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7.1 Recapitulação

Faz-se necessária uma recapitulação dos objetivos, procedimentos e resultados obtidos. O objetivo deste estudo é observar os efeitos decorrentes do treinamento e da prática vocal profissional, através das análises de parâmetros fonético-acústicos que evidenciam semelhanças e diferenças na fala e no canto. Para isso, elencaram-se três hipóteses: H1) a fala é distinta entre os grupos; H2) entre os grupos, o canto tem semelhanças dependentes da formação musical, e diferenças dependentes da prática e do treinamento; e H3) fala e canto refletem identidade de grupo através das semelhanças/diferenças observadas nos parâmetros acústicos.

Para tanto, foram realizadas análises com os dados obtidos da partitura da canção escolhida (Conselhos, Carlos Gomes), de natureza não paramétrica, e análises com os dados acústicos das gravações de fala e canto, de natureza paramétrica. As variáveis das análises não paramétricas influenciaram a escolha e definição das variáveis paramétricas. Foram estipuladas variáveis acústicas e linguísticas tomadas como base nas análises.

As análises não-paramétricas mostraram que as estimativas prosódicas de nível linguístico e musical parecem manter a estrutura linguística da canção, pondo em evidência as tônicas. As análises paramétricas das estimativas acústicas de duração e entoação obtidas das partitura foram pareadas com os dados das gravações. Os resultados dessas análises mostraram que a fala difere entre todos os grupos quanto à duração e quanto à entoação. O canto difere entre SOL e COR quanto à duração, porém, se assemelha quanto à entoação.

As gravações de fala e canto foram analisadas de forma pareada entre os grupos. As análises realizadas com as variáveis linguísticas para os dados de fala mostram semelhanças e diferenças duracionais que separam os grupos com maior prática e treinamento vocal (LOC e SOL) quanto ao padrão acentual (PA), e semelhante produção de

mesmo nos níveis mais baixos. Tais estratégias parecem manter a estrutura linguística da composição nas produções das modalidades (falada e cantada).

A intensidade parece evidenciar a proficiência das leitoras, pois é maior na fala das locutoras (LOC) que das cantoras (SOL e COR). Os formantes marcam o grupo com maior proficiência no canto (SOL), pois observou-se que os seus formantes (F1, F2, F3) têm valores maiores que os de LOC e de COR, diferenciando as tônicas das átonas na fala e no canto.

Novamente, tais resultados diferenciam o grupo SOL, possivelmente pela proficiência musical e pela prática e treinamento vocal. Esses resultados sugerem uma busca por possível manutenção de postura vocal confortável.

7.2 Discussão

As análises dos dados acústicos apresentam diversos resultados interessantes que corroboram as hipóteses elencadas (H1, H2 e H3), evidenciando as estratégias realizadas pelos grupos nas tarefas de leitura e canto do mesmo texto. Tais estratégias incluem a manipulação e interação entre níveis linguísticos e estrutura musical, ou melhor, a manipulação de níveis prosódicos para a manutenção da estrutura musical. Além disso, levantam outras questões.

Primeiramente, esses resultados apontam valores elevados dos formantes do canto em relação aos da fala, já relatados na literatura (LINBLOM e SUNDBERG, 1972 e 2005; SUNDBERG e NORDSTRÖM, 1976; SUNDBERG e ASKENFELT, 1981; SUNDBERG, 1973 e 1987; MEDEIROS, 2002; SUNDBERG et al., 2005; PESSOTTI, 2007). Deve-se notar a gradiência de todos os formantes na fala é SOL > LOC > COR, corroborada pela análise de variância e pelos testes post-hoc de comparações aos pares (Tukey HSD < 0,05). Ainda, ocorre no canto a mesma gradiência observada na fala (SOL > COR).

É preciso notar que a fala das locutoras também tem formantes sistematicamente mais altos que a das coralistas. Existem estudos que apontam outro formante especial, o do ator/leitor (LEINO e KARKKAINEN, 1995; PINCZOWER e OATES, 2005; MASTER et al.

2006, 2008 e 2011; LEINO et al., 2009), e outros que reportam um uso sistemático da “fala sorridente” (LEINO e KARKKAINEN, 1995; PINCZOWER e OATES, 2005; BELE, 2006; MASTER et al., 2006, 2008 e 2011; LEINO et al. 2009).

