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Discussão Geral

4. DISCUSSÃO GERAL

O cão é descrito como modelo natural ideal para o estudo do CaP em humanos, no entanto, na prática esse modelo é pouco utilizado. Dentre os principais fatores estão à distância entre as metodologias das pesquisas realizadas no homem e no cão. Na literatura humana há inúmeros estudos nas bases de dados internacionais, avaliando diversos marcadores prognósticos, preditivos e diagnósticos com diversas técnicas moleculares avançadas, enquanto para o CaP canino há um reduzido número de estudos, e estes avaliam somente marcadores diagnósticos isolados principalmente por técnicas de expressão proteica. Assim temos um grande número de informações sobre a doença no homem, enquanto no cão pouco se conhece.

Outro fator importante é o custo das pesquisas que utilizam o cão como modelo, devido ao ciclo de vida mais longo que camundongos e ratos. Assim há um custo maior na manutenção dos animais. No entanto, essas pesquisas utilizam os mesmos de forma experimental em laboratórios, o que elimina a fator ambiente no desenvolvimento das lesões prostáticas que apresenta grande importância na gênese tumoral. Considerando esse cenário, um modelo natural ideal estaria relacionado com cães da rotina clínico-cirurgica de hospitais veterinários vinculados a instituições de pesquisa e ensino. Utilizando assim animais da rotina clínica, mantidos com seus proprietários participando de estudos clínicos devidamente aprovados por comitês de ética.

O CaP canino é considerado raro pela literatura internacional, limitando assim o uso deste modelo. No entanto, o nosso grupo de pesquisa apresenta um alto índice de diagnósticos de CaP em amostras prostáticas caninas. Inicialmente consideramos a possibilidade de um erro diagnóstico ao considerar as amostras como carcinoma, no entanto, buscamos confirmar nossos diagnósticos com a ajuda de renomados patologistas humanos (Prof Dr. João Lauro e Prof Dr. Athanase Billis) que apresentam grande experiência em avaliação de amostras prostáticas humanas, além de associarmos o diagnóstico histopatológico com a avaliação imuno-histoquímica das amostras, obtendo uma acurácia maior nos diagnósticos. Outra conduta importante foi a realização da técnica de hibridização genômica comparativa (CGHarray), nas

amostras de próstata normal, HPB, PIA e CaP. Neste estudo encontramos um número quatro vezes maior de CNVs quando comparada a HPB e o CaP (Laufer-Amorim, 2011; Laufer-Amorim et al., 2012). Esses dados sustentam nossos diagnósticos, comprovando o número maior de perdas e ganhos gênicos nos CaP em relação a HPB. E o que torna os dados mais interessantes é o fato das alterações serem as mesmas relatadas para o CaP humano, reforçando a ideia do cão como modelo de estudo para alterações prostáticas caninas.

Com a confirmação destes diagnósticos, nossos dados discordam da literatura que relata o CaP como uma doença incomum em cães. Buscando uma justificativa para esse fato, dividimos o número total de amostras em grupos de acordo com a cidade de coleta e notamos que as amostras provenientes da cidade de Goiânia/GO, apresentam um número maior de carcinomas quando comparada as amostras coletadas nas cidades de Botucatu, Bauru e São Paulo. Foram coletadas próstatas de 96 cães no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) em Goiânia no mês de julho/2011 e dessas já avaliamos 60 amostras, onde encontramos 16 carcinomas (26% das amostras já avaliadas). Diante deste fato, consultamos a base de dados do INCA sobre o número de casos de CaP em humanos nas duas cidades e verificamos que Goiânia é a cidade brasileira com a maioria incidência de CaP em homens (Dados por 100 mil habitante) apresentando o dobro de casos que a cidade de São Paulo e apresentando três vezes mais casos que a cidade de Recife, cidade brasileira com menor número de casos. Segundo LA TORRE (2001) os países desenvolvidos apresentam uma maior incidência do CaP devido ao alto consumo de alimentos industrializados e com alto teor de gordura, e os dados de Goiânia se equiparam à vários países europeus, indicando assim uma maior incidência nessa cidade. Inicialmente esse grande número de casos diagnosticados foram creditados as campanhas de conscientização da população e ao uso do PSA na triagem dos pacientes, no entanto, esses fatores aumentariam o diagnóstico de tumores clinicamente localizados e menos agressivos, assim teria um aumento nas taxas de incidência e diminuição das taxas de mortalidade (pois se tratam de tumores menos agressivos). Fato este que não ocorreu, houve um aumento da incidência e proporcionalmente houve um aumento na mortalidade dos pacientes. Este fato

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sugere que na verdade houve um aumento no número de casos da doença não de diagnóstico precoce.

