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Presente em vários momentos de sua obra, um termo caro às considerações foucaultianas perpassa várias de suas considerações. É a partir da noção de discurso que se iniciaram as pesquisas de Michel Foucault, em torno da análise do discurso e das condições de possibilidade de sua existência. No decorrer de sua obra é possível perceber o estabelecimento do discurso como um modo de construção de sujeitos, de papéis, de valores, mas que, não obstante, sua força está em estreita relação com os jogos que o deixam surgir, reformular ou desaparecer.

Discurso e regime de verdade se autorreferenciam, apoiam-se, justificam-se. “Antes de poder ser declarada verdadeira ou falsa, [uma proposição] deve encontrar-se […] ‘no verdadeiro’” (FOUCAULT, 2013a, p. 32). Os discursos estabelecem os regimes de verdade ao mesmo tempo em que sua condição de existência é garantida por eles, que possibilitam que se afirme e que, nessa simbiose, fazem produzir determinados modos de existência dos

indivíduos, porque “as coerções do discurso […] limitam seus poderes, […] dominam suas aparições aleatórias, […] selecionam os sujeitos que falam” (FOUCAULT, 2013a, p. 35). O regime de verdade é política de verdade, que se estabelece e se põe em evidência com os discursos que ele mesmo faz funcionar como verdadeiros e com os procedimentos que dividem o verdadeiro do falso. É nesse sentido que discurso e regime de verdade existem em estreita ligação com a aceitação e a produção do verdadeiro, na busca incessante de saciar “essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história [...] como um sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente constrangedor) que vemos desenhar-se”. (FOUCAULT, 2013a, p. 14).

Outro aspecto das falas de Foucault sobre os regimes de verdade, possibilitados por discursos que produzem as relações, é que o saber e o poder estão intimamente ligados, em fórmulas de criação e justificação: o saber embasa e justifica o poder, e o poder coloca em exercícios os regimes em que determinado saber é aceito. Assim, um discurso não existe solto na sociedade, mas obedece a regras bem específicas, que o delimitam, definem e o destinam à situação de verdadeiro ou falso. Nesse sentido,

[…] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimento que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquiva sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 2005, p. 89).

Ao invocar que a produção do saber é controlada e obedece a leis outras que as da natureza ou a de um desenvolvimento natural, sequencial, lógico, na sociedade, Foucault adentra nos aspectos dos modos pelos quais os saberes se manifestam e transitam, obedecendo a fatores que o orientam, limitam e expandem, dependendo dos interesses e das situações concretas nos quais tenha sua origem. Trata-se de procedimentos para estabelecer “princípios

de exclusão”, discursos “no verdadeiro” e “no falso” e zonas abertas e penetráveis do discurso.

Esses procedimentos de delimitação do saber foram nomeados por Foucault e descritos por ele como condições estabelecidas para podermos afirmar se o discurso está ou não no verdadeiro e que funciona ou não em sua função de produção de verdade e o regime pelo qual produzimos o verdadeiro e todos os critérios para avaliarmos que algo é falso. O primeiro desses procedimentos é um que põe em funcionamento os “princípios de exclusão”, expressos em três princípios básicos: a) interdição e “tabus do objeto”, b) Separação e Rejeição e c) Vontade de Verdade (FOUCAULT, 2005).

Quanto aos “tabus de objeto”, existe em nossa sociedade o que Foucault (2013a, p. 9) de “interdições do discurso”. O caso é que “não se pode falar tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. […] Por mais que o discurso seja aparentemente pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder.” (FOUCAULT, 2013a, p. 9-10).

Cada um deles adianta-se com relação ao conteúdo do discurso, dizendo antes sobre a possibilidade ou não de o assunto ser tratado ou o nível que ele pode alcançar em certa “escala de verdade” em que estamos habituados a colocar as afirmações sobre as coisas. Pelas práticas de interdição, “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar qualquer coisa” (FOUCAULT, 2013a, p. 9).

No caso da evasão escolar, poderíamos pensar sobre quais seriam as zonas de interdição dos discursos ou em que medida podemos ter o “direito” de falar sobre evasão. Talvez o mais próximo que possamos desenvolver por agora é sobre o quão dependentes os estudos de evasão têm ficado de “levantamentos” matemáticos das causas e dos discursos vinculados à economia, como o de desperdício de vagas e de dinheiro, por exemplo. Tal como vimos no Capítulo 2 desta dissertação, a discussão sobre causas de evasão em geral levam aos pontos de inferência sobre quão responsáveis são os alunos por não concluírem os cursos. Nesses casos, podemos considerar o quanto interessa aos discursos manterem-se e em que medida os indivíduos podem reforçar sua existência e circulação, de tal modo que nem todas as zonas dos discursos de evasão estão disponíveis a todos. Esse ponto faz sentido porque “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2013a, p. 10). Nesse sentido, dentro da contribuição que possamos dar, este trabalho tentará analisar os discursos de evasão a partir das produções de sujeitos que os discursos de evasão permitem.

