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As lesões cutâneas da face e pescoço são frequentemente a primeira patologia oncológica com que os médicos se deparam na sua prática clínica diária e, sendo a C&P a localização principal do CBCc, facilmente este pode ser diagnosticado por um clínico informado

(Castanheira, Boaventura et al. 2020). O aumento da longevidade da população tem como consequência um incremento na prevalência da patologia oncológica e, em particular do CC (e deste, o CBCc) nas áreas corporais mais expostas ao sol,(Donaldson and Coldiron 2011, RORENO, Oncológicas et al. 2014, RORENO 2016, RORENO 2018). Globalmente, a incidência do CBCc está a crescer cerca de 10% ao ano, implicando que a sua prevalência em breve poderá ser igual ou superior à de todos os outros cancros combinados. Os números são ainda mais expressivos em países com populações de fenótipos mais baixos, sendo atualmente muito provável que qualquer individuo de fototipo baixo desenvolva cancro de pele em alguma fase da sua vida (Wong, Strange et al. 2003, Madan, Lear et al. 2010, Fellner

2012). O aumento da prevalência do CBCc levanta algumas questões importantes relativamente

ao seu diagnóstico e tratamento nas populações-alvo (Wiznia and Federman 2016), realçando a necessidade crucial de aferir as suas características epidemiológicas e clínico-patológicas nestas populações. Os CBCcs não são geralmente incluídos nos registos de cancro, pois frequentemente a sua comunicação não é obrigatória (Trakatelli, Morton et al. 2014), o que dificulta a sua caracterização epidemiológica

A população de TMAD é predominantemente uma população envelhecida, devido à diminuição da natalidade e aos movimentos emigratórios. É também uma população predominantemente rural com uma longa e marcada história de exposição solar (Bernardo, Ferreira et al. 2011), sendo esta o principal fator etiológico do cancro de pele (Castanheira, Boaventura et al. 2020). A combinação destes dois fatores, população envelhecida e rural, coloca problemas em saúde que requerem atenção e possíveis soluções no futuro, desencadeando uma mudança de paradigma na abordagem do CCB na população de TMAD.

Na minha atividade assistencial como otorrinolaringologista e cirurgião de cabeça e pescoço no CHTMAD, observo elevada frequência de lesões cutâneas actínicas e de CBCc.

Sendo o CBCc uma patologia frequente, com carga assistencial e morbilidade elevadas, rapidamente se tornou evidente a necessidade de o caracterizar melhor na população de TMAD.

Este tipo de tumor parecia particularmente frequente nesta população, com apresentação clínica de especial gravidade e complexidade na sua resolução. Isto levou à

procura do melhor método de tratamento para os doentes, nomeadamente o que alcançasse a radicalidade oncológica e, simultaneamente, permitisse a poupança de tecido são.

Existe pouca ou nenhuma informação sobre o CBCc na população desta região, apesar de ser uma população envelhecida e com elevado grau de exposição solar, por isso propusemo-nos realizar um estudo compreendendo os aspetos epidemiológicos, clínicos, anatomopatológicos e moleculares do CBCc da C&P na população de TMAD. O objetivo fundamental deste trabalho foi o de contribuir para um melhor conhecimento da epidemiologia CBCc na população TMAD e identificar potenciais fatores de prognóstico clínico e molecular que permitissem estratificação do risco na população alvo.

Numa primeira fase, realizamos um estudo epidemiológico, identificando e caracterizando os casos de CBCc da C&P, diagnosticados e/ou tratados no Serviço de Otorrinolaringologia do CHTMAD nos últimos 15 anos (2007-2021). Apesar do CBCc ser o tumor maligno cutâneo mais frequente na população mundial e a sua incidência estar a crescer de forma relevante (Wong, Strange et al. 2003, Madan, Lear et al. 2010, Fellner 2012), não existiam estudos epidemiológicos do CBCc na região de TMAD, sendo também escassos a nível nacional (Andrade,

Brites et al. 2012). De que tenhamos conhecimento, este é o primeiro estudo do CBCc na região de TMAD.

