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Discursos do campo: o que se pensa a respeito do gênero

No documento mariaritanevesramos (páginas 101-104)

5 PESQUISA DE CAMPO: GÊNERO NAS REFLEXÕES DAS

5.1 Discursos do campo: o que se pensa a respeito do gênero

É unânime a concordância das entrevistadas62 com relação à importância da discussão categoria gênero junto a Educação, contudo os argumentos apontados como justificativa são distintos. Apresentamos as concepções gerais defendidas pelas entrevistadas brevemente, observando se acompanham as tendências e influências de distintas esferas apontadas ao longo desta pesquisa, tanto pelos documentos quanto pelo acúmulo bibliográfico, quando nos referimos ao tema gênero.

A entrevistada da Coordenadoria de Políticas Públicas Casa da Mulher é contundente em afirmar a importância política do tema gênero, que visibiliza os direitos da mulher em muitas frentes, como o combate à violência doméstica. A entrevistada reconhece o papel do trabalho educativo desenvolvido nesse sentido, mas atribui como instância primeira de ação a responsabilização do poder público em promover uma Educação de qualidade para todos e todas, e também o diálogo entre instituições para se combater a questão da violência, de forma preventiva. Toda a entrevista é perpassada por esse tom, ou seja, a preocupação com os efeitos nocivos da categoria gênero sobre o fenômeno da violência e com a transversalidade de ações institucionais nesse sentido para recobrir os muitos setores de atuação junto à sociedade. Essa linha de pensamento é coerente com reflexões apontadas por referenciais teóricos já analisados nesta pesquisa, como as produções da SECADI.

Os discursos das professoras da rede e das representantes da Secretaria de Educação de Juiz de Fora (MG) apresentam bastante similaridade. Tereza, uma das entrevistadas da Secretaria de Educação, coloca que “[...] (a discussão de gênero) ela vem dentro do que a gente já havia relatado, [...] a gente, analisando esses documentos, a gente traz essa questão mesmo voltada ao respeito à diversidade”. A entrevistada Silvana, também da Secretaria de Educação, dá maiores explicações a esse respeito:

Na questão da Educação Infantil, a gente tem que colocar três elementos essenciais para essa discussão, que é a escola de qualidade. Para que a

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escola seja de qualidade a escola precisa da ludicidade, ela tem que ser acolhedora e ela tem que ser valorosa. Então, ela tem que trabalhar esses valores com as crianças. Esse é um ponto essencial porque, se ela é valorosa, vai passar pelo respeito pela diversidade, vai passar pelo respeito a essas interações, independente de faixa etária criança-criança, crianças e adultos, né. Nessas relações, a nossa discussão tem sido essa, em vivenciar a cidadania em situações reais, que passa pelo respeito em todas essas situações, e considerando que o pedagógico não é só o espaço de sala de aula, mas todas as relações que a criança tem dentro e ao redor da escola, tudo abrange esse pedagógico.

As professoras da rede municipal também fundamentam seu trabalho e seus argumentos no princípio do respeito, expressando com maior propriedade o cotidiano das relações na Educação Infantil. O respeito, na opinião das entrevistadas, perpassa questões como a relação com as famílias, brincadeiras e convivência de modo geral. As professoras usam o termo “diversidade” de maneira imprecisa, e ao serem questionadas mais especificamente, apontaram conhecidos conflitos que envolvem o preconceito racial e de orientação sexual.

O pontoa ser destacado nas falas da Secretaria de Educação, e também da escola, é o emprego do termo diversidade. A palavra diversidade parece estar sendo empregada no sentido da multiplicidade humana, o que nos conduz ao pensamento sobre as diferenças63. Os documentos apontam para o debate das muitas formas de dominação, que se pautam justamente nas relações sociais desiguais. Logo, muitas tensões são observadas em discussões teóricas sobre a diferença humana. Uma dimensão que destacamos é o silenciamento diante das pluralidades que possuem demandas específicas, como a diversidade de gênero e a diversidade étnico-racial, como se a palavra comportasse conflitos que são bem distintos. As pesquisas de Bichara (2016) mostram preocupação com o esvaziamento das palavras no interior da formação docente, revelando que, em vários sentidos, a utilização de termos vagos, como se fossem slogans, nega as especificidades, universalizando-as sob um suposto discurso de inclusão. As autoras, pautando-se nos escritos de Hegel, Joan Scott e Gimeno Sacristán, situam essa dinâmica no centro da tríade desigualdade-igualdade-diferença. Esses conceitos se colocam em constante interdependência, uma vez que as desigualdades sociais se apresentam pela

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Sobre os usos e abusos do termo Diversidade, a dissertação de Fernanda Bichara intitulada

Diversidade e Educação: do slogan à intersecção das categorias sociais (2016) traz rica e

classificação e posterior hierarquização das diferenças. Nesse mesmo raciocínio, em recente palestra sobre a Diversidade na Educação, o professor Rogério Junqueira, membro do INEP, discorreu sobre outro slogan da Educação, já citado nesta pesquisa: o bullyng. O termo bullying vem sendo empregado em referência a diversas manifestações de violência escolar. A palavra, erroneamente, comporta violência psicológica, física e discriminação social. Com isso, tanto reduz atos de violência de grande amplitude a atos que somente ocorrem entre pares quanto reduz o entendimento de responsabilidade, influência e ação das instituições, como a escola, como se ela não discriminasse e o problema fosse apenas das pessoas que lá estão64.

Se concebida em termos de oposição, as diferenças deixam implícitos os sentidos negativos por conta das separações e “graduações” das diferenças: homem e mulher: adultos/as e crianças; negros/as e brancos/as, e assim por diante. As diferenças, ao serem visualizadas negativamente, adquirem o tom da diferenciação, forçando a conotação de grupos de seres humanos em “melhores” ou “piores”, além do entendimento de que o diferente é sempre “o/a outro/a”. Logo, fica prejudicada a aceitação de outro ser humano como igual em termos de direitos. A diferenciação, ao invés de ser vista como possibilidade de existência, pode ser admitida como distintiva, encerradas em posições antagônicas, como bem nos lembra Daniela Auad (2002; 2003). Tal observação da autora nos é útil para questionarmos sob quais bases se firmam, ou se pretendem construir, os ideais de sociedade e de Educação. Se reconhecendo-se as diferenças, ou as ocultando sob um slogan, ou as hierarquizando, conferindo-se graus de cidadania a grupos de pessoas, e, por conseguinte, perpetuando as desigualdades. Já nos alertou a professora Maria Victória Benevides: “A diferença pode ser enriquecedora, mas a desigualdade pode ser um crime”.

Logo, frisamos a importância da elucidação dos conceitos que definem o gênero e também a diversidade, ao passo que equívocos relacionados à expressão desses fenômenos no âmbito da escola, e também fora dela, podem dar continuidade a práticas que fomentam e perpetuam as relações de tratamento

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Palestra de abertura do evento Seminário: Diversidade – Avançar é preciso, intitulada Diversidade

Social e Direitos Humanos. Evento promovido pela Câmara Municipal de Juiz de Fora (MG), em

desiguais entre mulheres e homens, brancos e negros, pobres e ricos. Infelizmente, as terminologias e orientações genéricas contidas nos documentos da Educação, e que são base para o trabalho de professores/as, são insuficientes em apreender os mecanismos de exclusão, o que enfraquece o poder de transformação do mundo social.

No documento mariaritanevesramos (páginas 101-104)