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O potencial de utilização de um dado microrganismo em processos biotecnológicos, bem como na produção de biocombustíveis, pode ser avaliado, entre outros parâmetros, pelo seu potencial em degradar biomassa através de um repertório de enzimas ativas em carboidratos (Cazymes) em seu genoma, assim como sua capacidade de expressão e secreção dessas enzimas.

O genoma do fungo L. sulphureus, sequenciado nesse trabalho, revelou 363 genes que codificam Cazymes, sendo que 231 deles foram transcritos na primeira análise transcriptômica em meio líquido e 338 na segunda análise em meio SS em bagaço. Dentre as GHs, 155 genes foram identificados no genoma, dos quais 56 foram transcritos em meio líquido (39 superexpressos em BIN e 17 superexpressos em T0) e 142 em meio SS em bagaço, enquanto que da família das AAs, 50 genes foram observados no genoma sendo 22 transcritos em meio líquido (7 superexpressos em BIN e 15 superexpressos em T0) e 49 em meio SS em bagaço.

De modo geral, o repertório de enzimas identificadas é similar ao genoma de outros basidiomicetos e ascomicetos (Rytioja et al. 2014; Segato et al. 2014). Dos genes relacionados a degradação da celulose por exemplo, ambos os filos possuem genes codificadores de endoglucanases (EGs), beta-glicosidases e celobiohidrolases (CBHs) e que também foram observados nesse estudo. Entretanto, basidiomicetos de decomposição parda apresentam uma redução no número de genes que codificam CBHs (GH6 e GH7), o que foi observado no genoma de L. sulphureus que apresentou um único gene para celobiohidrolase (GH7) e nenhum transcrito para essa enzima foi verificado na análise transcriptômica em meio líquido.

Em contrapartida, na segunda análise transcriptômica em meio SS e no secretôma do fungo, a enzima celobiohidrolase (GH7) foi a que apresentou mais abundância de número de transcritos, e foi a segunda proteína secretada que apresentou o maior número de espectros, revelando possivelmente que uma condição de cultivo semelhante com o meio ambiente natural de crescimento desse fungo, possa influenciar ativamente a produção de determinadas proteínas.

Endoglucanases (EGs) de fungos da podridão parda têm sido verificadas como EGs processivas, ou seja, que podem atuar como CBHs removendo os açúcares solúveis da celulose cristalina (Cohen, Suzuki & Hammel, 2005; Yoon et al. 2007), desta forma, essas enzimas podem explicar a remoção tanto da celulose cristalina quanto da amorfa da madeira na ausência e/ou escassez de CBHs. Foram observados numerosos genes e transcritos para endoglucanases

nesse estudo, no entanto, ensaios específicos são necessários para confirmar a processividade dessas enzimas, dado a variação das suas propriedades estruturais (Payne et al. 2015).

Das hemicelulases do genoma, foram identificadas enzimas como xilanases (GH10), beta-xilosidases (GH3), beta-manosidases (GH2 e GH5), arabinofuranosidases (GH51 e GH127), alfa/beta glucuronidases (GH79 e GH115) e xiloglucanases (GH74), que são necessárias para a hidrólise da hemicelulose. No cultivo líquido, apenas alfa-xilosidases e beta- manosidases foram identificadas superexpressas em BIN, no entanto, o crescimento em meio SS influenciou uma maior abundância da enzima beta-xilanase (GH10), dado que foi o segundo transcrito com maior valor de TPM identificado e a proteína mais abundante também no secretôma.

Estudos sobre a evolução do estilo de vida dos fungos de degradação parda, indicam que o número de genes que codificam enzimas xilanolíticas é reduzido em comparação com os fungos de degradação branca (Lundell, Mäkelä & Hildén, 2010; Martinez et al. 2009; Wymelenberg et al. 2010), o que justifica a diminuição no número de genes e transcritos para algumas hemicelulases como GH10 e GH11 (endoxilanases). Além disso, fungos de degradação parda sofreram uma adaptação com relação a sua capacidade de utilizar açúcares oxidados, pelo fato de que seu genoma contêm um número menor de genes que codificam celobiose desidrogenases (CDHs) (AA3_1 e AA8) (Floudas et al. 2012), fato que se confirma no presente estudo, pois não foram identificados genes bem como transcritos codificantes para essa proteína.