A incidência de CBCc aumenta com a idade, sendo esta fator de risco independente para o desenvolvimento de CBCc (Betti, Inselvini et al. 1995, Staples, Elwood et al. 2006, Nakayama, Tabuchi et al. 2011, Holm, Nissen et al. 2016, Lubeek, van Vugt et al. 2017). A média de idade no nosso estudo (73,4 ± 12,3 anos), aproximou-se dos valores reportados na literatura, confirmando o CBCc como patologia oncológica da senescência (Bastiaens, Hoefnagel et al. 1998, Scrivener, Grosshans et al. 2002, Leibovitch, Huilgol et al. 2005, Mantese, Berbert et al.

2006, Betti, Menni et al. 2010, Sartore, Lancerotto et al. 2011, Andrade, Brites et al. 2012, Demirseren, Ceran et al. 2014, Ghanadan, Abdollahi et al. 2014, Ciążyńska, Narbutt et al. 2018, Holtmann, Fuhrmann et al. 2018, Castanheira, Boaventura et al. 2020).

A maioria dos pacientes apresentava um fotótipo de baixo grau, I e II (53,4%), em concordância com a maioria dos estudos publicados (Dwyer, Blizzard et al. 2002, Mantese, Berbert et al. 2006, Dogan 2007, Kiiski, de Vries et al. 2010, Demirseren, Ceran et al. 2014, Guimaraes 2014, Apalla, Lallas et al. 2016, Godoy, Neta et al. 2017). Estas duas observações confirmam que o subgrupo demográfico com taxas mais elevadas de incidência de CBCc é o dos indivíduos caucasianos, de fototipo baixo e idosos (65-79 anos) ou muito idosos (mais de 80 anos) (Asgari, Moffet et al. 2015, Garcovich, Colloca et al. 2017).

Neste estudo procedeu-se a avaliação dos antecedentes de exposição actínica nos pacientes, quer através dos antecedentes reportados pelo paciente, quer procedendo a

observação objetiva de marcadores oculares e cutâneos de exposição solar crónica. A associação entre queratose actínica e elastose com a exposição solar crónica é um facto comprovado (Richmond-Sinclair, Pandeya et al. 2010, Chinem and Miot 2012). No nosso estudo, a maioria dos pacientes tinha antecedentes de exposição actínica elevada (66,7%), apresentando características óculo-cutâneas associadas à exposição solar, como elastose (66,9%), queratose (49,6%), pinguéculas (42,7%) e pterígios (12,9%). Estes resultados seriam de esperar numa população proveniente, na sua maioria, de áreas rurais e com alta exposição solar (Maia, Proenca et al. 1995, Rocha, Menezes et al. 2004, Karagas, Zens et al. 2007, Richmond-Sinclair, Pandeya et al. 2010, Chinem and Miot 2012), embora Khalesi et al. tenham reportado associação relativamente modesta entre marcadores de exposição crónica à radiação UV e o CBCc, nomeadamente a elastose (Khalesi, Whiteman et al. 2013).

O nosso estudo está em linha com as observações de Viso et al., que observou prevalência de 59,7% para a pinguécula e 4,8% para o pterígio, numa população espanhola da mesma faixa etária (Viso, Gude et al. 2011). É sabido que residir em ambiente rural está associado ao desenvolvimento de pterígio e pinguécula (Asokan, Venkatasubbu et al. 2012), sendo a exposição solar, em particular a exposição crónica ao longo da vida, o fator de risco ambiental mais comum para o pterígio (Asokan, Venkatasubbu et al. 2012, Rezvan, Hashemi et al. 2012). Estas observações confirmam que os nossos pacientes tinham longa história de exposição aos UV, que cumulativamente com o fotótipo baixo e a idade avançada, contribuem para o risco elevado do CBCc.

