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CAPÍTULO 1 – OS CAMINHOS DE INVESTIGAÇÃO

1.2 TRAÇADO SINGULAR NA CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA

1.2.1 Discurso e Enunciado : Lugares de buscas e encontros

A verdadeira substância da língua não é um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

Mikhail Bakhtin

A partir da epígrafe, que já antecipa as discussões a serem feitas aqui, vemos que, para além do estudo de textos ou fragmentos de textos, nossa pesquisa traz para o debate os enunciados que compõem o discurso. No nosso caso, é o discurso-resposta dos TILS, que, na sua realidade material-concreta, atuam em salas do Ensino Fundamental, de redes regulares de ensino espalhadas em alguns Estados do Brasil.

Considerando nossa base teórica bakhtiniana, cabe destacar em primeira instância, que, segundo Bakhtin e Volochinov, “para observar o fenômeno da linguagem, é preciso situar os sujeitos – emissor e receptor do som –, bem como o próprio som, no meio social” (2010, p.72), e, ainda, que

a unicidade do meio social e a do contexto social imediato são condições absolutamente indispensáveis para que o complexo físico- psíquico-fisiológico que definimos possa ser vinculado à língua, à fala, possa tornar-se um fato de linguagem (idem, p.73).

Apesar das dificuldades de encontrar conceitos lineares em Bakhtin, nosso intuito é deixar claro quais os pressupostos utilizados para nossa compreensão da pesquisa e seus elementos. Deste modo, começamos pela discussão sobre discurso.

Na obra Problemas da poética de Dostoiévski, o autor, ao tratar do seu “objeto de estudo”, afirma que o discurso é “a língua em sua integridade concreta e

viva e não a língua como objeto específico da linguística” (BAKHTIN, 1997, p.181). E, antes de adentrarmos nas questões do enunciado/enunciação, cabe destacar que, apesar da aparente aproximação conceitual entre discurso e enunciado, para Bakhtin,

[a] indefinição terminológica e a confusão em um ponto metodológico central no pensamento linguístico são o resultado do desconhecimento da real unidade da comunicação discursiva – o enunciado. Porque o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e dessa forma não pode existir (2010a, p.274).

Neste sentido, o discurso abrange os valores e conhecimentos dos indivíduos, enquanto sujeitos sociais. Tais valores e conhecimentos só se manifestam por meio de enunciados, ou seja, o discurso se refere, de fato, àquilo que foi dito num processo de enunciação real-concreta.

O discurso se constitui não apenas do próprio objeto, dos enunciados, em si – numa perspectiva de imanência. Ele é fruto das relações sócio-históricas, das situações concretas de produção/recepção e, ainda, das esferas de comunicação discursivas, nuances apreciativas e valorativas dos sujeitos envolvidos. Ou seja, discurso e enunciado se materializam de modo interligado e interdependente (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2010).

Em relação ao enunciado, Bakhtin e Volochinov (2010) apontam que devemos compreendê-lo como um elemento de comunicação, que tem/mantém relação indissociável com a vida. A enunciação concreta se dá na realização exterior da atividade mental direcionada a uma orientação social mais ampla e, ainda, à interação com interlocutores concretos. Segundo os autores, "a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor" (BAKHTIN, VOLOCHINOV, 2010, p.116).

O Enunciado se constitui a partir da fala que, em uma situação discursiva, representa a intenção do falante. Neste sentido, a situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação. E o centro organizador de toda enunciação é exterior – está situado no

meio social que envolve o indivíduo.

Considerando que o enunciado é a unidade real da comunicação discursiva, é nele que se expressa a materialidade linguística, e, como tal, poderia ser repetido em situações comunicativas diversas. Porém, cada enunciado é único e irrepetível, visto que, ao ser repetido, a situação de enunciação (momento histórico) será outra, bem como o sentido a ser atribuído (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2010).

De acordo com Bakhtin e Volochinov,

uma significação unitária, é propriedade que pertence a cada enunciação como um todo. Vamos chamar o sentido da enunciação completa o seu tema. [...] O tema da enunciação é na verdade, assim como a própria enunciação, individual e não reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem à enunciação (2010, p.131).

Esses elementos são discutidos pelo Círculo de Bakhtin como integrados e inseparáveis, os quais constituem os atos humanos. Desta forma, os sujeitos são considerados de modo situado social, histórica e concretamente.

Outro aspecto fundamental do enunciado é que sempre responde a outro enunciado, além de suscitar respostas, dando origem a novos enunciados que surgem, um em função do Outro (interlocutores) e assim por diante. Tanto que, para Bakhtin,

enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmo; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Esses reflexos mútuos lhes determinam o caráter. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo: ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta (2010a, p.297). A enunciação concreta, quando materializada, não tem um fim em si mesma, ela provoca resposta, ainda que seja o silêncio, posto que, na perspectiva bakhtiniana, o silêncio é resposta. Em função disto, cabe tratar também da interação verbal, que constitui a realidade fundamental da língua e remete à linguagem em seu uso social. Para Bakhtin e Volochinov, a interação verbal é a essência da

compreensão da linguagem – convoca o Eu e o Outro à “Inter-Ação”. Segundo os autores, "toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte" (BAKHTIN, VOLOCHINOV, 2010, p.117).

E, considerando que os textos são pontos de interseção de muitos diálogos e que são sempre povoados por muitas vozes, cada texto é um diálogo infinito, diálogo com outros textos.

No caso da nossa pesquisa, nosso diálogo com os TILS se deu com o propósito de desvelar nos seus discursos a compreensão e as concepções que eles têm acerca de seu papel no processo de formação do aluno surdo, sobre a sua própria formação e a constituição de suas alteridades profissionais.