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A busca por compostos com potencial farmacológico provenientes do ambiente marinho vem ganhando foco em pesquisas em todo o mundo, e a prospecção é a etapa inicial desse processo. A relevância de actinomicetos marinhos nesse aspecto é relativamente recente, contudo já tem mostrado resultados bastante promissores. Estudos com microrganismos marinhos do litoral cearense, visando a bioprospecção de substâncias citotóxicas, são ainda iniciais. Nessa perspectiva, o presente trabalho se desenvolveu a partir da triagem para a atividade antitumoral de extratos de actinomicetos isolados dos sedimentos provenientes das praias de Taíba, Pecém, Paracuru, Mucuripe e do sedimento dragado do Porto do Mucuripe.

As 96 estirpes isoladas foram selecionadas por meio de suas características fenotípicas de actinomicetos que apresentavam, baseado no estudo de Shirling e Gottlieb (1966). A morfologia macroscópica de colônias desse grupo é bem descrita na literatura, que, em meio de cultivo sólido, apresenta-se em aspecto opaco, não-leitoso, superfícies e bordas irregulares, ou não, e principalmente a esporulação, podendo apresentar pigmentos (BALDACCI et al, 1953).

A aplicação de pressões seletivas adequadas durante o processamento de amostras para o isolamento de grupos de actinomicetos, sejam estas sedimentos, tecidos de organismos ou

35 fluidos, tem como objetivo reduzir a ocorrência de microrganismos indesejáveis e assim viabilizar placas com culturas menos contaminadas. Da mesma forma, a adição de antifúngicos aos meios de isolamento aumenta a seleção de membros da ordem Actinomycetales, por diminuir as possíveis interações interespecíficas, bem como a competição por recursos, além de garantir tempo e espaço necessários para o seu crescimento (GOODFELLOW e WILLIAM, 1983; GONTANG et al, 2007). Esse tipo de abordagem, entretanto, é limitado aos microrganismos que podem ser cultivados.

A aplicação de técnicas de pré-tratamento, como dessecação e exposição ao calor seco, favorecem significativamente o crescimento de bactérias do grupo actinomicetos, que são em sua maioria formadores de esporos bastante resistentes (SUBRAMANI e ALBERSBERG, 2013). A utilização do tratamento térmico dificulta o crescimento de bactérias Gram- negativas, podendo ser justificado pela estrutura da parede celular destas, que possui uma delgada camada de peptideoglicano. Ao contrário de Gram-positivas, como actinomicetos, além da presença de esporos, possuem uma camada espessa, composta quase que completamente por peptidioglicano, responsável pela manutenção da célula e sua rigidez, as Gram-negativas são menos resistentes e mais suceptíveis ao calor (MADIGAN et al, 2010).

A elevada proporção de 2:1, em relação ao método do aquecimento, pode ser interpretada devido ao favorecimento do crescimento de actinomicetos, Gram-positivos, produtores de esporos, serem mais resistentes ao calor que as espécies gram-negativas, reduzindo a competição entre estas (EMBLEY, 1994). Também, a alta razão de guanina e citosina compondo o DNA desse grupo de bactérias lhes confere maior termoestabilidade do material genético. Por isso, este método é bastante adotado para otimizar o isolamento de estirpes desse grupo (OZCAN et al, 2013).

Estudos recentes dependentes do cultivo e metagenômicos sugerem que os actinomicetos são membros nativos do ambiente marinho. O nutriente marinho específico para os microrganismos marinhos obrigatórios, incluindo os actinomicetos, como os membros de Salinispora, é o sódio (MALDONADO et al, 2005). Portanto, a composição dos três meios de culturas utilizados na etapa inicial do trabalho foi preparada com água do mar filtrada.

O isolamento pelo meio SWA era esperado, uma vez que possui concentrações relativamente baixas de nutrientes que, em geral, favorecem o isolamento de actinomicetos, também por reduzirem naturalmente o crescimento de outros tipos de bactérias menos resistentes ao estresse nutricional e que fugiam ao interesse deste trabalho. Em geral, para o isolamento de actinomicetos marinhos obrigatórios de diferentes fontes marinhas, os meios de nutrientes pobres funcionam melhor do que os meios ricos em nutrientes, além de

36 desfavorecerem o crescimento de outros grupos de microrganismos que são dependentes de meios com nutrientes mais abundantes (OLSON et al, 2000; JENSEN et al, 2005 e GONTANG et al, 2007).

Dentre os 6 tipos de combinação possíveis de meio de cultura com método de pré- tratamento, a combinação do método M2 de aquecimento, com o meio de cultivo SWA foi responsável pelo maior número de estirpes recuperadas, sendo 27 das 96, aproximadamente 28%. O estudo de Jesen e colaboradores (2005) mostra que, quando aplicados métodos em combinação, por exemplo “secagem/carimbo” e “diluição/aquecimento” (um seguido do outro para a mesma placa), a proporção de actinomicetos isolado quase duplica (JENSEN et al, 2005).