A maioria dos CBCcs localizava-se em áreas de alto risco, aquelas com maior exposição solar, em particular no nariz (29,0%) e na área da bochecha/malar (29,4%). De salientar que, em comparação com a maioria dos estudos, a nossa série apresentava maior frequência relativa de CBCcs nos cantos dos olhos/pálpebras (16,5%) e na região pré-auricular/auricular (14,5%). Esta discrepância pode ter ocorrido pelo facto de a nossa série ter sido extraída de um Serviço de ORL e não da população em geral, estando assim mais em linha com alguns estudos abordando apenas o CBCc da C&P (Sartore, Lancerotto et al. 2011, Demirseren, Ceran et al. 2014, Guimaraes 2014, Holtmann, Fuhrmann et al. 2018). Além disso, pode representar um enviesamento por referenciação ao Serviço de ORL de alguns tumores que impliquem reconstruções mais complexas.

No nosso estudo a maioria dos CBCcs (83,5%) tinha menos de 2 cm e não apresentava metástases, em consonância com grande parte das séries, em particular do CBCc localizados na C&P (Demirseren, Ceran et al. 2014, Guimaraes 2014, Holtmann, Fuhrmann et al. 2018).

A taxa de recidiva que observámos, de 7,3%, está de acordo com o que já havia sido reportado (Castanheira, Boaventura et al. 2020). A maioria desses CBCcs recidivantes era do subtipo

histológico infiltrativo (64,2%), o subtipo de crescimento mais agressivo e, por isso, mais sujeito a recidiva. No nosso estudo, a presença de CBCcs múltiplos foi observada em 32,5% dos pacientes, outra situação que aumenta o risco de recidiva (Peris, Fargnoli et al. 2019). É também conhecido que a presença de CBCcs múltiplos aumenta o risco de aparecimento de novos CBCcs

(Schreiber, Moon et al. 1990, Karagas, Stukel et al. 1992, Marghoob, Kopf et al. 1993, Marcil and Stern 2000), pelo que há necessidade de seguimento mais apertado destes doentes, com observações mais frequentes.

Além disso, a abordagem cirúrgica poderá ter de ser mais radical, se possível por CMM.

A variante histológica mais comum foi o nodular, como era esperado (Scrivener, Grosshans et al. 2002). No entanto, a segunda variante histológica mais comum foi o infiltrativo (28,2%), contrariamente ao reportado por Scrivener et al. (Scrivener, Grosshans et al. 2002), numa grande série de 10245 pacientes com CBCc, em que a segunda variante mais frequente foi a superficial e a variante histológica infiltrativo constituiu apenas 6,2% dos casos. Tal como acima referido, a variante histológica infiltrativa é considerada a mais agressiva (Takenouchi, Nomoto et al. 2001, Leibovitch, Huilgol et al. 2005, Newlands, Currie et al. 2016, Paolino, Donati et al. 2017) e a mais difícil de erradicar (Paolino, Donati et al. 2017).

Constatamos que os CBCcs com padrão de crescimento de tipo agressivo (infiltrativos e/ou padrão micronodular) estavam mais frequentemente localizados na região pré-auricular/auricular e menos no nariz, em comparação com os CBCcs com padrão de crescimento de tipo indolente (nodulares e/ou superficiais). Além disso, os CBCcs com padrão de crescimento de tipo agressivo eram frequentemente maiores do que os CBCcs com padrão de crescimento de tipo indolente (16,9 vs. 10,2 mm). Esta é outra indicação de agressividade, pois os tumores maiores tendem a ser mais agressivos (Richmond‐Sinclair, Pandeya et al. 2010).

Estes resultados enfatizam a necessidade de maior atenção à região pré-auricular/auricular, não só porque os CBCcs foram mais frequentes nessa área, mas porque eram da variante histológica considerada mais agressiva. Por isso deve considerar-se a adoção de maior radicalidade oncológica nestas localizações cutâneas, atenta a possibilidade de se tratar de CBCc infiltrativo, particularmente se de grande dimensão.

