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O diagnóstico de HAP é realizado principalmente pelas características hemodinâmicas do cateterismo cardíaco direito, mas o ecocardiograma já foi extensamente validado para sugerir a presença de alterações morfofuncionais do VD e a exclusão de causas de HAP relacionadas ao coração esquerdo (Lang et al., 2005; Rudski et al., 2010), e além disso há ampla disponibilidade desse método não invasivo.

No presente estudo, a causa mais frequente de hipertireoidismo foi a doença de Graves. A prevalência de HAP encontrada foi de 43,8% e todos os pacientes apresentavam grau leve dessa alteração, que regrediu após o tratamento. Vários autores (Marvisi et al., 2002; Marvisi et al., 2007; Siu et al., 2001; Nakchbandi et al., 1999) encontraram prevalência de HAP entre 35% a 47% em portadores de hipertireoidismo, sendo essa alteração relatada como sendo leve e transitória, como observado no presente estudo.

Observou-se que todos os pacientes tinham FEVE normal e ausência de doença estrutural no coração. Detectou-se aumento significativo do DC e IC nos pacientes que apresentavam HAP em relação aos sem HAP, sugerindo estado hiperdinâmico mais acentuado naquele grupo; porém não houve diferença na FEVE. Os valores das variáveis estruturais do coração esquerdo como diâmetros diastólico do VE e do átrio esquerdo, e as do coração direito, como a área-AD, volume-AD e diâmetro do VD também eram maiores no grupo com HAP. Pode-se sugerir que os pacientes com maior DC apresentaram maior repercussão nas câmaras cardíacas como um todo e cursaram com maiores pressões em artéria pulmonar. O DC correlacionou-se positivamente com a PSAP, sugerindo ser um determinante importante desse hiperfluxo

pulmonar. Essa correlação foi relatada também por Suk et al. (2009), que observaram ainda diferença significante no diâmetro do átrio esquerdo e no DC em portadores de hipertireoidismo com HAP, mas não encontraram no diâmetro diastólico do VE. Entretanto, no presente estudo, verificou-se níveis mais elevados de DC, o que pode ter ocasionado maior repercussão hemodinâmica.

Observou-se correlação positiva e significante entre o T4 livre e PSAP, que foi, no entanto, menor que a observada por Marvisi et al. (2002). Porém, não houve associação entre T4 livre e DC, o que sugere que o mecanismo através do qual o hipertireoidismo leva à HAP envolve outros fatores além do hiperfluxo pulmonar.

Apesar de ter sido observada RVP discretamente mais elevada no grupo com HAP, não houve diferença entre os grupos. Além disso, a PSAP aumentada não se correlacionou com a RVP, sugerindo existência de outros mecanismos determinantes da HAP, sem alterações significativas na vasculatura pulmonar. Segundo Abbas et al. (2002), que determinaram de forma não invasiva a RVP, os pacientes podem apresentar PSAP aumentada secundária ao fluxo transpulmonar aumentado, mesmo cursando com RVP normal. O presente estudo sugere que o estado hiperdinâmico do hipertireoidismo estaria causando hiperfluxo pulmonar e, ao contrário do que ocorre com a resistência vascular sistêmica, a RVP não diminuiu em nossos pacientes antes do tratamento, e essa associação poderia contribuir para os níveis elevados de PSAP. Observação semelhante foi relatado por Suk et al.

(2010), que também atribuíram o aumento da PSAP a sobrecarga de volume (hiperfluxo pulmonar) associado a falha na redução da RVP.

A fração de ejeção é um método vastamente utilizado para avaliação sistólica dos ventrículos (Lang et al., 2005). Entretanto, o VD tem características anatômicas complexas, como maior número de trabeculações e paredes mais finas que o VE, definição do endocárdio subótima, formato semilunar e posição retroesternal que dificulta a aquisição de imagens em alguns pacientes (Rudski et al., 2010). Outra peculiaridade importante é a disposição de suas fibras musculares que, diferentemente do VE, apresentam maior disposição longitudinal (deslocando o anel tricuspídeo em direção ao ápice) além da transversal (predominando a contração da parede livre em direção ao septo). Dessa forma, essa contração regional pode refletir a função global dessa câmara (Leather et al., 2006). Assim, novas técnicas foram sendo estudadas para avaliar a função global do VD (Drake et al., 2007). Uma delas é a % de variação da área do VD (%∆AVD), que engloba as avaliações dos componentes transversal e longitudinal da contração ventricular direita. Alguns estudos (Anavekar et al., 2008; Kind et al., 2010) mostraram que a %∆AVD tem boa correlação com a função ventricular direita medida pela ressonância magnética, e é ainda um fator prognóstico em cardiopatias. No presente estudo, a semelhança do observado por Suk et al. (2011), a %∆AVD não diferiu significantemente entre os grupos com e sem HAP. Desta forma, não detectou- se disfunção ventricular quando se avaliou os componentes transversal e longitudinal da contração do VD. No entanto, na análise antes e após o

tratamento, houve aumento significante nesse índice com a normalização do T4 livre.

