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O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática sobre o efeito do treino de força no tratamento da depressão. De uma forma geral, foi possível verificar que o treino de força tem efeitos positivos no tratamento da depressão. Entre as possíveis explicações para estes resultados, destacam-se a teoria da autoeficácia de Bandura (Bandura, 1977) que descreve a crença ou confiança que um sujeito tem nas suas próprias capacidades para realizar uma determinada tarefa ou resolver um problema. A autoeficácia acaba por influenciar os objetivos que são colocados, bem como as ações e os resultados que se obtêm. Na realidade, o treino, através da repetição sistemática, resulta num aumento da eficácia do indivíduo. No caso concreto do treino de força, essa eficácia pode ser constatada pelo aumento das cargas (aumenta a capacidade de produzir força) e por alterações da imagem corporal (desenvolvimento de massa muscular, ou seja, hipertrofia muscular). A obtenção destes dois resultados depende da dinâmica da carga de treino tendo a revisão dos estudos apontado para mais benefícios com a frequência e intensidade das cargas (Schoenfeld et al., 2016; Schoenfeld et al., 2017), parâmetros da carga determinantes para os ganhos de força e hipertrofia muscular (American College of Sports Medicine, 2009; Krzysztofik et al., 2019). Outra das teorias que pode explicar os benefícios do exercício físico na depressão é a teoria Biopsicossocial da Saúde que apoia o facto de que os seres humanos devem ser vistos como um sistema complexo. Este modelo reflete uma tentativa de incluir os fatores mentais, físicos e sociais num só sistema (Engel, 1977). O exercício físico trabalha, de fato estas três vertentes, sendo a componente social bastante estimulada no caso do treino de força, pois este decorre, normalmente, numa sala com equipamento próprio, onde treinam muitas outras pessoas e onde há um instrutor que dá atenção particular a cada indivíduo. Esta atenção individualizada e o contexto coletivo, podem ser fatores que favorecem a socialização da pessoa com depressão, ajudando a atenuar a sintomatologia.

Relativamente à dimensão da amostra dos estudos incluídos na revisão, foi heterogénea, tendo sido abrangidos ambos os sexos e várias faixas etárias. A dimensão da amostra apresenta-se relevante na realização das investigações. Se por um lado uma amostra de grandes dimensões permite conclusões e generalizações mais efetivas, uma

23 amostra de pequenas dimensões permite um controlo mais ajustado no que toca à intervenção. De acordo com diversos estudos ( Taspinar et al., 2014; Gadelha et al., 2015; Dziubek et al., 2016; Ericsson, Bremell, et al., 2016; Vizza et al., 2016; Ericsson, Bremell, et al., 2016; Sahin et al., 2018; Whitworth et al., 2019), a existência de uma amostra pequena foi uma limitação para o eventual sucesso da investigação e do estudo, pois se houvesse um grupo de intervenção com uma amostra maior permitiria avaliar mais sujeitos e evidenciar maiores diferenças entre grupos de intervenção e grupos de controlo (Ericsson et al. et al., 2016; Whitworth et al., 2019). Uma outra limitação referida por vários artigos foi a dificuldade em “cegar” os avaliadores e os sujeitos, levando a um enviesamento não intencional dos resultados (Ansai et al., 2015; Sahin et al., 2018; Whitworth, et al., 2019), influenciando assim os potenciais benefícios do treino de força no tratamento da depressão.

A amostra total apresentou uma média de idade acima dos 50 anos (52,81 ±19,71), sendo um dos fatores a ter em conta no aparecimento da depressão. É de salientar que seis estudos incluídos nesta revisão foram realizados com sujeitos idosos e os restantes estudos foram feitos com adultos, com a exceção do estudo de Goldfield et al. (2015), que foi feito com adolescentes obesos. Com o avançar da idade a perda de força e massa muscular é inevitável (Morley, 2016) podendo levar à sarcopenia. A falta de força muscular está diretamente associada à fragilidade e à depressão (Wu et al., 2017). Assim, torna-se importante a implementação do treino de força em idades avançadas, tanto na questão física como psicológica (Giallauriaet al., 2015 ; Montoroet al., 2015). O treino de força na população idosa pode facilitar a realização das suas atividades diárias, permitindo manter a independência e autonomia funcional (Brandon et al., 2003; Fatouros et al., 2005; Salles et al., 2010; Leal et al., 2019; Marcos-Pardo et al., 2019). Alguns autores têm, também, salientado o papel do treino de força na estimulação cognitiva e manutenção da saúde mental (Liu-Ambrose et al., 2010; Forte et al., 2013). O aumento da concentração plasmática de testosterona com o treino de força (Vingren et al., 2010; Mangine et al., 2017) parece ser um dos mecanismos biológicos que explica a melhoria do estado de humor, da confiança e da memória (Panizzon et al., 2018; Zitzmann, 2020). De acordo com o estudo de Dziubek et al. (2016) , os sujeitos mais velhos apresentaram redução dos sintomas depressivos de forma mais significativa comparativamente aos sujeitos mais novos. A explicação reportada no estudo foi a de que os sujeitos mais novos não sentiam tanto interesse na