Não seriam, pois, considerando-se que os discursos são, eles mesmos, objeto de lutas, de se considerar que pode haver discursos que tenderiam a ficar submergidos e imobilizados em detrimento de outros, que ganham vivacidade e existência porque se coadunam aos regimes de verdade? Considerando que o contexto educacional brasileiro é marcado pela presença de estruturações sociais caracterizados por exclusão de grupos, como por exemplo, o caso da discussão de cotas e negros nas universidades públicas, nesses tipos de coisa, não seriam os discursos uma disputa política na qual a escolarização se vê envolvida? Uma vez que lutamos pelo discurso, é legítimo que também possamos inferir que

o espaço de produção dos discursos tenha seus conflitos e suas relações de poder e validação de saberes. Em condições de relações em termos de hegemonia, por uma série de condições de possibilidades de sua existência, podemos interditar quem pode ou não falar.

O que nos leva à questão de que o verdadeiro pode estar vinculado às separações e rejeições de discursos e de autores que podem ou não falar. Sobre a evasão, podemos nos permitir um paralelo com a questão da loucura, sobre a qual incidiam os princípios de exclusão, separação e rejeição. Diz Foucault (2013a, p. 10), sobre a oposição entre razão e loucura que:

Desde a alta idade Média o louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um ato ou um contrato, não podendo nem mesmo, no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo.

Antes de chegar ao nosso ponto em questão, continuamos com Foucault (2013a, p. 10-11):

[…] pode ocorrer também, em contrapartida, que se lhe atribua, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não poder perceber. […] [A palavra do louco] ou caía do nada – rejeitada tão logo proferida; ou então nela se decifrava ingênua ou astuciosa, uma razão mais razoável l do que a das pessoas razoáveis.

Ora, o que ocorre quando analisamos a produção sobre os temas de evasão escolar? Quando queremos compreender os processos de evasão, o aluno evadido desempenha o mesmo papel do louco, entre o papel de rejeitado e o de possuidor de verdades. Nas instituições, pelo próprio teor pejorativo de termos vinculados à evasão, como “abandono”, “desistência”, “fracasso”, o aluno evadido faz as vezes do louco que desvia-se da normalidade. A evasão, tal como a insanidade, passa a ser encarada com problema e, como se fosse um caso de saúde, buscamos eliminá-lo sanando-o, medicando-o e, por fim, quando entendemos que todo o esforço possível já foi despendido, incorporamos como razoáveis dentro dos desvios esperados e os relegamos à condição de interditados, mesmo que isso implique em sua separação dos demais indivíduos.

Porém, esse mesmo louco/evadido é tomado como sujeito dotado de sabedoria diferenciada e, portanto, capaz de lançar um olhar tal sobre temas que as instituições/ os normais não conseguem enxergar. Ora, como poderíamos compreender aquela exacerbada construção de saberes apoiadas em entrevistas com evadidos, aquela enxurrada de perguntas

ao louco-anormal-evadido que pode lançar as bases sobre o conhecimento das causas que lhes transformaram em anormais no sistema de ensino? É Foucault (2013a, p. 12-13) quem responde:

[…] Basta pensar em todo o aparato de saber mediante o qual deciframos essa palavra [louco]; basta pensar em toa a rede de instituições que permite a alguém – médico, psicanalista – escutar essa palavra e que permite ao mesmo tempo ao paciente vir trazer, ou desesperadamente reter, suas pobres palavras. […] Se é necessário o silêncio da razão para curar os monstros, basta que o silêncio esteja alerta, e eis que a separação permanece.

O alerta é mantido mesmo quando nos dirigimos ao evadido – louco para escutar suas palavras na busca da verdade. Mas ainda o fazemos na condição de relação de poder em que suas falas poderão ser recortadas e no poder final de aceitar ou não a sua palavra.

Nesse ponto, os discursos de evasão ganham de novo a dúvida de suas articulações, mantêm em suspenso a neutralidade das buscas das causas e permite entrever que a produção de saberes sobre o tema passa pelos vieses de quem possa dar as cartas e distribuir os limites entre o verdadeiro e o falso.

Isso pode ser explicado pela presença constante de uma “vontade de verdade”. É que

[…] apareceu uma vontade de saber que, antecipando-se a seus conteúdos atuais, desenhava planos e objetos possíveis, observáveis, mensuráveis, classificáveis; uma vontade de saber que impunha ao sujeito cognoscente (e de certa forma antes de qualquer experiência) certa posição, certo olhar e certa função. (FOUCAULT, 2013a, p. 16).