Foram avaliados 5 pontos que ilustram o perfil da costa cearense em relação aos impactos ambientais, de natureza e intensidades diferentes, a que são submetidos. A praia do Mucuripe, dentre as praias analisadas nesse trabalho, é a que mais sofre ação antrópica direta por conta da intensa rede hoteleira e a presença do Porto no local, com qualidade da água bem poluída. Nesta localidade, foram recuperados 17 estirpes de actinomicetos. As praias de Pecém, Taíba e Paracuru, menos alteradas que as da capital, foram isoladas 11, 10 e 26 estipes, respectivamente.

O sedimento dragado do Porto do Mucuripe, de onde vieram 32 das bactérias recuperadas, a maioria destes, correspondendo a quase 34% do total, é o que apresenta características mais peculiares. As áreas portuárias sofrem forte influência antropogênica, com a geração de resíduos e poluentes. A alteração de fatores físicos e químicos, como temperatura, pH, salinidade, substratos orgânicos e os elementos tóxicos interferem na comunidade microbiana. Um dos fatores que pode ter influenciado a maior disponibilidade de actinomicetos nesse ponto é a leve acidificação nas águas de lastro. A água do mar é ligeiramente alcalina, com pH entre 7,4 e 8,5. O valor de pH ótimo para o crescimento do grupo de bactérias desejado varia entre 6,0 e 8,0 (ARAÚJO, 2007). Além de alterar a diversidade de outros grupos, um leve decaimento do pH não influencia negativamente o crescimento de actinomicetos. Mais estudos, entretanto, são necessários para melhores conclusões.

Também, estudos com a microbiota do solo mostram que a aplicação de pesticidas, produtos químicos e poluentes no solo tem ocasionado mudanças na diversidade de microrganismos, podendo ocasionar benefícios ou prejuízos, dependendo da composição da molécula e da sua persistência (ARAÚJO, 2007; MONTEIRO et al, 2006). Por exemplo, em um trabalho avaliando o efeito do glifosato sobre a microbiota do solo, Araújo et al (2003)

37 observaram que, com a aplicação do produto, houve aumento do número de fungos e actinomicetos, enquanto outros grupos de bactérias não foram afetados. É provável que tal resultado possa ser extrapolado para áreas portuárias, onde há uma elevada concentração de poluentes. Entranto, há a carência de mais estudos sobre essa relação com a microbiota marinha.

O sedimento da praia do Paracuru também rendeu um considerável número de estirpes isoladas. Entretanto, dentre todas as praias, nesta os esforços empregados na recuperação foram mais acentuados. Os estudos nessa praia foram continuados por Guimarães (2013) para os resultados serem avaliados em sua dissertação. Também, por ter sido trabalhada posteriormente às demais praias, as técnicas de processamento e isolamento já eram mais bem dominadas no laboratório.

O câncer colorretal é um tumor maligno gastrointestinal bem frequente no Brasil, e o terceiro mais comumente diagnosticado no mundo em ambos os sexos (PARKIN et al, 2015). A linhagem de células HCT-116, proveniente desse tipo de carcinoma, é altamente proliferativa, ocupando rapidamente a superfície de crescimento. Apresenta morfologia do tipo epitelial e suas populações são descritas por Brattain (1981) como “células poligonais de forma compacta”. São amplamente utilizadas em estudos para a avaliação de citotoxicidade devido à elevada sensibilidade aos efeitos quimioterápicos (RAJPUT et al, 2008).

Dos 68 extratos preparados com acetato de etila a partir dos caldos de cultura das estirpes isoladas, 31 foram considerados ativos por inibirem o crescimento das células HCT- 116 em mais de 75%. Quando estes foram submetidos a uma análise quantitativa, para a obtenção das respectivas concentrações inibitórias médias frente à mesma linhagem de células, no ensaio de MTT, apresentaram valores de CI50 que variaram de 0,02 a 42,13µg/mL. Dentre os extratos ativos, 40% se destacam pela alta potência que pode ser reconhecida pelas CI50 menores que 1,00µg/mL em escalas de nanogramas/mL. O extrato da estirpe BRA-028, proveniente do sedimento dragado do Mucuripe, foi o mais citotóxico, com valor de 0,02µg/mL, seguidos pelos extratos das BRA-011 e BRA-148, com CI50 de 0,04 e 0,066µg/mL, respectivamente.

