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Discussão: concepção de família

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1 Discussão: concepção de família

Na concepção de família a forma como os idosos conceituam a família que formaram e a descrevem há duas significações que aparecem em ambas, que são: de ser base e ter união. Isto pode nos mostrar que a forma como conceituaram a família foi segundo as suas próprias experiências.

E ainda nesta temática percebemos que alguns idosos consideram que os vínculos familiares podem se estabelecer sem necessariamente haver vínculo sanguíneo, como vemos na fala abaixo:

Qualquer união entre pessoas que se considerem família, que tenham um dia-a-dia, que pensam juntos, que se constrói junto, que se dedicam acho que é família, não importa

seja homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher tanto faz. (Homem – Família

Afelandra amarela3)

Nesta fala podemos unir o “que se constrói junto” ao que González Rey (2004) nos fala, de que a família é o local de liberdade, e que constrói o próprio sistema de normas, comportamentos e estilos de vida.

Voltando à questão dos vínculos sanguíneos, percebemos que há idoso que considera que os familiares são apenas o núcleo: pai, mãe, irmãos e filhos, como vemos na fala de uma idosa:

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As família foram divididas em três grupos levando em consideração o conhecimento familiar de sua vivência com HIV. Deste modo as famílias de flores brancas toda família tem conhecimento; as famílias de flores vermelhas nenhum familiar sabe de sua vivência com HIV e as famílias de flores amarelas alguns familiares tem conhecimento da soropositividade do idoso e outros não, conforme foi especificado na página 41.

Família é apoio, mas família é mãe, pai, irmãos, irmãs. Agora cunhados, cunhadas, sobrinhos eu já não encaro muito como família não. O gênero é esse mesmo, pai, mãe, filhos

e irmãos. (Mulher – Família Caracala amarela)

Na descrição desta idosa identificamos o que Kahhale (2010) nos coloca com relação às relações familiares serem formadas por relação de conjugalidade e parentalidade. Mas dois idosos contestam a instituição casamento, como podemos ver pela fala de um deles abaixo:

Casamento é aquilo duradouro, a pessoa casa fica 5 anos depois se amiga fica mais 5 anos, eu não acho isso casamento, família é aquela duradoura, que passa muito tempo junto, que nem meu pai, minha mãe que fizeram bodas de ouro. Agora virou bagunça né, mas eu não sou contra nada não. (Homem – Família Bulbine amarela)

Para este idoso podemos ver que as suas considerações familiares são tanto com relação a seus antepassados, quanto com relação a uma possível dificuldade em conceber a realidade que se apresenta para ele. Realidade esta em que as pessoas passaram a se permitir se separar, a permanecer num casamento que não está dando certo.

E continuando nesta perspectiva da conjugalidade a análise dos significados de ter uma relação afetiva-sexual nos mostra que a maioria declara ser de companheirismo. Com isso, podemos pensar que dentre os que têm uma relação afetiva-sexual atualmente,alguns conseguem colocar em prática o que é posto como ideal na descrição e conceito de família. Pensando no que o idoso nos coloca em sua fala acima, devemos considerar a questão da experiência de vida como favorável para a continuidade de uma relação afetiva por anos, como podemos ver na fala de outro idoso:

Para mim independente do que aconteceu comigo em relação à saúde é tudo né. Se fosse para casar de novo 10 vezes com a minha mulher eu casaria de tão boa que é a nossa relação. No começo há aquelas controvérsias e coisa e tal, mas depois tudo vai se encaixando até se entrar num consenso. Agora não, já passamos dos 60 não temos mais desentendimentos, já passou esta fase. (Homem - Família Calceolária amarela)

Na fala deste idoso, identificamos o que Erik Erikson (1998) nos coloca como sendo a integridade, a capacidade de ver os obstáculos que passou, e que superou com sucesso. Este é

um dos lados da crise psicossocial pelo qual passa o idoso nesta fase, segundo o teórico, o outro lado desta crise é composto pelo desespero. Este é descrito como a experiência de olhar para o passado,e visualizar seus erros como tarefas não finalizadas, com falhas e limitações.

Desta forma, podemos pensar que a fala do idoso abaixo nos coloca neste patamar a partir do momento que o mesmo enxerga na religião a causa de continuar ao lado da esposa doente.

Bom né, eu acho que é bom, porque quando eu casei com ela, ela estava nova, forte, bonita. Então quando a gente casa com uma pessoa, a bíblia fala que é para a gente carregar aquela pessoa, na saúde, na doença, e não abandonar e é isso que eu estou fazendo. Porque vamos supor se eu não tivesse religião nenhuma, não tivesse Jesus Cristo dentro de mim, eu já tinha abandonado ela e arrumado outra mulher, mas quem come a carne tem que comer o osso, né verdade? Quando eu casei com ela, ela era cheia de saúde, bonita, forte, mas de uma hora para outra ficou doente, já teve 2 derrames e está doente e eu estou cuidando dela e não estou traindo ela. (Homem – Família Goivo branco)

Partindo agora para os idosos que não tem parceria afetiva-sexual verificamos que muitos relatam ser ruim, e que gostariam de ter uma parceria, mas a maioria relata viver bem e ter liberdade. O estar sozinho em correlação com a idade, a experiência de vida proporciona uma revisão de vida como afirma Coelho (2007). O olhar para si mesmo proporcionou para os três idosos abaixo decidirem permanecer sozinhos.