Dessa série de elementos, o posicionamento dos cognoscentes é destacado porque está implicado nas possibilidades sobre os objetos dos quais se fala. A vontade de verdade sobre a evasão escolar choca-se (ou encontra-se?) com os discursos institucionais, com o desejo de a educação alcançar os índices internacionais com a vontade ou não de interferirmos nas produções históricas instaladas das relações de poder.

As leis desse grupo de procedimentos, entre vontade de saber e de poder, trazem consigo a capacidade de deixar florescer os discursos e saberes que são interessantes ao exercício dos poderes ou deixar morrer, separar e ignorar os que não o são. Há uma série de dispositivos e hierarquias que possibilitam separar falas “no falso” de falas que se situam “no verdadeiro” e eles são devedores das organizações sociais historicamente localizáveis no tempo e no espaço. Os constructos que permitem estabelecer esses limites de separação são históricos, marcados “pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído” (FOUCAULT, 2013a, p. 17).

Podemos, por fim, tornar o discurso rarefeito. Funciona como acesso à distinção entre os indivíduos, capaz de elevar ou diminuir o sujeito falante em termos da aceitabilidade de suas considerações, agregado ao extenso desenrolar dos pressupostos de hierarquização de saberes, e, consequentemente, dos indivíduos na ordem do discurso.

As interdições, nesse caso, vêm de novo naquilo que antes colocávamos em termos de interdição-relâmpago do que é falado pelo evadido-louco, restrito em sua condição de anormalidade, mas trazido à cena nem que seja para reforçar sua situação desfavorável na arena dos discursos. Mesmo que façamos as articulações de saber sobre a evasão a partir do que o indivíduo evadido possa falar, nos limites dessa “autorização” para falar, as respostas poder ser utilizadas para explicar por que ele “fracassou”, “desistiu”, “abandonou”, “resolveu escolher” ser evadido, em claros sintomas de interdição de discursos e, por conseguinte, interdição da possibilidade de garantir seus modos próprios de relações de saber e poder. Disso entendemos o quão disperso os discursos são e como ultrapassam o simples dizer, falar, narrar suas versões. Ao louco que fala não está garantido o agrupamento dos discursos no viés de sua percepção do mundo, mas pode ser incluído justamente na maquinaria que produz a verdade sobre si e continua reforçando sua condição de anormal.

Com relação à evasão escolar, o assunto é por nós tratado de acordo com as condições contingenciais de possibilidade que permitem dizer uma coisa, e não outra, sobre ela. Os documentos que foram lidos, as entrevistas que foram feitas, a análise que será feita, esses elementos serão condizentes com o momento histórico, isto é, os modos que possuímos, hoje, de compreender e valorizar a vida e suas interfaces têm muito a ver com as construções que foram feitas ao longo do tempo e permitem-no estabelecer a malha de compreensão das relações no mundo. Estarão, em outras palavras, em acordo com nosso lugar de escrita no discurso, nesta instituição, com estas determinadas pessoas. As áreas de interdição, de separação e de vontade de verdade vinculam-se aos regimes de verdade de um momento histórico específico e singular, ímpar em sua constituição e devedor de vários outros constructos que o fizeram apresentar-se em sua maneira própria e distinta, hoje, de todos os outros, passados ou futuros.

O tema da evasão escolar podemos tratá-lo, então, de acordo com as condições de possibilidade para dizermos algo sobre ele, para interpelar suas razões, nessa perspectiva de uma vontade de chegar a essa razão, em sua “essencialidade”, princípio gerador e aglutinador de todos os desdobramentos. De nossa parte, entendemos que essa essencialidade não é passível ser estabelecida, não nesse contexto em que ganhe contornos de eternidade imutabilidade.

As construções históricas que ajudaram a formar o ambiente de pesquisa (seus elementos humanos, institucionais, éticos, suas deontologias, suas interdições) apresentam-se de maneira que possamos dizer uma coisa, e não esta nem aquela, mas esta, própria, eleita entre tantas possíveis, já que

[…] cada instituição tem as suas peculiaridades no que concerne ao ordenamento das incitações, interdições, silenciamentos e ênfases do que pode ou não pode ser dito e do que é, efetivamente, dito. E cada uma — escola, aparelhos estatais, igrejas, ONGs, parlamentos etc.— tem seus próprios regimes e suas próprias políticas de verdade. No caso da escola, em especial, estão em jogo eficientes elementos que imprimem uma “ordem muito ordenada” aos discursos; talvez o principal deles seja justamente o poder disciplinar, sempre classificando e hierarquizando e sempre atrelado a determinados saberes. (VEIGA-NETO, 2006).

