo criativo. Existem regras, e elas devem ser observadas, porque estão ali para explicar uma sensação. O contato com textos da etnomusicologia, a audição de músicas de povos asiáticos, africanos, indígenas, das expressões das músicas brasileiras provocam uma verdadeira revolução no pensamento de alguns estudantes.

Antes dessa disciplina [Música e sociedade] eu tinha uma outra concepção de música, né? Uma concepção totalmente teórica. Mas depois de alguns livros, algumas partes de livros que a Sra. nos dispôs, a gente teve uma concepção de música que é uma coisa totalmente prática. Como a gente vê povos do Irã. Nós aprendemos uma parte teórica, improvisando depois a parte prática. Eles aprendem uma parte prática e depois a teórica. É totalmente o inverso do que nós aqui aprendemos (Rafael, 2º semestre, 2009).

No terceiro semestre os estudantes do Curso de Música da UEPA fazem a disciplina Cultura Popular, cuja ênfase é o estudo das culturas brasileiras: “A elaboração e a utilização do conceito de cultura do ponto de vista antropológico. A diversidade das culturas formadoras do povo brasileiro.” De acordo com os princípios etnomusicológicos, se os músicos aprenderem a gostar, apreciar sua própria música e se reconhecerem nela, poderão compreender melhor a música do outro e interpretá-la melhor. Nesse momento do aprendizado, os estudantes, em geral, estão mais sensíveis para a escuta das músicas de tradição oral e reconhecem a importância da abordagem desse repertório para a educação musical.

O estudante de música, se estiver em contato com aquela música que seu avô tocava ou cantava, não terá a sensação de entrar em um mundo totalmente estranho da educação musical, ele sentirá uma certa familiaridade ou até mesmo, intimidade com aquele universo dos sons e, certamente encontrará mais facilidade em assimilar tal estudo. Além disso, levará adiante essa combinação entre cultura popular e a dita “acadêmica” através de sua carreira como instrumentista ou educador, isso o tornará, senão um músico mais evoluído, um cidadão mais evoluído (Douglas, 3º semestre, 2008).

Em média, dos cerca de trinta Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC produzidos a cada ano, três abordam a música das tradições orais. Cito alguns exemplos: A importância da música nos cultos de candomblé de caboclo – José Marinho dos Santos (2002), Os Linguarudos: carnaval de gente que cria

em Moju – Paulo Nataly Vieira (2009), Cultura Popular em Icoaraci: o carimbó tradicional como manifestação do Saber Popular – Diego Lima (2008), Banjo: as cordas do carimbó, sonoridade do banjo no carimbó de Marapanim e Belém –

Giselle Monteiro (2006).

Há, entretanto, os que fazem a descoberta do valor das disciplinas de cunho sociológico depois de concluírem o Curso.

Foi na Universidade que eu entrei em contato com o Folclore pela primeira vez, e graças à minha rígida formação conservatorial, e mais amplamente, à minha trajetória individual e social, naturalmente eu detestei a disciplina. Hoje em dia, ironicamente, recém-concluí meu doutoramento em Musicologia/Etnomusicologia com tese abordando práticas musicais populares urbanas. Nessa trajetória, acabei me distanciando do modelo conservatorial e de minhas práticas e saberes pregressos, não por achar que deva ser assim, mas porque o campo da Música é

alarmantemente sectário, assim como os seus profissionais, intelectuais e aspirantes (Paulo Murilo, ex-aluno, professor do Curso, junho de 2010).

A tentativa de compreensão das categorias que formam a identidade musical dos estudantes do Curso de Música da UEPA são apenas possibilidades e partes de uma verdade aberta, mutável. Em outras palavras, não posso pretender que ao final do trabalho terei capturado meu objeto definitivamente. Penso antes de tudo no não-dito, não-revelado, no implícito das falas e atitudes. As identidades reveladas nas falas nem sempre correspondem àquelas observadas no cotidiano da sala de aula.

As identidades, entre elas a étnica, não são objetos fixos, mas de uma intensa natureza processual. Daí seu caráter histórico, móvel, assumido e reassumido, formulado em vozes e reformulado de acordo não com o capricho, mas com circunstâncias históricas e sociais sempre em movimento. Donde a dificuldade, às vezes, de definir a diferença. Esta, vamos fazendo-a nós mesmos ao longo da história (DEVALLE, 2002, p. 27).26 (grifos da autora)

São diferentes possibilidades de escuta, reveladas pela pesquisa de campo e que permitiram a identificação de três comportamentos musicais entre os estudantes: o erudito, o evangélico e o popular. As denominações não são rótulos, mas uma tentativa de aproximação da realidade mais significativa que vem do fato de ser músico, músico e estudante. No próximo capítulo apresento cada um deles separadamente.

26 “Las identidades, entre ellas la étnica, no son objetos fijos, sino con una intensa naturaleza

procesual. De ahí su carácter histórico, móvil, asumido y reasumido, formulado en voces y

reformulado de acuerdo no con el capricho, sino con circunstancias históricas y sociales siempre en movimiento. De allí que sea a veces difícil definir la diferencia. Esta la vamos haciendo nosotros em el curso de la historia” (DEVALLE, 2002, p. 27).

3 QUANTO VALE A SUA MÚSICA? O ESCAMBO MUSICAL NO CURSO DE