Rossignol et al. (2010) avaliaram tecido prostático de 22 cães na França e não obtiveram nenhum caso de PIN ou CaP em seu estudo, assim os autores concluíram que essas lesões seriam raras no cão. No entanto, o número de animais avaliados foi muito pequeno. Laufer-Amorim (2001), De Moura (2004), Di Santis (2006) realizaram estudos com tecido prostático canino de animais provenientes das cidades de Botucatu, Bauru e outras cidades da região centro-oeste paulista e descreveram uma incidência muito baixa para o CaP. Matsuzaki et al. (2009) realizaram estudo utilizando próstata de cães na cidade de São Paulo e não encontraram nenhum CaP, e descreveram uma baixa incidência para o PIN. Em contrapartida, Marcondes (2010), Faleiro (2010), e Fonseca-Alves et al. (2012) coletando amostras na cidade de Goiânia encontraram alta incidência para o CaP canino.

Assim, o cão poderia estar se comportando como um sentinela para o CaP na cidade de Goiânia, visto que comparando as incidências de outros tumores na população de Goiânia não evidencia-se essa discrepância de dados e para as outras cidades onde foram coletadas próstatas caninas e houve baixo quantidade de diagnósticos de CaPs a incidência no homem é menor que a média brasileira.

Após coleta do Material optamos por utilizar a técnica de TMA para agrupar as amostras e realizar um estudo mais homogêneo. Esta técnica é bem difundida e amplamente utilizada na Medicina humana, no entanto, na Medicina Veterinária é pouco explorada. Para selecionar a região de escolha para inclusão no TMA as amostras foram visibilizadas por três observadores em microscópio multicabeça e foram escolhidas as áreas mais representativas de cada lesão (HPB, PIA e CaP) além da inclusão de tecido prostático normal. Sempre que possível, as amostras foram inseridas em duplicata ou triplicata. Após confecção do bloco de TMA, realizou-se cortes do bloco em lâminas carregadas e a foi realizado HE da primeira e ultima lâmina provenientes do TMA para controle interno das lesões. Dentre as vantagens da técnica a economia de reagentes para imuno-histoquímica e a homogeneidade da reação são as principais vantagens. É possível evitar interferências externas

relacionadas ao manuseio de muitas amostras que provavelmente seriam processadas em dias diferentes.

Realizamos a avaliação da Expressão da proteína p63 na lâmina de TMA a fim de avaliar as células da camada basal nos CaPs, visto que em humanos os tumores prostáticos perdem a expressão desta proteína para que haja invasão do tecido adjacente normal. No entanto, ao avaliar a p63 em amostras prostáticas caninas, verificamos uma maior expressão de p63 nos CaPs e nas PIAs em relação a HPB e a próstata normal.

Na Medicina Veterinária o papel das células basais no desenvolvimento dos tumores prostáticos ainda é controverso, no entanto, os trabalhos que avaliaram as células da camada basal encontraram uma maior expressão da p63 em tumores em relação as amostras normais, assim esses autores sugerem que o CaP canino poderia surgir das células basais. No presente trabalho não estudamos a fundo a células basais, mas trata-se de um campo de pesquisa amplo, que apresenta poucos estudos realizados até hoje.

Para o presente trabalho optou-se por trabalhar diretamente com três marcadores: NKX3.1, C-MYC e E-caderina. O NKX3.1 é uma proteína supressora tumoral e sua expressão esta diretamente relacionada com o desenvolvimento embrionário e prostático, ou seja, nos tecidos adultos a expressão do NKX3.1 é exclusivamente prostática (GRIER et al., 2005). ZHANG et al., (2008) silenciou o RNA mensageiro para a proteína NKX3.1 em camundongo em diferentes fases da vida e posteriormente fez eutanásia dos animais e avaliação do tecido prostático. Esses animais apresentaram várias alterações do desenvolvimento prostático, principalmente atrofia e focos de PIN, e nenhuma próstata apresentou desenvolvimento normal, demonstrando que a perda isolada do NKX3.1 não foi suficiente para o desenvolvimento do CaP, no entanto, demonstrou que sua expressão é essencial para o desenvolvimento prostático.