Os discursos de evasão escolar são produzidos de acordo com as regras próprias das relações de poder possíveis no ambiente escolar. Atendem, como discursos, às tentativas de estabelecimento das relações de saber e poder; e por isso nos poderão ajudar a conhecer regimes de verdade que os sustentam. A evasão servirá, como veremos mais adiante, de elemento valorativo das relações, ora como causa, ora como consequência de eventos e relações historicamente constituídas.

Outro conjunto de regras para a permissão de existência e promulgação dos saberes funciona a partir da ideia de que é possível dividir a produção de discursos entre aqueles que

estão “no verdadeiro” daqueles que estão “no falso”. Porque, em algum parâmetro, as

coisas são ditas verdadeiras ou falsas, e boa parte dessas classificações tem a ver com as noções de discurso. Via de regra, tais conclusões são possíveis porque introduzimos uma série de procedimentos que acabam por produzir lugares de verdade. Como diz Veiga-Neto (2009, p. 97),

[…] ao funcionar como um conjunto de disposições, ações e representações que combinam, entre si, atividades de produções (material e simbólica) de comunicação e de governamento, […] a disciplinaridade que circula naquele grupo […], a disposição disciplinar dos saberes que ali circulam e dos corpos (e suas almas) que ali vivem – produz “enquadramentos automáticos” cuja principal característica será a de, com o passar do tempo, dispensar explicações e justificações, naturalizando o fundamentalismo que partilham em comum.

Estar “no verdadeiro” vincula-se à condição de que o discurso atende aos parâmetros de delimitações da existência da verdade, atende às interdições, aos tabus e à vontade de saber. Os desdobramentos da materialidade das relações e das ordenações (de tempo, de espaço, de hierarquia de sujeitos, de hierarquia de valores) põem em movimento relações que

passam a ser tratadas como verdade, Justificam as relações porque atendem a procedimentos para obtenção ou extração da verdade, ao passo que fica binariamente separado o que é falso. Na cesura desses critérios e procedimentos, binariamente, obtemos o falso a partir de sua contraposição ao que é verdadeiro.

O impacto dessas afirmações foucaultianas é bastante amplo porque se os discursos são justificados de maneira artificial pela sua correlação à verdade, as relações que decorrem e se baseiam nos discursos também são históricas, contingenciais, escolhidas, orientadas, priorizadas, mas não absolutas. A verdade, confessada em sua amplitude pela sua correlação com os discursos que atravessam indivíduos e procedimentos, também passa a ser um lugar próprio, produzido e validado no seio das sociedades, nas esteiras das relações, com o que elas entendem por necessárias, benéficas e saudáveis.

Produzido num lugar do verdadeiro, e só dessa maneira, um discurso passa a ser aceito. Porém, isso não significa que a escolha e a postura em circulação sejam tão simples ou tão lineares, já que cada discurso é devedor dos anteriores e das relações de poder implicadas por seus efeitos, bem como pelas resistências que ampliam ou reduzem as possibilidades de dizermos algo.

Internamente, por esse conjunto de procedimentos para delimitar os limites entre verdadeiro e falso, os discursos têm de dar conta de atender aos princípios de classificação, ordenamento e distribuição: “O discurso é uma verdade nascendo” (FOUCAULT, 2005, p. 46). Por seus modos de existência, produção e reprodução, os discursos dão conta de princípios capazes de diferenciar falso e verdadeiro. Ordenados, esses critérios postos em vias de comparação entre o que se esperar e o que se produziu podem dizer sobre o discurso o que eles são e se podem ou não ser considerados válidos. O discurso

[…] nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos; e, quando tudo pode, enfim, tomar a forma do discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de tudo, isso se dá porque todas as coisas, tendo manifestado e intercambiado seu sentido, podem voltar à interioridade silenciosa da consciência de si. (FOUCAULT, 2013a, p. 46).

É o trato da verdade a partir de procedimentos formais ou do atendimento de pré- requisitos que, numa formulação de constatações prévias, define o que é ou não verdadeiro. Isso implica que a verdade possa ser compreendida mais como formalidade do que propriamente essencialidade, conteúdo, mais tácita nos termos sociais que a definem do que na aproximação de realidade entre o que é dito e o “real”.

discurso parte do estabelecimento de zonas de discursos, isto é,

[…] nem todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas (diferenciadas e diferenciantes), enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e postas, sem restrição prévia, à disposição de cada sujeito que fala. (FOUCAULT, 2005, p. 35).

As regiões postas à disposição de cada sujeito estão abertas a intervenções contínuas, sem restrições. As proibidas, por outro lado, são reservadas a algumas pessoas ou grupos, em alguns momentos, sob certas circunstâncias, e podem ser postas em termos de hierarquias e disposições entre si, estabelecendo os termos das relações de poder que se estabelecem entre os sujeitos que podem ou não fazer uso desse tipo de discurso.

Por fim, a sociedade vai se estabelecendo em torno de verdades que aceita, mas que