Celobiose desidrogenases são enzimas doadoras de elétrons, comumente encontradas em fungos de decomposição branca, para serem recrutadas na degradação da celulose e da lignina (Kracher et al. 2016). Elas são capazes de reduzir Fe3+ a Fe2+, que reagindo com H2O2, irá gerar radicais hidroxila (OH) via reação de Fenton, que atuarão na

despolimerização dos polissacarídeos da biomassa lignocelulósica, e na modificação estrutural da lignina (Arantes et al. 2012). A ausência de genes que codifiquem CDHs no genoma de L.

sulphureus, sugere uma outra forma de reduzir Fe3+, dado que, o processo de biodegradação da madeira por esses fungos, não pode ser unicamente explicado com base na ação dessa enzima celulolítica (Garajova et al. 2016).

Nesse contexto, pesquisas têm indicado a participação de compostos de baixa massa molar (CBMM) com capacidade de quelar Fe3+ e reduzi-lo a Fe2+, esses CBMM poderiam se difundir pela parede celular de modo a desestruturá-la para posterior penetração das enzimas lignocelulolíticas (Arantes et al. 2009). Dois exemplos são, peptídeos e compostos aromáticos

que reduzem ferro na presença de peróxido de hidrogênio, e também ácido oxálico, que age diretamente sobre o material lignocelulósico (Kaneko et al. 2005).

Para que a reação de Fenton ocorra, são necessários além das enzimas doadoras de elétrons para a redução do ferro, também aquelas que produzem peróxido de hidrogênio, para então gerar espécies reativas de oxigênio. Nossos resultados evidenciam um número expressivo dessas enzimas: AA3_2 (aril álcool oxidase e glicose 1-oxidase), AA3_3 (álcool oxidase) e AA5 (radical-cooper oxidase), sendo que três delas (AA3) também foram observadas no secretôma. Ainda, enzimas da família AA3_2, além de serem capazes de reduzir O2 a H2O2,

elas podem atuar como CDHs, pois também são enzimas doadoras de elétrons (Garajova et al. 2016). Esse resultado, sugere que o sistema Fenton pode ser utilizado por esse fungo na decomposição da lignina, dado que ele possui os reagentes necessários para que a reação ocorra.

As enzimas oxidativas acima mencionadas, foram identificadas tanto nos cultivos líquidos quanto nos cultivos SS. Esses resultados, apontam para duas importantes observações: primeiro, possivelmente exista um mecanismo constitutivo de produção de peróxido de hidrogênio por esse fungo (Kaneko et al. 2005), dado que dos 28 genes que codificam para a família AA3, 10 foram transcritos no tempo referência (T0) do cultivo líquido, e 60% destes contém peptídeo sinal, ou seja, estão sendo secretados, além disso, 7 desses genes estão altamente regulados (log2-fold change ≤−2) (Tabela 2). Segundo, a presença de um sistema oxidativo utilizado por L. sulphureus na degradação da lignocelulose (Arantes & Milagres, 2006), visto que todos os 28 genes identificados no genoma para essa mesma família foram transcritos em meio SS. Este sistema oxidativo, possivelmente mediado por CBMM e/ou por enzimas doadoras de elétrons (AA3_2) possibilitaria ao fungo, por meio da reação de Fenton, degradar a lignina e os constituintes da biomassa.

No genoma também foram detectados genes codificantes para LPMOs (AA9), que catalisam a oxidação da cadeia de celulose, e lacases (AA1) e peroxidases (AA2), que são capazes de oxidar subestruturas da lignina na presença de peróxido de hidrogênio, este que é indispensável para a ação das mesmas (Riley et al. 2014). Todas essas enzimas são frequentemente identificadas em fungos de decomposição branca, sendo particulares da maquinaria enzimática dos mesmo.

