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Com este estudo pretendeu-se avaliar que doenças metabólicas têm maior incidência na ilha de São Miguel- Açores, bem como relacioná-las com a paridade dos animais, tempo pós-parto, maneio nutricional no período de transição e avaliar se a tendência é para a doença vir a repetir-se ou não ao longo da vida reprodutiva do animal. Os animais em estudo tiveram um número de partos de 3,96 ± 1,65 (entre 1-8 partos) e as observações foram feitas 6,82 ± 8,14 dias pós-parto (entre 1-30 dias pós-parto).

Apesar da reduzida dimensão da amostra em estudo comparativamente à elevada densidade populacional de bovinos leiteiros na ilha, conseguem tirar-se algumas conclusões e perceber certas tendências, como por exemplo, que a hipocalcemia é a doença metabólica puerperal com maior incidência na ilha e que, apesar da falta de exames complementares (como análises sanguíneas que permitam detetar os níveis de Ca em circulação), os sinais clínicos foram quase sempre inequívocos e o diagnóstico fiável.

Uma das dificuldades na obtenção dos casos prendeu-se, portanto, com a falta de exames complementares. Em algumas situações, por exemplo, os casos de hipocalcemia foram confundidos pelos produtores com casos de compressão do nervo ciático. Nestas situações, os animais apresentavam-se também em decúbito e incapazes de se levantar pelo fato de ter havido uma forte compressão do nervo ciático durante o parto, causado por crias de grandes dimensões ou pelo fato da cria ter ficado muito tempo atravessada no canal do parto e comprimindo o nervo ciático por longos períodos de tempo, o que acaba por impossibilitar a vaca de se levantar após o parto. Nestes casos, apesar da vaca se apresentar também em decúbito esternal ou lateral, foi possível por de parte a hipótese de hipocalcemia porque podiam observar-se movimentos ruminais no flanco esquerdo, salivação, mucosas húmidas, movimentos labiais, reflexo de deglutição e falta de resposta aos tratamentos com cálcio.

Paridade

No que toca à paridade verificou-se que as hipocalcemias, de fato, aumentam de incidência com o aumento da paridade, visto que a amostra em estudo aponta para que vacas com mais partos tiveram uma maior probabilidade de desenvolver hipocalcemia, bem como maior probabilidade em desenvolver hipocalcemia juntamente com cetose comparativamente, a vacas só com cetose. Isto vai de encontro com estudos prévios, que indicam que vacas multíparas têm uma maior dificuldade em manter a homeorrexia do Ca, menos recetores para

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a 1,25 dihidroxicalciferol a nível intestinal e, portanto, maior dificuldade em combater uma hipocalcemia, sendo mais provável que a hipocalcemia comece a aparecer em vacas a partir da 3ª gestação, como já foi descrito na revisão bibliográfica (Goff, 2000; DeGaris e Lean, 2008; Reinhardt et al., 2011; Seifi et al., 2011; Goff, 2014; Caixeta et al., 2017). Para além disso, neste estudo não foram encontrados casos de hipocalcemia em novilhas de primeira gestação e apenas um caso numa vaca de 2ª gestação, permitindo enfatizar que vacas primíparas e vacas de apenas duas gestações são muito mais resistentes à hipocalcemia do que as multíparas, como já foi anteriormente descrito por outros autores e mencionado neste trabalho (Goff, 2014; Neves et al., 2017).

No caso das cetoses foi possível verificar que a maioria dos casos foram relativos a vacas a partir da 4ª gestação, apesar de também terem sido registados casos relativos a vacas de 1ª, 2ª e 3ª gestação, embora em minoria. As cetoses que entram para a amostra em estudo ocorreram, em média, em vacas com 3 gestações. Estes resultados permitem ir de encontro ao que já foi mencionado em estudos prévios: vacas multíparas são mais suscetíveis de desenvolver cetose pelo fato de terem maiores exigências nutricionais aliadas à elevada produção leiteira, mobilizando maiores quantidades de gordura corporal comparativamente a vacas primíparas (Reinhardt et al.,2011; Seifi et al., 2011; Ruprechter et al., 2018).

Na presente amostra, verificou-se que as restantes doenças não foram influenciadas pela paridade.