A maior abertura oral, provocada pelo abaixamento da mandíbula ou pelo estiramento dos lábios, tem como possível resultado a elevação dos formantes observada, fato ausente do grupo das cantoras coralistas, menos treinado. Pode-se supor que as estratégias utilizadas pelas locutoras sejam semelhantes às das solistas, mas, sejam aplicadas à fala, onde a melodia veiculada por f0 é a da entoação.

Tais diferenças sistemáticas de elevação dos formantes podem indicar que as solistas usam estratégias articulatórias que permitem o encurtamento do trato vocal. Duas estratégias distintas podem ser executadas, com consequências distintas: a) a elevação da laringe, que não implica maior abertura oral; b) o estiramento dos lábios, que implica necessariamente maior abertura oral.

A elevação de laringe é desaconselhada na literatura da pedagogia do canto (TOSI, 1723[1968]; MANCINI, 1774; GARCIA, 1854; LAMPERTI, 1864), por acarretar esforço vocal. Esse fato foi corroborado por estudos recentes (SUNDBERG e ASKENFELT, 1981; PABST e SUNDBERG, 1993).

O estiramento dos lábios resulta numa mudança de timbre (SUNDBERG e ASKENFELT, 1981; PABST e SUNDBERG, 1993; GARNIER et al., 2008), recomendada pela pedagogia do canto (GARCIA, 1854; MILLER, 1977). Outro uso positivo desse gesto articulatório é encontrado na literatura sobre expressividade, pois o estiramento e suas consequências acústicas decorrem necessariamente da “fala sorridente” (FAGEL, 2009), agregando valor estilístico positivo.

Há na literatura fonética sobre o canto bases que justificam as manobras articulatórias citadas. Estudos recentes identificam a sintonização do segundo formante com algum harmônico de f0 (SUNDBERG, 1974; SUNDBERG, 1987; SUNDBERG et al., 1999; JOLIVEAU et al., 2004, WOLFE e SMITH, 2008, GARDNER et al., 2010). Seria esse um

No entanto, somente a abertura mandibular e o estiramento labial poderiam acarretar a distorção de certas vogais, principalmente as altas. Como a prática vocal profissional busca o conforto, é natural que um cantor proficiente tente parear f0 ou qualquer de seus harmônicos com o formante menos passível de alteração, pois essa estratégia de “sintonia” permite aumentar o volume sem esforço vocal, além de preservar a inteligibilidade.

Os resultados mostram ainda outro fator interessante: o canto com acompanhamento parece ser um lugar privilegiado para a elevação dos formantes. O acompanhamento tende a marcar o ritmo e servir de apoio da harmonia, independente da melodia. Além disso, uma vez que a sintonização promove um aumento de volume, deve-se investigar no futuro a sua importância em momentos de saliência rítmica.

Para tanto, pode-se em trabalhos futuros, recorrer à síntese de fala, replicando alguns dos trechos gravados de forma semelhante ao que se faz com a fala de laboratório. As elevações de formantes observadas são possíveis de simular de acordo com a literatura (Sanguinetti et al., 1994; Beautemps et al., 1995; Perrier et al. 2003 e 2005).

Esses resultados chamam a atenção para a possível transferência articulatória da prática vocal profissional para a situação informal de leitura. O treinamento tanto das solistas como das locutoras parece aumentar o conforto na abertura oral, com a elevação dos formantes e, assim, sintonizá-los da maneira menos custosa possível com f0 ou seus harmônicos, criando um efeito de maior ressonância.

Esses seriam indícios de uma possível adaptação fônica semelhante à que ocorre nas interlínguas, onde uma prática sedimentada sofre influência de outra mais recente e menos frequente. O uso da voz profissional, por razões de saúde vocal, não costuma exceder determinado limite diário. Porém, é improvável que um profissional da voz faça pouco uso da oralidade no cotidiano. É possível que a transferência articulatória aqui observada na tarefa de leitura possa ser mais generalizada, hipótese que deve ser investigada no futuro.

Além disso, esse pode ser um fenômeno de “interprática” vocal, semelhante ao observado na aquisição de segunda língua. Em outras palavras, um recurso usado anteriormente com pouca frequência passa a ser mobilizado cada vez mais, visando à proficiência, e acaba por “invadir” contextos onde não é esperado.

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