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Os pulmões de indivíduos saudáveis foram considerados, por muito tempo, locais livres de microrganismos. Entretanto, recentemente, através do uso de técnicas de identificação de microrganismos independentes de cultivo pode-se verificar que os pulmões possuem uma microbiota residente (Dickson et al., 2016). Em estudos recentes, Shabbir et al., (2015) e Glendinning et al., (2018) demonstraram por métodos independentes de cultivo, a variação da presença e diversidade bacteriana nas vias áreas de aves em relação ao tempo de vida e local de criação. Por sua vez, o presente trabalho visou identificar e comparar o microbioma do trato respiratório de aves saudáveis e aves diagnosticadas com colibacilose utilizando sequenciamento do gene 16S rRNA, bem como traçar o perfil genômico de APEC em aves diagnosticadas com colibacilose.

A amostragem de fragmentos de pulmão e traqueia de aves saudáveis e aves diagnosticadas com colibacilose em frigoríficos foi realizada pelos veterinários do Serviço de Inspeção Federal Ricardo Vinicius Santana e Izabelle Silva Rehfeld, os quais utilizaram os mesmos critérios de avaliação de lesões de colibacilose para condenação parcial ou total das carcaças. Assim, diante a ausência e presença dos critérios as aves foram classificadas como saudáveis e doentes, respectivamente.

Em laboratório, observou-se que 80% das amostras de aves saudáveis apresentaram colônias típicas de E. coli em ágar MacConkey. Embora no momento da coleta tenha sido escolhida apenas aves sem sinais clínicos de colibacilose, uma possível hipótese para a alta frequência seria as aves serem hospedeiras assintomáticas de APEC. Embora, não se tenha informação sobre o comportamento latente de cepas de APEC no trato respiratório de frangos, é possível que esse patógeno tenha comportamento semelhante às cepas de Mycoplasma gallisepticum (Couto et al., 2015; McMartin, 1968), que são caracterizadas por frequentemente causarem infecção assintomática.

Outra possibilidade seria o ambiente altamente contaminado da sala de abate de frangos. A contaminação dos frigoríficos ocorre a partir da ruptura e exposição do conteúdo presente no sistema gastrointestinal dos animais (Stromberg et al., 2017). Estirpes de ExPEC são capazes de colonizar assintomaticamente o trato intestinal (Wold et al., 1992). Stromberg et al., (2017) reportou que de 304 isolados de E.coli provenientes de fezes frangos, 175 isolados continham genes de virulência associados à ExPEC de humanos ou à APEC. Assim, é possível que as amostras tenham sido contaminadas no momento da coleta, uma vez que essa foi realizada no ambiente aberto da linha de evisceração dos frigoríficos, na qual, as aves têm a

região ventral aberta pela mesma lâmina de corte e ficam com os órgãos exposto na linha até o momento da seleção e corte das carnes. Embora o processo de descontaminação dos fragmentos coletados (através da lavagem com PBS) tenha sido realizado, é possível que tal procedimento não tenha sido eficiente o suficiente para remover toda a contaminação em todas as amostras. Devido a essa possibilidade de contaminação do ambiente de coleta ou presença assintomática de APEC, determinou-se que as amostras com detecção de E. coli em ágar MacConkey seriam eliminadas do grupo de aves saudáveis.

Nas aves diagnosticadas com lesões de colibacilose era esperado o crescimento de colônias típicas de APEC em ágar MacConkey. A confirmação molecular do diagnóstico de colibacilose nas amostras de aves doentes foi realizado com base no estudo de Johnson et al., (2008) que após a investigação de 46 genes de virulência, concluiu que os 5 genes iutA, iss, ompT, iroN e hlyF são capazes de distinguir APEC de cepas de E.coli fecal. Assim, delineou- se que para a confirmação molecular as amostras deveriam ser positivas para os 5 genes de virulência testados, garantindo que o estudo fosse conduzido com amostras contendo isolados de APEC.