24 prática do treino de força havendo, portanto, menor motivação para a opção de tratamento apresentada. O facto de os indivíduos mais velhos sentirem mais repercussões do treino de força na facilidade com que realizam as atividades do dia-a-dia, na sua auto-imagem e no convívio social, poderão ser também explicações plausíveis para os resultados observados. O estudo de Ansai et al. (2015) relatou que o grupo que realizou treino de força obteve melhorias mais significativas no aspeto cognitivo comparativamente ao grupo de exercício combinado, apesar de não ter verificado melhorias nos sintomas depressivos, sugerindo que o fator social poderá ser importante para a melhoria dos sintomas depressivos. A pesquisa efetuada por Kim et. (2019), revela que o treino de força promoveu melhorias nos sintomas de depressão e ajudou na estabilização da secreção dos neurotransmissores (serotonina, dopamina, epinefrina e norepinefrina) em mulheres idosas. Nos estudos de Nyberg et al. (2014), Ansai et al. (2015), Dziubek et al. (2016), Kekäläinen et al. (2018) e Sahin et al. (2018) o aumento dos níveis de força e de potência muscular foi evidenciado, enquanto que no estudo de Kim et al. (2019) os níveis de força não foram avaliados, apenas foi avaliado os níveis de sintomas depressivos e os neurotransmissores. Esta forte limitação do estudo, não permite atribuir ao treino de força o papel estimulador dos benefícios dos sintomas depressivos observados na amostra. O estudo de Nyberg et al. (2014) nãp existiram melhorias dos sintomas depressivos, sendo que a explicação mais plausível seja a existência de baixos níveis de depressão inicialmente, não havendo, portanto, espetro suficiente para que existissem melhorias.

O único estudo realizado em adolescentes (Goldfield et al., 2015) evidenciou que o treino de força promoveu melhorias mais significativas na autoestima comparativamente aos outros grupos de intervenção (treino aeróbio e treino combinado). De acordo com o estudo, a saúde psicológica teve uma associação mais próxima com a redução da percentagem de gordura corporal do que com o aumento de força muscular e melhoria da aptidão física, evidenciando assim a importância da imagem corporal e da auto perceção corporal para indivíduos com sintomatologia depressiva. Resultados semelhantes foram obtidos no estudo de Taspinar et al. (2014), este realizado em adultos, onde foi comparado o treino de força e yoga. Para além do treino de força ter promovido melhorias significativas nos sintomas depressivos, ao mesmo nível do yoga, promoveu melhorias mais significativas na imagem corporal comparativamente ao yoga. Assim, a melhoria da imagem corporal e a auto perceção

25 corporal tornam-se importantes no tratamento da depressão e na melhoria da saúde mental (Hong et al., 2017) .

De acordo com os estudos incluídos nesta revisão, 76,2 % deles apresentam uma doença associada à depressão, sendo o aparecimento de uma doença um dos principais fatores que levam à depressão (Noël et al., 2004; Harpole et al., 2005; Ironson & Fitch, 2016). Existe uma relação entre a gravidade da doença e o nível de depressão (Harpole et al., 2005), afetando também a qualidade de vida. Para além da depressão ser originada pelo aparecimento de uma doença, a depressão pode ser a origem do aparecimento de doenças. De acordo com o estudo de Chida et al. (2008) a existência de depressão aumenta a incidência de cancro. O mesmo se verifica nas doenças coronárias, onde a existência de depressão aumenta a probabilidade de um sujeito desenvolver esta doença (Berecki-Gisolf et al., 2013). Estudos observacionais demonstraram que pessoas com depressão têm taxas mais altas de doença física (Aragonès et al., 2007), enquanto que pacientes com doença física apresentam maior taxas superiores de depressão, um risco que segue uma relação dose-resposta com o número de doenças físicas concomitantes (Kroenke et al., 1994; Stegmann et al., 2010). Verifica-se, portanto, uma relação entre os vários tipos de doenças e a depressão, sendo um fator a ter em conta para o tratamento da mesma.