Durante esta fase dos trabalhos, realizou-se em simultâneo um estudo anátomo-clínico sobre o tratamento cirúrgico do CBCc no Serviço de Otorrinolaringologia do CHTMAD: o tratamento “Gold Standard” do cancro cutâneo da face, a CMM. Na prática clínica foram surgindo casos de CBCc da C&P localizados em áreas onde estética e função se revelam da maior importância, como as pálpebras, nariz e pavilhão auricular, muitos deles com características clínicas e histológicas de agressividade, e extensão subclínica avançada. Estes

casos exigiam abordagem diferente de forma a conjugar a radicalidade oncológica com a conservação da estética e da função. Assim, iniciei em 2010 a prática da CMM em estreita colaboração com o serviço de Anatomia Patológica. No fim de 2018 foi realizada uma análise retrospetiva dos casos de CC localizados na C&P e operados por CMM.

Na nossa série de CCs da C&P tratados por CMM, as frequências de CBCcs e CECcs (respetivamente 78,4% e 19,6%) eram semelhantes às observadas em estudos anterioriormente publicados (Buettner and Raasch 1998, Rubin, Chen et al. 2005, Chinem and Miot 2011, ACS 2017, Garcovich, Colloca et al. 2017), confirmando as neoplasias queratinocíticas como as neoplasias da população mais idosa (Chinem and Miot 2011, Dacosta-Byfield, Chen et al. 2013, Asgari, Moffet et al. 2015) e de pele clara (Chuang, Popescu et al. 1990, Maia, Proenca et al. 1995, Rubin, Chen et al. 2005, Mantese, Berbert et al. 2006, Asgari, Moffet et al. 2015), e corroborando o nosso estudo anterior (Castanheira, Vieira et al. 2021).

A localização primária da maioria dos CBCcs foi o nariz e a zona central da face (76,4%), seguidos pelo pavilhão auricular (13,7%), correspondendo a áreas de alto risco (zona H) e confirmando a zona H como sede da maioria dos CC da C&P (Buettner and Raasch 1998, Raasch, Maclennan et al.

1998, Heckmann, Zogelmeier et al. 2002, Chinem and Miot 2011, Seth, Revenaugh et al. 2011, Chagas and Silva 2012, Choi, Kim et al. 2013, Subramaniam, Olsen et al. 2016, Subramaniam, Olsen et al. 2017), ou seja, CBCcs que mais beneficiam da CMM

(Connolly, Baker et al. 2012). Além disso, a maioria dos tumores localizados nas zonas de alto risco tinham diâmetro ≥ 6 mm, o que eleva o risco de recidiva(Batra and Kelley 2002, Bichakjian, Olencki et al. 2016). Verificou-se, ainda, que mais de metade dos CBCcs foi diagnosticada em estádios avançados, possivelmente devido a atraso no diagnóstico, já que 56,9% dos tumores foram observados pela primeira vez por um médico apenas 1-3 anos após o seu aparecimento. Estes resultados enfatizam a importância da implementação da CMM como a melhor opção de tratamento de CBCc.

O uso do microscópio e do dermatoscópio antes e durante a cirurgia, variantes da técnica original, permitiram excisão cirúrgica mais precisa nos doentes da nossa série. Isto pode justificar o facto de a grande maioria dos tumores (90,2%) não necessitar de mais de duas etapas de excisão para a remoção completa, em comparação com os valores de 54,8% a 85,7%

reportados em estudos semelhantes (Alonso, Sanchez et al. 2008, Terzian, Neto et al. 2008, Terzian, Nogueira et al. 2010, Seth, Revenaugh et al. 2011, Chagas and Silva 2012). Além disso, a taxa de recidiva foi de 2%, confirmando a nossa atuação como prática adequada (Wennberg, Larko et al. 1999, Terzian, Nogueira et al. 2010, Paoli, Daryoni et al.

2011, Seth, Revenaugh et al. 2011, Chagas and Silva 2012, Sanchez, Estefan et al. 2013, Almeida, Alves et al. 2015, Camarero-Mulas, Delgado Jiménez et al. 2017, Cortés-Peralta, Garza-Rodríguez et al. 2017).