De notar que as acidoses registadas foram todas referentes a vacas multíparas, não indo de encontro com a hipótese colocada por outros autores: vacas primíparas têm possivelmente uma maior probabilidade de desenvolver acidose ruminal por apresentarem um menor desenvolvimento das papilas ruminais, estarem menos adaptadas a mudanças bruscas na alimentação e despenderem menos tempo para a ruminação, sendo as multíparas mais resistentes (Bowman et al., 2003; Penner et al., 2007; Humer et al., 2017), como já foi mencionado previamente neste trabalho.

Tempo pós-parto

Os casos de hipocalcemia registados ocorreram em média ao segundo dia pós-parto, sendo que a maioria dos casos foram registados ao primeiro dia pós-parto. Isto permite enfatizar a tendência da hipocalcemia em manifestar-se até ao terceiro dia pós-parto, o que vai de encontro com autores mencionados na revisão bibliográfica (Goff, 2014; Caixeta et al., 2015; Caixeta et al., 2017).

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As cetoses ocorreram, em média, aos 12 dias pós-parto. O total de cetoses encontradas foi dividido em dois grupos: a) cetoses que ocorreram entre os dias 2-15 pós-parto e b) cetoses que ocorreram entre os dias 15-30 pós-parto, notando-se que as cetoses concentraram-se maioritariamente nos primeiros 15 dias pós-parto, o que vai de encontro com o que já foi descrito por outros autores e referido anteriormente na revisão bibliográfica: há uma maior probabilidade da vaca desenvolver cetose nas primeiras duas semanas após o parto (Seifi et al., 2011; Ruprechter et al., 2018).

As acidoses ocorreram, em média, aos 14 dias pós-parto e os casos de hipocalcemia/ hipofosfatemia e hipocalcemia/ cetose ocorreram, em média, aos 3 dias pós-parto.

Esta amostra permitiu verificar que o aparecimento de algumas doenças metabólicas é dependente do tempo pós-parto, e que a hipocalcemia foi a doença que mais cedo se diagnosticou.

Recorrência das doenças:

Concluiu-se que em nenhuma das doenças metabólicas houve maior probabilidade estatística de recorrência comparativamente a qualquer uma das outras. No entanto, verificou- se que vacas que apresentaram mais do que uma doença, embora poucas, eram mais frequentemente recorrentes nessa doença, e que as vacas que apresentaram acidose nunca foram recorrentes na doença.

De uma forma geral, a tendência foi para a não recorrência da doença metabólica ao longo da vida reprodutiva da vaca. Isto pode dever-se ao fato de cada vez mais os produtores terem cuidados-extra e estarem mais instruídos no que toca ao maneio dos animais no pós- parto pois notou-se que, antes de pedirem assistência médico-veterinária, os produtores administram Ca por via intravenosa em vacas recém-paridas que já tinham experienciado hipocalcemia em partos anteriores, bem como soro glicosado em vacas que são recidivas em cetose, o que ajuda a explicar o porquê da tendência para a não recorrência das doenças metabólicas.

Maneio nutricional no período de transição:

Apesar de não ter sido encontrada uma associação estatisticamente significativa entre o maneio nutricional e a incidência de nenhum tipo de doença metabólica na amostra em estudo, pode-se notar que a dieta mais utilizada pelos produtores das vacas em estudo foi a

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dieta D, em que durante o período seco as vacas são alimentadas essencialmente por pastagem e silagem de milho como complemento, e o alimento concentrado apenas é introduzido no dia do parto.

Durante o período de transição a vaca está altamente suscetível de sofrer variações metabólicas (Smith e Risco, 2005) o que se torna crítico tendo em conta que esta é uma fase em que a vaca tem elevadas exigências nutricionais e energéticas para a síntese de colostro e leite, induzindo-a num BEN (Wankhade et al., 2017). Isto é agravado pelo fato de muitos produtores não investirem na alimentação das vacas secas e, quando se dá o parto, introduzem bruscamente e sem qualquer habituação prévia uma dieta altamente energética, isto é, com elevadas quantidades de concentrado. Como se pôde verificar, este tipo de maneio nutricional foi o mais observado na amostra em estudo, sugerindo que realmente aumenta a probabilidade de ocorreram distúrbios metabólicos após o parto.

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