A doença está frequentemente associada ao sedentarismo (Hallgren et al., 2016; Schuch et al., 2017) sendo este comportamento citado entre um dos principais fatores de risco para a saúde (Gaetano, 2016). Em muitos dos estudos incluídos na revisão, um dos critérios de inclusão para serem selecionados para a intervenção foi a inatividade física (sedentarismo) num período mínimo de seis meses, ou seja, os sujeitos para serem incluídos não poderiam ter participado em qualquer tipo de programa de treino nos seis meses anteriores ao estudo, pois a magnitude dos ganhos e benefícios é tanto maior quanto menor for a aptidão física dos indivíduos, e normalmente, as pessoas sedentárias têm níveis mais baixos de aptidão física (Ratamess et al., 2009).

O nível de depressão apresentado nos estudos foi de baixo a moderado. Este fator poderá ter influenciado os resultados e conclusões, pois de acordo com os estudos de Nyberg et al. (2014), Gadelha et al. (2015) e Matthews et al. (2019) o baixo nível dos sintomas depressivos limitou os efeitos do treino de força na melhoria da depressão. A existência de sintomas fracos ou até mesmo a inexistência de sintomas leva a que as

26 melhorias não sejam verificadas nesse parâmetro, fazendo com que não sejam verificados benefícios do treino de força nos sintomas depressivos ( Nyberg et al., 2014; Gadelha et al., 2015; Matthews et al., 2019). No estudo de Dziubek et al. (2016) os sujeitos com sintomas depressivos mais acentuados obtiveram melhorias mais significativas comparativamente com os sujeitos que possuíam sintomas depressivos mais reduzidos. Isto pode ser explicado pelo facto de a sintomatologia ser mais “forte” e a magnitude de melhoria ser maior nestes casos. De acordo com Dziubek et al. (2016), a aplicação de uma terapia não farmacológica foi uma motivação para os sujeitos melhorarem a sua saúde, dando-lhes uma sensação de capacidade para influenciar o seu destino. O estudo de Lima et al. (2019) refere que o treino de força é um forte complemento à terapia farmacológica. Existem algumas dificuldades na implementação do treino a sujeitos com sintomas mais graves de depressão, sendo que, o treino de força deverá ser um complemento à terapia farmacológica.

Algumas das questões que se colocam frequentemente nos estudos sobre os efeitos do treino de força na depressão prendem-se com as caraterísticas da carga, isto é, quanto de treino (dose) é necessário para se obter o efeito desejado (resposta) (Carneiro et al., 2016). A carga de treino (= volume x intensidade) deve considerar, ainda, a densidade dos estímulos e a frequência semanal. Estes parâmetros não foram considerados de igual modo nos diferentes estudos analisados. O estudo realizado por Kekäläinen et al. (2018) comparou a frequência do treino e os sintomas depressivos. Inicialmente todos os grupos realizaram o treino de força três vezes por semana durante três meses. Mais tarde foram divididos em três grupos, sendo que cada grupo passou a realizar o treino de força em diferentes frequências: uma, duas e três vezes por semana. Nos três meses iniciais verificou-se que os sintomas depressivos reduziram e por consequência o nível de qualidade de vida melhorou. Após a divisão dos grupos por frequência semanal, estas melhorias foram mantidas. Não foram verificadas diferenças significativas entre grupos nos sintomas depressivos, apenas se verificaram diferenças significativas na qualidade de vida e no sentido de coerência, sendo que o grupo que realizou treino de força duas vezes por semana obteve melhores resultados nestes aspetos comparativamente aos outros grupos de intervenção. Neste mesmo estudo, as maiores mudanças nos sintomas depressivos ocorreram no início da implementação do treino de força, fase em que o baixo nível inicial e a frequência semanal terão induzido mais alterações neuropsicológicas capazes de alterar a sintomatologia depressiva. Após

27 esta fase as questões relacionadas com a dinâmica da carga são fundamentais para continuar a obter melhorias do treino de força. Relativamente a este aspeto, o estudo realizado não reporta os cuidados que teve para garantir que a progressão da carga foi assegurada. A revisão sistemática realizada realça a necessidade de realizar mais estudos com enfoque na frequência semanal dos treinos, tendo em conta a assiduidade dos participantes.