Resumindo, confirma-se a CMM como o “Gold Standard” do tratamento cirúrgico, com menor taxa de recidiva, melhores resultados funcionais e estéticos percepcionados pelos pacientes, assim como uma melhor relação custo-benefício, (Nouri 2008, Foundation 2018, Prickett and Ramsey

2018). É uma modalidade terapêutica que se adapta adequadamente à maioria dos doentes com

CBCcs de histologia agressiva e localizados em áreas “nobres” da face.

Numa segunda fase, realizámos uma caracterização das alterações moleculares dos CBCcs, tentando identificar potenciais biomarcadores de agressividade (histológica e clínica) e de prognóstico (recidiva e/ou metástases). Tivemos como premissa que a compreensão dos fatores na origem e desenvolvimento do CBCc nas populações alvo pode contribuir para a identificação de novas abordagens na sua prevenção, diagnóstico e tratamento (Khalesi 2017).

As mutações do TERTp associadas ao CC foram inicialmente descobertas em dois estudos de melanoma, encontrando-se presentes, respetivamente em 74% (Horn, Figl et al. 2013) e 71% (Huang, Hodis et al. 2013) destes tumores. Estas mutações localizam-se 124 e 146 pares de bases a montante do local de início da tradução, sendo referidas respetivamente como C228T e C250T,

(Bell, Rube et al. 2016). Desde então, as mutações no hTERTp têm sido reportadas como sendo as mutações pontuais somáticas mais comuns em vários tipos de tumores malignos: gliomas (51,1%) (Killela, Reitman et al. 2013) e outros tumores do sistema nervoso central (43%) (Vinagre, Almeida et al.

2013); melanoma cutâneo (29-71%) (Horn, Figl et al. 2013, Huang, Hodis et al. 2013, Vinagre, Almeida et al. 2013); cancro da bexiga (59-66%) (Kinde, Munari et al. 2013, Vinagre, Almeida et al. 2013); carcinoma hepatocelular (47%) (Quaas,

Oldopp et al. 2014); tumores foliculares da tireoide (10%) (Vinagre, Almeida et al. 2013); fibroxantoma atípico (93%); sarcoma dérmico pleomórfico (76%) (Griewank, Schilling et al. 2013); CBCc esporádico variando de 38,8% (Populo, Boaventura et al. 2014) a 78%(Scott, Laughlin et al. 2013) ; CECc (50%) (Scott, Laughlin et al. 2013); carcinoma de células claras do ovário (Wu, Ayhan et al. 2014).

As mutações no hTERTp evidenciaram valor prognóstico no cancro da bexiga e nos glioblastomas (Bell, Rube et al. 2016), e a presença de mutações somáticas no hTERTp associa-se a diminuição da sobrevida global em pacientes com meduloblastoma (Remke, Ramaswamy et al. 2013), cancro de tiroide (Liu, Wang et al. 2013, Melo, da Rocha et al. 2014, George, Henderson et al. 2015), cancro urogenital

(Rachakonda, Hosen et al. 2013, George, Henderson et al. 2015), melanoma cutâneo (Griewank, Murali et al. 2014, Populo, Boaventura et al. 2014) e cancro de laringe (Qu, Dang et al. 2014).

As mutações no gene TP53 podem ocorrer em mais de 50% dos casos de CBCc esporádicos (Madan, Hoban et al. 2006, Roewert-Huber, Lange-Asschenfeldt et al. 2007, Donovan 2009). As mutações no gene TP53 são induzidas pela radiação UV em mais de dois terços dos casos esporádicos de

CBCc e, frequentemente, restritas a um alelo (Ansarin, Daliri et al. 2006). As mutações pontuais no gene TP53 são as alterações genéticas mais comuns no CBCc depois das mutações nos genes PTCH

(O’Toole EA 2012, Pellegrini, Maturo et al. 2017). O gene TP53 mutado pode ser sobre-expresso na maioria dos subtipos agressivos de CBCc (Reifenberger, Wolter et al. 2005, Ansarin, Daliri et al. 2006), apesar da agressividade tumoral poder também ser atribuída a outras alterações genéticas ou eventos que ocorram durante a progressão tumoral (Bolshakov, Walker et al. 2003). Desta forma a expressão da p53 pode ser usada como biomarcador de agressividade do CBCc(Ansarin, Daliri et al. 2006).