O padrão da contração predominantemente longitudinal foi explorado pela ESAT para expressar a função ventricular. Essa variável reflete o movimento contrátil longitudinal das fibras miocárdicas, ou seja, da base em direção ao ápice cardíaco, e foi significantemente maior em pacientes com HAP em relação aos sem HAP, diferentemente das observações de Suk et al. (2011). No entanto, no estudo desses autores os pacientes apresentavam DC menor que em nosso estudo. A ESAT maior nos indivíduos com HAP comparado aos sem HAP sugere que existe aumento da contratilidade longitudinal do VD na tentativa de compensar o aumento da PSAP (pós-carga do VD). O aumento da contratilidade pode ser devido ao mecanismo de Frank- Starling decorrente da maior pré-carga imposta ao VD.

Embora a ESAT estivesse dentro da faixa normal, observou-se diminuição significante dessa variável após o tratamento do hipertireoidismo, sugerindo retorno da contratilidade do VD à condição basal, sem o estresse do hipertireoidismo.

Hoette et al. (2010) relataram que a %∆AVD apresentou melhor correlação com a fração de ejeção do VD avaliada por ressonância magnética do que com a ESAT em portadores de diferentes graus de HAP, sendo as correlações melhores no grupo de maior gravidade. Os autores concluíram que a %∆AVD refletiu melhor a fração de ejeção que a ESAT por aquela incluir o movimento transversal da contração ventricular.

O IDMVD, primeiramente descrito por Tei et al. (1997), é extensamente usado para avaliação da função ventricular global (funções sistólica e diastólica, conjuntamente), utilizando somente os tempos de contração isovolumétrica, relaxamento isovolumétrico e de ejeção ventricular, com a vantagem de não ser dependente da complexa geometria ventricular direita. No presente estudo, observou-se IDMVD significantemente maior, o que representa redução no desempenho miocárdico, nos portadores de HAP quando comparado com indivíduos sem HAP. Após o tratamento, os valores dessa variável retornaram aos limites da normalidade. Suk et al. (2011) também encontraram redução no desempenho miocárdico do VD em indivíduos com HAP em relação aos sem HAP, mas não observaram diferença na %∆AVD e St tricuspídeo. Por outro lado, no estudo desses autores, a inclusão de portadores de hipertensão arterial sistêmica e diabetes melitus pode ter influenciado o resultado do IDMVD, pois os pacientes apresentaram mais disfunção diastólica do VE. Em nosso estudo não encontramos variáveis que caracterizassem disfunção diastólica biventricular. De acordo com a demontração de Hsiao et al. (2006), o IDMVD encontra-se aumentado tanto em casos de sobrecarga aguda como crônica do VD, mesmo em presença de fração de ejeção preservada, normalizando-se após o tratamento. Sabe-se que a função sistólica ventricular direita é dependente da pós-carga e tem como componente importante a circulação pulmonar, que normalmente apresenta baixa pressão e baixa resistência. Apesar de não termos observado aumento da RVP, mesmo em vigência de PSAP elevada, houve redução significativa

dessa variável após o tratamento, bem como melhora significante do IDMVD, sugerindo uma alteração incipiente do desempenho miocárdico.

Outra variável utilizada para expressar a função ventricular direita, que avalia o encurtamento longitudinal do VD, foi a velocidade sistólica (St) do anel tricuspídeo, medida pelo Doppler tecidual. Neste estudo observou-se maiores valores do St tricuspídeo nos portadores de hipertireoidismo com HAP, e redução para níveis basais após o tratamento. O estado de estresse miocárdico imposto pelo estímulo crônico no hipertireoidismo poderia induzir aumento da contratilidade do VD, observado pelo aumento do encurtamento longitudinal, levando a maior velocidade de movimentação sistólica do anel tricuspídeo, expresso pelo St tricuspídeo maior nos pacientes portadores de HAP, que também apresentaram DC maior naqueles com HAP. Apesar de Suk et al. (2011) terem encontrado IDMVD aumentado, também não encontraram redução do St tricuspídeo nos portadores de HAP, e concluíram que a maior sobrecarga volumétrica do VD poderia explicar a maior distensão compensatória longitudinal da fibra miocárdica. Duan et al. (2006) também avaliaram o efeito da pré-carga (oclusão da veia cava inferior) sobre o St tricuspídeo, em crianças com HAP, e concluíram que a magnitude das velocidades durante a sístole (St) e diástole (Et e At) são dependentes da pré- carga. Como mostrado em nosso estudo, os pacientes com HAP apresentavam maior DC e maior St tricuspídeo, sugerindo efeito direto da carga sobre encurtamento do VD.