Relativamente à intensidade do treino, Sahin et al. (2018) compararam a aplicação de duas intensidades, ou seja, 40% de uma repetição máxima e 70% de uma uma repetição máxima, mantendo o número total de repetições aplicadas a idosos institucionalizados e não observaram diferenças significativas na aplicação de diferentes intensidades nos sintomas depressivos, embora ambos os grupos tenham reduzido a sintomatologia. Contudo, apenas o grupo que realizou o treino de força com uma intensidade mais alta melhorou a sua performance física de forma significativa comparativamente ao grupo de treino com intensidade mais baixa. No entanto, os autores do estudo citado, realçam a importância da carga de treino, com base nos resultados obtidos num estudo anterior Singh et al. (2005), no qual a intensidade mais elevada (80% de uma repetição máxima) promoveu melhorias mais significativas comparativamente ao treino de força com cargas mais leves (20% de uma repetição máxima) nos sintomas depressivos. Para além da melhoria dos sintomas depressivos, o treino realizado com maior intensidade promoveu melhorias mais significativas na qualidade de vida, qualidade do sono, na força e massa muscular, sugerindo assim uma possível relação dose-resposta no tratamento da depressão com a aplicação do treino de força, que necessita de ser explorada em estudos futuros. Os resultados destes dois estudos da mesma equipa de investigação não são contraditórios, mas também não se reforçam. Ou seja, a vertente social do treino poderá ter tido um papel mais relevante na depressão do que as caraterísticas da carga de treino. Sendo ambos os estudos centrados em amostras de idosos é necessário refletir um pouco sobre as caraterísticas das amostras e sobre os treinos aplicados. De facto, no estudo de Sahin et al. (2018), a idade média da amostra era de 84 anos, sendo frequentemente evitadas cargas de treino com intensidade elevada; já no estudo de Singh et al. (2005) a idade média era de 69 anos o que permitiu que cargas mais altas fossem aplicadas. O que aconteceu neste estudo é que como o número de repetições foi mantido, o volume total das cargas de treino também foi diferente. Ou seja, para se isolar o verdadeiro valor da intensidade, os

28 autores deveriam manter o volume, reduzindo o número de repetições no grupo com intensidade mais elevada. Assim, sugere-se que em estudos futuros em que se pretenda medir o efeito da intensidade da carga do treino de força em doentes com depressão, o volume da carga seja mantido nos diferentes grupos de intervenção.

O tempo de intervenção é um fator importante para verificar alterações nos sintomas depressivos. O estudo de Whitworth et al. (2019) teve como tempo de intervenção três semanas, relatando como limitação a não implementação de um período prévio à intervenção para os sujeitos obterem algum hábito ao tipo de treino. De acordo com o estudo de Kekäläinen et al. (2018), as melhorias dos sintomas depressivos surgiram nos primeiros três meses de intervenção, sendo que este estudo teve a duração de nove meses. Os autores não descrevem se foi respeitada a progressão da carga ao longo dos 9 meses de treino, facto que poderá ter influenciado os resultados. É frequente na literatura encontrar melhoria nas primeiras semanas, pois a perceção dos efeitos do treino é maior. Após os primeiros meses de treino, o mais difícil é manter a adesão (frequência) ao exercício e respeitar a progressão da carga. Se estes dois fatores não forem respeitados, os efeitos do treino estarão comprometidos

A partir desta revisão podem ser retiradas certas limitações na literatura que poderão ajudar em futuros estudos e pesquisas. A aplicação do treino de força em sujeitos com sintomas depressivos baixos influencia, moderadamente os resultados obtidos, sendo o nível da depressão um ponto importante a ter em conta para a realização de pesquisas futuras. A amostra é um fator limitante a ter em conta, visto que amostras pequenas foram uma limitação (Taspinar et al., 2014; Gadelha et al., 2015; Dziubek et al., 2016; Ericsson, Bremell, et al., 2016; Vizza et al., 2016; Sahin et al., 2018; Whitworth et al., 2019). Outro fator é a frequência da intervenção, sendo que a assiduidade deverá ser controlada. A duração da intervenção, poderá também influenciar os resultados obtidos, sendo necessários mais estudos com duração superior a 12 semanas e com um controlo rigoroso da progressão da carga para estimar com mais fiabilidade os efeitos do treino de força na depressão, a longo prazo. As metodologias de treino utilizadas não permitem inferir sobre as caraterísticas dos programas de treino, embora apontem a frequência e a intensidade dos treinos como variáveis a explorar. Por explorar, mas francamente importante porque a heterogeneidade das amostras o pode

29 exigir, está o volume da carga de treino, nomeadamente reportado em volume semanal e, eventualmente, volume total do programa de treino.

De acordo com esta revisão, 15 dos 21 estudos evidenciam efeitos positivos na implementação do treino de força como tratamento para a depressão, e não foram constados casos de agravamento.

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