Partindo destas premissas, caracterizámos a expressão destes marcadores genéticos.

Determinámos a frequência das mutações do TERTp e a frequência das alterações na expressão da p53 no CBCc, tentando obter uma possível associação com as características clínicas dos doentes e as características histopatológicas dos tumores.

Na nossa série, os casos de CBCc elegíveis para o estudo molecular foram 160, correspondendo a 96 pacientes. Verificou-se que 32% dos CBCcs eram da variante histológica infiltrativa.

Uma proporção relevante de CBCcs (39,5%) invadia as camadas mais profundas da pele (tecido adiposo subcutâneo) e estruturas subjacentes (músculo estriado), quando comparada com outros estudos em que as proporções variavam de 0% (Bandeira AM 2003) a 24,5% (Bourlidou, Vahtsevanos et al. 2019). Apesar de observarem invasão do tecido adiposo subcutâneo em apenas 12,4% de todos os CBCcs, Betti et al. reportaram uma proporção mais elevada (25,5%) de invasão do tecido adiposo subcutâneo nos CBCcs infiltrativos, incluindo a variante micronodular (11,8%) (Betti, Menni et al. 2010). Assim, as frequências obtidas na nossa série podem estar relacionadas com a presença de elevada proporção da variante infiltrativa, uma vez que geralmente os CBCcs infiltrativos invadem mais profundamente do que os CBCcs nodulares

(Bandeira AM 2003, Betti, Menni et al. 2010, Welsch, Troiani et al. 2012).

No nosso estudo, a maioria dos CBCcs (60,5%) sobre-expressou a proteína p53, superior à reportada (45%) por Stamatelli et al. (Stamatelli, Saetta et al. 2011), mas mais próxima da reportada (68,3%) por Haghighi et al. (Ghaderi and Haghighi 2005). Tem sido descrito que a sobre-expressão da p53 é significativamente maior em CBCcs agressivos em comparação com os não agressivos

(Auepemkiate, Boonyaphiphat et al. 2002, Ansarin, Daliri et al. 2006, Koseoglu, Sezer et al. 2009), no entanto as nossas observações não corroboram esse facto. Na nossa série, tanto os CBCcs com padrão de crescimento de tipo indolente, como os de tipo infiltrativo, revelaram frequência semelhante de sobre-expressão da p53, em consonância com outros estudos em que a sobre-expressão da

p53 nem sempre reflete o grau de malignidade nas neoplasias cutâneas (Onodera, Nakamura et al. 1996). Não foram identificadas associações entre a sobre-expressão da p53 e as características clínicas e histológicas dos CBCcs, exceto para necrose, revelando-se esta significativamente mais frequente nos CBCcs com sobre-expressão da p53. A informação sobre a necrose como fator de prognóstico no CBCc é escassa. Welsch et al. reportaram que CBCcs sem necrose tinham invasão significativamente mais profunda do que aqueles com necrose (Welsch, Troiani et al. 2012), o que não se confirmou na nossa série.

Na nossa série, 42% dos CBCcs apresentaram mutações do TERTp, frequência menor do que a reportada em estudos anteriores (51–78%) (Griewank, Murali et al. 2013, Populo, Boaventura et al. 2014, Scott, Laughlin et al. 2014). A mutação mais frequente foi a -146: G>A, a qual ocorreu em 79% dos casos.

