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Educação Infantil: A construção da prática cotidiana

No documento mariaritanevesramos (páginas 87-90)

4 EDUCAÇÃO INFANTIL E GÊNERO NAS PROPOSTAS

4.1 Educação Infantil: A construção da prática cotidiana

O documento tratado nesta seção inicia sua apresentação dando intenso destaque ao diálogo entre os profissionais da área, em ações ocorridas em grupos de estudos. Também versa acerca do diálogo com as crianças, que contribuíram expondo seus desejos por meio de falas e desenhos. Esse material vem a ser um desdobramento das Diretrizes Educacionais para a Rede Municipal de Juiz de Fora, intitulado “Linhas Orientadoras para a Educação Infantil nas Escolas da Rede Municipal de Juiz de Fora”. A publicação é do ano de 2010 e possui 61 páginas.

O primeiro item traz uma reflexão sobre a compreensão de currículo na Educação Infantil. O trabalho nesse nível de ensino deve colaborar na “[...] construção de um projeto de humanidade, por meio dos encontros entre pessoas em espaços formais ou não de educação” (BRASIL, 2010, p. 8-9). Ademais, discorre sobre todas as dimensões que envolvem o ato de educar, como a brincadeira e a imaginação.

Os princípios que fundamentam o trabalho nos espaços de Educação Infantil representam um encontro entre as concepções de crianças, suas infâncias, as dimensões e as práticas pedagógicas, postulando-se que não devem ser compreendidos de forma isolada, mas em constante interação (BRASIL, 2010).

De acordo com a publicação, as crianças devem ser compreendidas como sujeitos ativos, participativos, seres sócio-histórico-geográficos. Logo, como sujeitos de sua aprendizagem e produtoras e influenciadoras da cultura e da sociedade. Concomitantemente como sujeitos reais e cidadãos de direitos. Ademais, as crianças também devem ser vistas como possuidoras de processos de significação próprios e como seres brincantes e coletivos, que se singularizam na vivência com seus pares e com outros sujeitos.

Remetendo às DCNEI vigentes, o referido material aponta que as propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar a criança como centro do planejamento curricular, pois esta é sujeito histórico e de direitos que, “[...] nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura” (BRASIL, 2009, p. 1). Destarte, a concepção da infância se situa na percepção sócio-histórica, uma vez que esta etapa da vida “[...] é uma construção social influenciada pelo contexto histórico, psicológico, político e social”. Nesse sentido, o documento cita as abordagens teóricas de Paulo Freire, Celestin Freinet, Henri Wallon e Lev Semenovitch Vigotski para pensar sobre as interações que ocorrem entre desenvolvimento e aprendizado.

Como fundamentos, o documento institui como intencionalidade “[...] considerar a historicidade e a geograficidade das crianças [...] com contextos culturais singulares, em reconhecimento à diversidade de infâncias presentes nos diferentes espaços e tempos” (JUIZ DE FORA, 2010, p. 26). Nesse contexto, podemos compreender que a Educação Infantil conta com o respeito para com a criança cidadã, “[...] fazendo jus a defesa da democracia, considerando-a com parte de uma classe e grupo social e cultural” (KRAMER, 2006, p.800).

Dessa maneira, a publicação também prevê uma “[...] visão de sujeito ativo e produtor de cultura no tempo presente” (JUIZ DE FORA, 2010, p. 26). Favorece-se a pessoa da criança como primeira interlocutora do processo, autônoma e autora. A brincadeira é a essência do trabalho pedagógico, visto que é através dessa prática “[...] que se dá o processo de humanização, de constituição de si, do mundo e do outro, nos processos de apropriação do conhecimento e de constituição de

identidades e subjetividades” (JUIZ DE FORA, 2010, p. 27). Sobre o papel do/a professor/a, o referido material estabelece:

Nesta relação dialógica, o educador tem o papel de mediador, promovendo intencionalmente aprendizagens, através das interações que estabelece com as crianças; compreender a diversidade de culturas, a diversidade dos povos, suas diferenças; estabelecer uma coprodução de todos os envolvidos no contexto da instituição (funcionários, professores, direção, coordenação, criança, família e comunidade). (JUIZ DE FORA, 2010, p. 27)

O documento ainda versa sobre a importância de se compreender e conceber o cuidar e o educar na Educação Infantil em suas dimensões psicossocial, física, cultural e intelectual. As práticas pedagógicas devem englobar as diversas linguagens e estabelecer relações dialógicas considerando os diversos contextos culturais, não apenas no âmbito do espaço da sala de aula, mas de todo o ambiente educativo, respeitando a individualidade e a expressão das vivências sociais de cada criança (JUIZ DE FORA, 2010).

Mais adiante, traz referências relacionadas à organização do espaço e do tempo, rotinas e atividades e as capacidades que tais arranjos devem favorecer. No item organização dos materiais e artefatos “[...] os materiais devem permitir a experiência coletiva das crianças, independente de suas condições de gênero” (JUIZ DE FORA, 2010, p. 43). Nesse momento, o documento considera o gênero, contudo ao mencioná-lo, o desmerece. Os trabalhos de Cruz, Silva e Souza (2008) apontam o brinquedo como um forte indicador de posturas relacionadas ao gênero, cuja organização remete diretamente a uma hierarquização dos sexos, construída historicamente. Dessa maneira, entendemos que é possível que o brinquedo e as brincadeiras atuem como instrumentos dos mecanismos de controle e educação do comportamento infantil, já que o brincar carrega significados ligados a modelos de masculinidade e feminilidade. Questiona-se: a utilização dos materiais é

independente de gênero?

Ao lado disso, a publicação pontua que “[...] as crianças subvertem os usos de diferentes materiais, por isso é importante garantir tempos para que explorem, se apropriem e ressignifiquem os objetos em seus diversos usos” (JUIZ DE FORA, 2010, p. 43). Menciona a utilização de material diverso, sempre dialogando com os saberes historicamente produzidos para pensar em “[...] referenciais para reflexão e

construção do conhecimento, envolvendo os princípios dos conhecimentos históricos, geográficos, sociológicos, linguísticos, matemáticos, científicos, artísticos entre outros” que favoreçam a compreensão da vida em sociedade, das paisagens, diversidades, linguagens e habilidades (JUIZ DE FORA, 2010, p. 47). Cabe aqui uma observação a respeito dessa colocação trazida pelo referido material. Se a sociedade se baseia em uma ordem social sexista, como já debatido nessa pesquisa, o brincar pode vir a assumir um caráter de reforço das relações de gênero tradicionais, ao invés de propor a reconstrução dessas relações em outros sentidos e direções.

Ademais, apresenta alguns relatos de experiência, sugestões de registros e avaliação das práticas pedagógicas, projetos de trabalho e seus desdobramentos em várias direções. Notamos que a publicação traz o termo gênero apenas em um momento da organização da Educação Infantil do município de Juiz de Fora e, ainda assim de maneira equivocada, desconsiderando seus desdobramentos.

O documento se encerra expressando que a iniciativa não representou um fim, mas um começo para as reflexões descritas. Dessa primeira proposta, seguiu-se a segunda, que analisamos a seguir.

No documento mariaritanevesramos (páginas 87-90)