No entanto, não foram identificados transcritos para peroxidases nas análises em cultivo líquido, e somente um gene que codifica para lacase foi observado reprimido em BIN, e um gene para LPMO (AA9) foi expresso em BIN. De modo contrário, nos cultivos em meio SS, todas essas enzimas foram expressas em bagaço, sugerindo um padrão de degradação atípico nesse fungo, pelo fato dele apresentar enzimas características tanto de fungos de

podridão parda quanto de fungos de podridão branca. Essa diversidade de mecanismos de degradação da biomassa também foi observada por Schlosser e Höfer (2002), que identificaram e purificaram lacase de culturas de L. sulphureus.

Adicionalmente, foram identificados genes que codificam outras enzimas que não são Cazymes, tais como catalase (PF00199.16) e superóxido dismutase (PF00080.17 e PF00081.19). Essas proteínas são responsáveis pela desintoxicação do organismo do excesso de espécies reativas de oxigênio produzidas através de mecanismos de defesa específicos, o que torna-se plausível visto a elevada expressão de enzimas produtoras de peróxido.

De um modo geral, nossos resultados mostraram que diversos genes que codificam Cazymes necessárias para a decomposição dos materiais lignocelulósicos identificados no genoma, estão sendo expressos pois foram observados nas análises de transcriptoma. O estudo do perfil de expressão gênica diferencial do fungo, revelou que a maior parte dos transcritos que codificam Cazymes foram superexpressos durante a degradação do bagaço, indicando-o nesse caso, como um bom indutor de enzimas ativas em carboidratos.

Foram identificados no secretôma 24 Cazymes relevantes para a decomposição da biomassa: alfa/beta-glicosidases, celobiohidrolase, beta-glucanases, xilosidases e xilanases, além de oxidorredutases da família AA3. Valadares et al. (2016) também verificaram a presença de tais enzimas no secretôma de L. sulphureus, e ambos os trabalhos revelaram ainda proteínas como GH3 (beta-glicosidase), GH7 (celobiohidrolase), GH10 (xilanase) e GH92 (manosidase). Foi observado que, mesmo este fungo não produzindo uma vasta gama de enzimas, ele possui um arsenal especializado para degradação de celulose e hemicelulose, dado as atividades enzimáticas em β-glucano e xilano, corroborando com os dados do secretôma.

Xilanases termoestáveis, são enzimas potenciais para diversas aplicações industriais, e por isso, especial interesse vem sendo dado à essas enzimas pela comunidade científica. Grandes exemplos são as indústrias de papel e celulose, que vêm utilizando xilanases para o branqueamento da polpa de celulose, reduzindo assim a quantidade de reagentes químicos que geralmente são utilizados (Lee et al. 2009; Borges, 2010). No entanto, poucas xilanases de fungos de podridão parda foram purificadas e caracterizadas (Ritschkoff, Buchert & Viikari, 1994; Lee et al. 2009). Dado que essa enzima foi a mais abundante no secretôma, ela pode se tornar alvo para estudos de caracterização.

Nota-se que o crescimento em bagaço combinado com glicose em meio semi- sólido, viabilizou a produção de determinadas enzimas, bem como o tempo de cultivo de sete dias, dado que a produção de proteínas extracelulares pode mudar ao longo do tempo (Hori et al. 2014). Como pode ser visto nas Tabelas 3 e 4, as proteínas com maiores espectros no

secretôma (GH7 e GH10), ao menos foram expressas na análise transcriptômica de 24 horas em meio líquido, estabelecendo ainda semelhanças com os resultados de atividade enzimática específica obtidos. Além disso, também foram observados elevado número de proteínas hipotéticas no secretôma, indicando que as mesmas possam desempenhar papéis importantes na decomposição da biomassa, uma vez que a diversidade funcional dessas proteínas ainda não foi bioquimicamente caracterizada para essa espécie.

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