Uma baixa quantidade de biomassa bacteriana proveniente de fragmentos de pulmão e traqueia (trato respiratório inferior) ficou evidente ao se obter 1) uma ampla diferença entre o valor mínimo e máximo de reads em ambos os grupos experimentais e 2) baixa cobertura de diversidade de acordo com a curva de rarefação. Embora os avanços tecnológicos moleculares permitam o acesso a bactérias até então não cultiváveis pelos métodos tradicionais, é válido ressaltar que a região de estudo/amostra influencia na quantidade e qualidade da amostragem. A dificuldade de acesso ao microbioma do trato respiratório é devido a presença de uma pequena biomassa bacteriana (Charlson et al., 2012). Ao contrário da alta biomassa bacteriana obtida por exemplo, de regiões com o trato intestinal, cavidade oral e trato genital, amostragem provenientes do trato respiratório é caracterizada pela baixa biomassa bacteriana. Em pulmões de humanos, estima-se que lavados broncoalveolar apresentam um log de 4,5 a 8,25 cópias/mL (Erb-Downward et al., 2012). Além disso, o trato respiratório é composto por uma microbiota que descresse em quantidade de biomassa bactéria do trato respiratório superior para o trato inferior. Segundo Charlson et al., (2012), a comunidade presente nos pulmões, em humanos, é de 2 a 4 log menor em biomassa quanto comparado com a quantidade observada na via aérea superior, resultado que corrobora com o obtido no presente estudo.

A análise de alpha diversidade, pela comparação do número de táxons distintos presentes dentro de um mesmo grupo e entre os dois grupos experimentais realizado através do índice de Chao1 (riqueza) e Shannon (diversidade), demonstrou que não há diferença

significativa entre os grupos de aves saudáveis e doentes. A riqueza é baseada na quantidade de OTUs raras presentes nas amostras. Assim, quanto maior o índice, maior o número de OTUs raras. O cálculo do índice de diversidade leva em consideração a abundância e o número de OTUs presentes em uma amostra. O aumento do índice de Shannon indica o aumento da riqueza de espécies e uniformidade e, portanto, diversidade. O baixo número de reads por amostra, prejudicou a cobertura da diversidade microbiana, como foi possível verificar na curva de rarefação. O número médio de OTUs por grupo experimental, também não apresentou diferença significativa. Por consequência, é provável que os resultados obtidos para o índice de Chao1 e Shannon tenham sido influenciados uma vez que a riqueza e diversidade das microbiotas avaliadas não foram completamente acessadas.

Embora, de acordo com os parâmetros estatísticos estabelecidos não tenha sido notado uma diferença significante, é válido observar que há uma tendência dos valores obtidos. Para os três resultados apresentados (número médio de OTUs, índice de Chao1 e índice de Shannon), os valores foram maiores para o grupo de aves saudáveis em comparação com os valores do grupo de aves doentes. Alguns estados patológicos levam a perda de diversidade, com o aumento da concentração de alguns gêneros bacterianos em detrimento de outros. A presença de doença pulmonar aguda ou crônica altera dramaticamente as condições necessárias para o crescimento microbiano (Dickson et al., 2016), bem como a diversidade microbiana presente no trato respiratório (Wang et al., 2016). Conforme a doença pulmonar se torna mais severa, a composição do microbioma se torna mais dependente das condições de cada região dos pulmões e das taxas de replicação dos microrganismos. A inflamação do trato respiratório leva a um incremento da produção de muco. A presença de muco faz com que certas regiões do trato respiratório apresentem baixa pressão de oxigênio e aumento de temperatura, favorecendo a multiplicação de certos microrganismos em detrimento de outros (Dickson et al., 2016). Tal condição, corrobora para explicar a tendência de diminuição da riqueza e diversidade microbiana presente no trato respiratório de aves diagnosticadas com colibacilose.