Extratos brutos aqui testados são preparações onde há um pool de moléculas diversas com concentrações variadas, proveniente do metabolismo celular de bactérias, retiradas a partir de um solvente. Como os resultados mostrados foram bastante promissores, outros pesquisadores do grupo trabalharam paralelamente na identificação e isolamento de compostos ativos presentes no extrato bruto de bactérias isoladas neste estudo. Guimarães (2013), em sua dissertação, desrreplicou o extrato da BRA-090, recuperada da praia do

38 Paracuru. Foram identificadas moléculas do grupo de cromomicinas. Esses compostos são bastante conhecidos por sua ação antibiótica antitumoral, sendo algumas classes utilizadas como quimioterápicos contra diversas linhagens de células tumorais. Nesse estudo, foi mostrado a indução de alterações no ciclo celular, possivelmente, autofagia e morte celular em células de melanoma metastático. As células tumorais cujas vias de apoptose foram suprimidas, por exemplo, se tornam mais resistentes a morte celular. Portanto, o processo de autofagia, quando intensificado, acaba sendo uma estratégia interessante para destruir células mais resistentes a apoptose (GUIMARAES, 2013). A produção de cromonicinas tem sido relatada para vários actinomicetos terrestres e marinhos do gênero Streptomyces (MENENDEZ et al, 2006; XIONG, 2012).

Em ambas BRA-021 e BRA-028, recuperadas da praia do Pecém e do sedimento dragado do porto do Mucuripe, respectivamente, foi encontrado uma substância citotóxica bastante conhecida, piericidina, cujo mecanismo de ação está relacionado com a interferência no transporte de elétrons através da membrana interna de mitocôndrias, especificamente bloqueando a atividade do complexo I. Muitos casos de isolamentos de diversas formas de piericidinas, produzidas também por espécies de Streptomyces, foram relatados (TAKAHASHI E TAMURA, 1966; FENICAL E JESEN, 1993). Também, estaurosporinas foram encontradas no extrato da BRA-148, na Praia de Paracuru. Estes compostos são alcaloides que possuem alta afinidade com o receptor ATP-ligante, sendo um potente inibidor da Proteína Quinase-C. São amplamente empregadas como ferramenta de pesquisa e foram isoladas pela primeira vez a partir do caldo de fermentação de uma Streptomyces (JIMENEZ, 2009). Os dados do nosso grupo ainda não foram publicados.

Como observado na identificação taxonômica das respectivas estirpes BRA-021, BRA-028, BRA-090 e BRA-148, em cujos extratos já foram isolados compostos ativos purificados, todas são pertencentes ao gênero Streptomyces.

As actinobactérias são componentes ativos de comunidades microbianas marinhas e formam uma população estável e persistente em vários ecossistemas marinhos (MANIVASAGAN, 2013). Têm um papel significativo no ambiente marinho, além da produção de antibióticos. São relatados por contribuir para a degradação e reciclagem de compostos orgânicos (GOODFELLOW e HAYNES, 1984). Além disso, desempenham função na mineralização de matéria orgânica, imobilização de nutrientes minerais, fixação de nitrogênio, melhoria dos parâmetros físicos e proteção ambiental (DAS et al, 2006).

O gênero Streptomyces é representado na natureza pelo maior número de espécies entre todos os gêneros de actinomicetos e com mais de 500 espécies descritas (MADIGAN,

39 2010). Estudos independentes da cultura têm demonstrado que membros dos generos Dietzia,

Rhodococcus, Micromonospora (HELMKE e WEYLAND, 1984; HEALD et al, 2001), Streptomyces (MORAN et al, 1995) certamente existem nos oceanos (WARD e BORA, 2006).

Através do desenvolvimento de conjuntos de iniciadores seletivos para amplificação por PCR de 16S rRNA das famílias Actinomycetales, Micromonosporaceae, Streptomycetaceae, Streptosporangiaceae e Thermomonosporaceae e do gênero Dactylosporangium, a aplicação desses primers em amostras ambientais mostrou a ocorrência frequente desses grupos de actinobactérias e também revelou sequências que podem ser atribuídas a novos grupos de actinobactérias (MONCIARDINI et al, 2002).

Actinobactérias do gênero Micromonospora, também encontradas nesse estudo, ocorrem como saprófagas abundantes no solo e na água. Espécies de Micromonospora são mais conhecidas por sintetizar antibióticos, especialmente aminoglicosídeos. Seu impacto na medicina é considerável, e de fato Streptomyces e Micromonospora produzem muitos dos antibióticos conhecidos. Também desse gênero são produzidos antibióticos antitumorais (lomaiviticinas A e B, tetrocarcina A, complexo LL-E33288, etc) e antibióticos de antraciclina. Outras moléculas biologicamente ativas sintetizadas por espécies de

Micromonospora são a vitamina B12 e compostos antifúngicos. O antimicrobiano alcalóide,

diazepinomicina, foi identificado de uma espécie marinha (HIRSCH, 2009).

Ambas as famílias Streptomycetaceae e Micromonosporaceae já haviam sido encontradas na costa cearense através de estudos da microbiota associadas a invertebrados marinhos, mais especificamente na espécie da ascídia Eudistoma vanammei, coletada na Praia da Taíba. Nos extratos provenientes dessas bactérias foram isolados compostos bem descritos por suas atividades anticâncer, estaurosporinas e dictiopirolona, e antraciclinas, respectivamente (JIMENEZ et al, 2012; ABREU et al, 2013; SOUZA et al, 2012).

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