Eu me sinto muito bem porque eu...a terceira idade, idosa, a autoestima lá embaixo devido a lipodistrofia então não me interesso mais pela a vida oposta, pelo sexo oposto. (Mulher - Família Caracala amarela)

Não significa nada para mim, agora eu faço o que eu quero, saio a hora que eu quero, como a hora que eu quero, gosto de estar sozinho porque ninguém me perturba, tenho liberdade para tudo. (Homem - Família Íris branco)

Ah eu não tenho tempo para pensar que estou sozinha, porque eu fico ligada nas minhas coisas e eu acho que viver a dois é muito complicado. Eu acho que também sou uma pessoa muito chata; assim para viver com outra pessoa e agora quanto mais tempo vai passando pior. Eu acho que a felicidade é uma coisa muito difícil de encontrar, então a gente

tem que aprender a conviver com todas essas coisas, com todas essas dificuldades e procurar se adaptar a elas. (Mulher - Família Esparáxi amarela)

Agora daremos continuidade com as questões relativas à dinâmica familiar. Na descrição da família formada, muitos afirmaram que a sua família é cada um por si, sendo a descrição de famílias divididas, e esta divisão também pode ser a causa de outra descrição dada por muitos idosos, de que seus familiares têm personalidades muito diferentes uns dos outros. E isto é notório quanto vemos que a resolução de problemas, para alguns, é feita de forma diferenciada, mesmo entre os mesmos vínculos familiares: pais e filhos, como vemos na fala da idosa abaixo.

Nós conversamos, principalmente entre eu e minhas duas filhas que sabem do meu diagnóstico porque são mais próximas de mim. Agora as outras duas resolvem em suas casas mesmo. (Mulher - Família Tulipa amarela)

Na fala desta idosa podemos ver que o vínculo estabelecido entre ela e suas duas filhas que tem conhecimento de seu diagnóstico a dinâmica de resolução é o diálogo, enquanto que para as outras duas que não tem conhecimento de seu diagnóstico a resolução é realizada de forma individualizada. No que diz respeito à relação familiar com o HIV abordaremos melhor estes dados na segunda temática.

A esta dinâmica diferenciada entre os familiares unimos a questão da liderança familiar. Como vimos nos resultados, a maioria declarou que em suas famílias ninguém tem um papel de líder, e isto pode ser reflexo daquilo que foi abordado conjuntamente com a visão de Cerveny & Berthoud (2010), de que a partir dos anos 90 os filhos passaram a ser mais participativos nas decisões familiares, descentralizando a liderança dos pais. E assim podemos pensar que desta descentralização os problemas para estes idosos passam a ser resolvidos individualmente ou mesmo em família por meio do diálogo, mas sem uma liderança fixa em alguém.

Por outro lado devemos observar que 37,5% dos homens, e 23,1% das mulheres declararam que eles mesmos fazem um papel de líder. E quanto a isto podemos nos remeter a questão da sabedoria, abordada por Erikson (1998), e no caso o HIV parece não ter interferido neste papel familiar.

Pensamos que o fato de ser HIV+ pode não ter interferido em seu papel de liderança familiar, mas sua sabedoria é usada a seu favor de modo que para 46% dos idosos o assunto HIV é proibido em suas famílias. Como podemos ver abaixo

Sobre a minha doença. Tenho há 19 anos e só os médicos e eu que sabemos, ninguém

mais sabe. (Homem – Família Dipladênia vermelha)

Pode se falar de tudo, só não pode falar sobre essa doença (HIV). Da doença ninguém

fala nada e se falar a gente já briga. Ninguém toca no assunto. (Homem – Família Bálsamo

amarelo)

Mas a questão do poder falar em seio familiar sobre o HIV pode desencadear promoção de prevenção entre os mais jovens, como vemos na fala do idoso abaixo:

Não, pode se falar sobre tudo. Converso com meus filhos. Eles sabem de preventivo, vem buscar remédio para mim quando eu não posso. Lá em casa nem tocamos no assunto de HIV, porque todos já estão conscientes da coisa que nem se toca no assunto. Só quando tem

algum assunto polêmico na televisão é que a gente, às vezes, debate. (Homem – Família

Amarílis branca)

Por meio destas falas, e somando-as a fala abaixo constatamos o que Sousa, Kantorski e Bielemann (2004) afirmam a respeito de que o silêncio familiar pode ser uma estratégia de proteção e tentativa de uma pseudo-tranquilidade nesta vivência em família com HIV.

Acho que ninguém esconde nada de ninguém é tudo jogo aberto. Mas entre nós não se toca no assunto de HIV, esquece, a minha família sabe o povo de fora não, só os de casa, sabe, mas não se fala não fica jogando na cara, morreu o assunto né, e seja o que Deus quiser. (Homem - Família Capuchinha amarela)

Assim concluímos a primeira temática e partimos para a segunda que diz respeito à

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