Num estudo anterior do nosso grupo, uma frequência semelhante da mutação - 146: G>A foi detetada numa coorte de CBCcs em pacientes com antecedentes de irradiação na infância para tinea capitis (75%). No entanto, no contexto de CBCc esporádico (grupo controlo não irradiado) apenas 25% dos CBCcs mutados revelaram esta mutação (Populo, Boaventura et al. 2014), enquanto Griewank et al.reportaram frequência de 55,6% (Griewank, Murali et al. 2013).

As mutações no TERTp foram observadas numa elevada proporção de melanomas cutâneos e noutros tumores malignos. Estas mutações ocorrem em dois pontos principais localizados 124 e 146 pb a montante do sítio de início ATG e associam-se a alterações G>A (-124 G>A e -146 G>A, fita oposta C>T) (Horn, Figl et al. 2013, Huang, Hodis et al. 2013). Os estudos funcionais indicam que estas mutações no TERTp originariam um local de ligação de consenso (GGAA) para fatores de transcrição ETS na região do TERTp, conduzindo a incremento na atividade deste que levaria a aumento na expressão do gene da TERT entre 2 e 4 vezes (Horn, Figl et al. 2013, Huang, Hodis et al. 2013). A expressão da telomerase em células tumorais é essencial para manter o comprimento dos telómeros e a estabilidade cromossómica, permitindo a proliferação celular contínua sem o aparecimento de instabilidade genética, evitando assim a apoptose ou a senescência (Blackburn 2005, Günes and Rudolph 2013). Estas mutações com alterações C>T ou CC>TT no TERTp têm assinatura UV, corroborando o papel da RUV na etiologia do CC (Griewank, Murali et al. 2013). A mutação em −124 C>T é claramente mais frequente que a mutação −146 C> T em quase todos os tumores malignos. Os cancros de pele parecem ser os únicos em que a mutação -146:G>A é mais comum do que a mutação -124 G>A. (Griewank, Murali et al. 2013).

Uma proporção mais elevada da mutação −146 C> T no CC sugere um mecanismo diferente para as mutações no TERTp, apontando para a possibilidade de as lesões induzidas

pela RUV sejam responsáveis pelas mutações do TERTp no CC (Hafezi and Perez Bercoff 2020). Assim, as mutações do TERTp com assinatura UV, na posição −146 C> T , embora menos frequentes no nosso estudo do que em outros estudos, estão presentes em 42% dos casos de CBCc, sugerindo incremento da expressão da telomerase como consequência da exposição à RUV, desempenhando esta importante papel na etiopatogénese destes tumores (Griewank, Murali et al. 2013). Não foram encontradas associações estatisticamente significativas da mutação do TERTp com as características clínicas e histopatológicas do CBCc, exceto para a presença de necrose. Foi observada associação da mutação do TERTp com a necrose, que também ocorreu com a sobre-expressão da p53. Associações estatisticamente significativas da mutação do TERTp com as características clínicas e histopatológicas do CBCc também não foram reportadas em estudos prévios (Griewank, Murali et al. 2013)(Populo, Boaventura et al. 2014).

Quando analisámos os CBCcs de acordo com o tipo de padrão de crescimento (indolente vs. infiltrativo) observou-se que nos CBCcs de tipo infiltrativo apenas a necrose se associava à mutação do TERTp. Nos CBCcs com padrão de crescimento de tipo indolente, considerado como menos agressivo, observou-se, além da associação significativa com a necrose, associação com o género feminino, CBCcs múltiplos e expressão positiva da p53. A presença de CBCcs múltiplos, bem como maior expressão da p53 têm sido consideradas como indicadores de maior agressividade, pelo que a mutação do TERTp poderá ser potencialmente útil na discriminação dos CBCcs mais agressivos dentro daqueles que apresentam padrão mais indolente.

Este estudo apresenta limitações que não permitem estabelecer o TERTp como novo marcador prognóstico para o CBCc. Em primeiro lugar seria necessário ter uma coorte de validação, o que não foi possível no presente estudo. Em segundo lugar, seriam necessários estudos adicionais para estabelecer a associação entre a sobre-expressão da p53 e a mutação do TERTp.