A tendência que indica a diferença entre as microbiotas de aves saudáveis e aves diagnosticadas com colibacilose é reforçada ao se observar a composição dos filos e gêneros. Em relação aos filos, nota-se que o filo Firmicutes, foi o mais abundante em amostras de aves saudáveis, enquanto em aves doentes os filos predominantes foram Proteobacteria e Fusobacteria. Ao nível de gênero, é notável que o grupo de aves saudáveis é composta por 19 dos 22 gêneros estatisticamente significantes em relação a sua presença individual em ambos os grupos experimentais. Dessa maneira, esses dados reforçam a tendência apresentada

anteriormente pelos índices de riqueza e diversidade que são maiores nos grupos de aves saudáveis.

Observou-se também que gêneros distintos compõem os grupos de aves saudáveis e aves doentes. O grupo de aves saudáveis apresentou o gênero Staphylococcus em maior abundância. Em contraste, houve predominância de bactérias dos gêneros Eschericha/Shigela e Lactobacillus no grupo de aves diagnosticadas com colibacilose. Ambos os gêneros estavam presentes em uma abundância de 36,6 e 50,3 vezes maior, respectivamente, em relação ao grupo de aves saudáveis. A distinção entre os gêneros que compõem as microbiotas do trato respiratório dos grupos experimentais, possivelmente está associada com a condição “saudável ou doente”, delineada nesse estudo. Em relação a predominância de Eschericha/Shigela corrobora com a hipótese esperada e a metodologia utilizada no estudo, uma vez que, as amostras foram obtidas de aves doentes diagnosticadas com colibacilose através da identificação de sinais clínicos. Sabendo-se que doenças pulmonares alteram as condições fisiológicas ótimas para crescimento microbiano, favorecendo o crescimento de certos microrganismos em relação a outros (Mathieu et al., 2018), é possível que o desenvolvimento da colibacilose favoreça a predominância também do gênero Lactobacillus.

A tipagem através do PFGE mostrou-se eficiente na identificação e distinção dos perfis genômicos dos isolados. Algumas cepas possuem origem clonal comum, a qual pode ter ocorrido devido à possibilidade da colibacilose ter sido causada por clones epidêmicos (Timothy et al., 2008). Outros isolados apresentaram um único perfil. Há a possibilidade de as aves terem sido infectadas pela mesma cepa durante o convívio nas granjas e criadouros, uma vez que a transmissão ocorre pela inalação de partículas contaminadas e contato com fezes também contaminada (Dho-Moulin e Fairbrother, 1999).

A comparação entre o dendrograma obtido após a tipagem dos isolados de aves doentes por PFGE e árvore filogenética a partir do sequenciamento de um isolado de cada pulsotipo previamente identificado, demonstra que há uma diferença no padrão de agrupamento. É possível que isso ocorra devido o dendrograma ser baseado em algumas regiões do DNA obtidas pela enzima de restrição Xbal, enquanto a árvore filogenética é baseada nas sequências de proteínas codificadas por genes presentes em todas as amostras. Essas sequências apresentam pequenas mudanças nos resíduos de aminoácidos, que por sua vez geram as diferenças visíveis na árvore. Além disso, a análise realizada para montagem da árvore filogenética não levou em consideração os genes que não estão presentes em todas as amostras, o que pode ter contribuído para a diferença em relação ao dendrograma.

Os resultados apresentados neste trabalho são provenientes da necessidade de compreensão da composição da microbiota de aves saudáveis e aves diagnosticadas com colibacilose. O entendimento dessas comunidades e sua composição em relação a riqueza e diversidade, permite o primeiro passo para o entendimento dos mecanismos e dinâmicas ecológicas que permeiam a saúde, bem como o desenvolvimento de infecções do trato respiratório. Além disso, possibilita encontrar meios de prevenção de doenças respiratórias, bem como, novas estratégias de tratamento.

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