Brown et al. (2011) observaram que a melhora da função ventricular direita com terapia medicamentosa vasodilatadora ocorreu somente à custa da

melhora da contração longitudinal, sugerindo que esse mecanismo de encurtamento é um elemento importante de resposta à sobrecarga imposta ao VD.

Almeida et al. (2013) avaliaram alguns parâmetros de reserva contrátil do VD em portadores de HAP utilizando a ecocardiografia de esforço, e observaram que somente o St aumentou no grupo com HAP, concluindo que esse parâmetro indicou melhor a reserva contrátil do VD nesses pacientes.

Ao contrário do que ocorre em estados fisiológicos hipercinéticos agudos, onde o VD adapta-se ao aumento do DC e ocorre redução da RVP, como por exemplo durante o exercício físico e o estresse farmacológico (Domingo et al., 2013), em nosso estudo não foi observado redução da RVP nos portadores de hipertireoidismo quando foram comparados os indivíduos com HAP e sem HAP. Contudo, após o tratamento houve redução significativa dessa variável, assim como redução do DC e da PSAP. Esse achado pode sugerir que outros mecanismos, incluindo baixa reserva vasodilatadora, estão implicados na inabilidade de adaptação da circulação pulmonar nos portadores de hipertireoidismo, e isto poderia contribuir para o aumento da PSAP em vigência desse estado hipercinético patológico.

Neste estudo, a função diastólica do VD e VE, avaliada por Doppler pulsado e tecidual, não se mostrou alterada segundo os critérios de normalidade de Rudski et al. (2009). Observou-se pressão de enchimento do VE dentro da normalidade, avaliada tanto pela relação E/Et menor que 8 (Ommen et al., 2000) como pela PCP estimada não invasivamente (Nagueh et

al., 2007); além disso, esse parâmetro não apresentou diferença significante na comparação antes e após tratamento.

Apesar de nossos pacientes apresentarem frequência cardíaca mais elevada antes do tratamento, o que poderia contribuir para alterar a duração e velocidade de fluxo tricúspide e mitral, não observamos essa influência interferindo na análise da função diastólica. Suk et al. (2011) encontraram mais disfunção diastólica do VE em pacientes com hipertireoidismo e hipertensão pulmonar, com Et mitral reduzida e relação E/Et mitral aumentada. Esse achado poderia ser explicado pela inclusão de portadores de hipertensão arterial sistêmica , diabetes melitus e idade mais avançada, alterações que sabidamente podem aumentar as pressões de enchimento do VE.

Em relação a função sistólica ventricular esquerda, observamos que a FEVE estimada pelo método de Teichholz não apresentou diferença entre os portadores de HAP e sem HAP. Contudo, após normalização do T4, observou- se redução da FEVE, mas ainda dentro dos limites da normalidade, sugerindo retorno ao estado basal desse parâmetro com o alcance do eutireoidismo. Essa redução foi acompanhada de melhora de outras váriáveis relacionadas ao cronotropismo e inotropismo cardíaco.

Quando avaliou-se a função sistólica do VE por meio de Doppler tecidual, observamos que o St mitral também não apresentou diferença estatística entre pacientes com e sem HAP. O St mitral pode estar alterada na presença de FEVE preservada, o que poderia expressar disfunção sistólica incipiente. Mas também não encontramos diferença nessa variável após o tratamento.

Este estudo teve algumas limitações, uma delas foi que as dosagens dos hormônios tireoidianos foram realizadas em mais de um laboratório, o que pode ter aumentado a variabilidade interensaio. No entanto, os níveis de T4 livre se correlacionaram bem com a evolução clínica, com melhora significativa dos sintomas com a normalização de seus níveis. Outra limitação se refere a impossibilidade de determinar o tempo de duração da doença antes de iniciar o tratamento. No entanto, acredita-se que a maioria tenha procurado atendimento médico após tempo prolongado de doença. Além disso, não é possível afirmar que todos os pacientes seguiram rigidamente o esquema terapêutico, considerando a grande variabilidade de tempo entre o início do tratamento e a normalização do nível de T4 livre.

Por outro lado, um dos pontos fortes deste estudo foi a realização do ecocardiograma por apenas um observador, não havendo, portanto, variabilidade interobservador. Porém, o observador não era “cego” em relação ao estado clínico dos indivíduos portadores de hipertireoidismo.

Em relação à avaliação hemodinâmica, foi realizada por método não invasivo (ecocardiograma) e os valores das variáveis foram estimadas por meio de equações e não foram utilizados métodos padrão-ouro para comparação. Em contrapartida, as estimativas realizadas por equações, como por exemplo a de Bernoulli, apresentam boa correlação com métodos invasivos (Janda et al., 2011).

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