De referir que poucos estudos publicados avaliaram a presença concomitante de mutações da p53 e do TERTp, e nenhum deles em CBCc (Rippey 1998, Auepemkiate, Boonyaphiphat et al. 2002, Ansarin, Daliri et al. 2006, Mercut, Ciurea et al. 2014, Wu, Huang et al. 2014, Akaike, Kurisaki-Arakawa et al. 2015, Schulze, Imbeaud et al. 2015, Marotta, Sciammarella et al. 2016, Machado, Morales et al. 2020, Romei and Elisei 2021). Globalmente, esses estudos evidenciam que a presença concomitante de mutações do TERTp e da p53 se associa com padrão mais agressivo. Embora esta associação não tenha sido descrita no CBCc, a expressão positiva da p53 e a presença de CBCcs múltiplos são características independentemente

relacionadas com a agressividade dos CBCcs (Rippey 1998, Auepemkiate, Boonyaphiphat et al. 2002, Ansarin, Daliri et al.

2006, Mercut, Ciurea et al. 2014). Na nossa série, ao considerar a avaliação dos CBCcs no seu conjunto, não foi observada associação entre a positividade da p53 e a mutação do TERTp. No entanto, na avaliação dos CBCcs de acordo com o seu padrão de crescimento e agressividade (indolente vs. infiltrativo), verificou-se uma associação entre a positividade da p53 e a mutação do TERTp com os CBCcs com padrão de crescimento de tipo indolente. No nosso estudo, apesar de se identificarem mutações do TERTp em apenas 42% dos CBCcs, verificou-se elevada proporção de CBCcs múltiplos (38,9%), elevada proporção (32%) de CBCcs infiltrativos, e a maioria dos CBCcs (60,5%) tinha sobre-expressão a proteína p53. Por outro lado, apenas identificamos associação estatisticamente significativa da mutação do TERTp e da expressão da p53 com a necrose.

Concluindo, parece que a mutação do TERTp pode ser potencialmente útil na discriminação dos CBCcs mais agressivos dentro do grupo de CBCcs que apresentam um padrão de crescimento de tipo indolente. No entanto, estudos adicionais com coortes maiores serão necessários para esclarecer a relevância das mutações do TERTp no CBCc.

As dificuldades encontradas durante a prossecução deste estudo colocaram em evidência a necessidade de tornar obrigatória a comunicação dos casos de CBCc por forma a incluí-los nos registos de cancro. Por outro lado, a ausência, insuficiência ou imprecisão na informação clínica constante dos registos clínicos, evidencia a necessidade de registos clínicos adequados, rigorosos e em particular dos casos de CBCcs recidivantes durante todo o período de seguimento.

Este estudo revelou que os doentes de TMAD apresentam CBCcs da C&P com características clínicas e histológicas de maior agressividade, enfatizando a necessidade de diagnóstico precoce e de tratamento adequados. Desta forma, um médico em contacto frequente com os seus pacientes, avaliando as áreas cervical e facial dos seus pacientes, pode contribuir para diagnóstico precoce e orientar para tratamento adequado e oportuno.

Embora o nosso estudo tenha incluído uma pequena amostra de neoplasias cutâneas primárias tratadas e/ou seguidas num Serviço de Otorrinolaringologia, alguns dos casos tratados correspondiam a situações oncológicas complexas exigindo tratamentos cirúrgicos e reconstruções igualmente complexas. Considerando que a CMM é o Gold Standard em muitas situações de oncologia cutânea da C&P, este estudo pode motivar e alertar para a necessidade dos clínicos em geral, e do cirurgião de cabeça e pescoço em particular, se familiarizarem com os conceitos técnicos fundamentais da CMM.

Pretende-se assim que este estudo tenha impacto clínico importante no melhor esclarecimento dos fatores etiopatogénicos do CBCc da C&P nas populações desta região, no seu diagnóstico precoce e num tratamento mais adequado.

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