Vários estudos em animais de laboratório e em amostras de tecido prostático humanos foram realizados avaliando a expressão gênica e proteica do NKX3.1 em amostras prostáticas, principalmente de carcinomas avançados, e ele correlaciona-se diretamente com agressividade, invasão e progressão do CaP. Em cães não há nenhum trabalho nas bases de dados internacionais que avaliou a expressão desta proteína na próstata de cães. Ou seja, pela primeira

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vez foi avaliado a expressão proteica do NKX3.1 em diferentes lesões prostáticas caninas, apresentando resultados surpreendentes. Assim como no homem, no cão há uma forte correlação entre a perda da expressão proteica do NKX3.1 e o desenvolvimento do CaP, onde 94,75% das amostras foram negativas para o NKX3.1, em contrapartida a próstata normal não apresentou perda expressão desta proteína e a HPB apresentou perda em apenas 18,50% das amostras.

Na literatura humana as alterações na expressão proteica do NKX3.1 são creditadas a metilação do DNA. Esse gene apresenta uma região promotora com uma vasta ilha CpG que esta hipermetilada na maioria dos CaPs humanos. Laufer-Amorim (2011) com técnica de CGHarray não encontrou ganhos ou perdas para o gene NKX3.1 e no presente trabalho encontramos uma perda da expressão significativa da expressão proteica, sugerindo assim outros mecanismos, como a metilação de DNA. Assim, como no homem, o cão também apresenta na região promotora do gene NKX3.1 uma vasta ilha CpG que é passiva de apresentar hipermetilação. Sugerimos assim que o possível mecanismo para de perda da expressão proteica do NKX3.1 seja pela metilação do gene. Como pesperctivas futuras pretendemos realizar a avaliação epigenética do gene para confirmar a presença da metilação gênica. Essa pesquisa aproximaria ainda mais o cão como modelo de estudo para afecções prostáticas humanas além de apresentar potencial translacional, já que a metilação de DNA é um processo reversível. Assim podemos iniciar um vasto campo de pesquisas em relação à próstata canina e novas terapias para o CaP.

A oncoproteína c-MYC relaciona-se diretamente com a proliferação celular e o aumento de sua expressão é descrito papel chave no desenvolvimento de diversas neoplasias humanas, dentre elas o CaP. Muitos trabalhos associam aumento de sua expressão na progressão tumoral (FRANK et al., 2001), desenvolvimento de metástases (FARIA & RABENHORST 2006) e resistência tumoral (MADY et al., 2001). Na Medicina Veterinária alteração do padrão de expressão proteica foi relatada somente em tumores mamários de cadelas (LIU et al., 2004).

Sato et al. (1999) fizeram a associação entre o aumento da expressão da proteína c-MYC com CaPs pouco diferenciados, andrógeno resistentes e

com o desenvolvimento de metástase em linfonodos regionais. Em alguns tumores essa proteína tem relação com o prognóstico dos pacientes, relacionando-se diretamente com o tempo de sobrevida, no entanto, essa associação não foi demonstrada no CaP. Nós encontramos uma relação direta entre o aumento da expressão da proteína c-MYC e o desenvolvimento da PIA e do CaP canino, demonstrando que há uma forte correlação do ganho desse oncogene no processo carcinogênico prostático. Diante das recentes descobertas no estudo do câncer, sabe-se que o ganho de um oncogene ou a perda de um supressor tumoral isoladamente não é suficiente para o desenvolvimento de uma neoplasia. O câncer é uma doença complexa que envolve várias perdas e ganhos gênicos. Atualmente nos CaPs humanos foi encontrada uma forte correlação entre a perda do NKX3.1 e o ganho do c- MYC. Alterações no padrão de expressão proteica dessas duas proteínas teriam papel chave no desenvolvimento do CaP humano.

Iawata et al. (2010) em pesquisa utilizando camundongo encontrou um interessante achado. Os autores conseguiram fazer a associação entre e c-Myc e o desenvolvimento de focos de PIN. Somente o ganho do oncogene c-Myc foi suficiente para desenvolvimento das lesões pré-neoplásicas, no entanto, não ocorreu a progressão para o CaP. No entanto, quando houve silenciamento do gene Nkx3.1, os focos de PIN provenientes do ganha do gene c-Myc, progrediram para o CaP. Assim os autores fizeram uma associação direta entre o ganho do c-Myc e a perda do Nkx3.1para o desenvolvimento do CaP.

Anderson et al. (2012) levantaram a hipótese de uma interação entre o C-MYC e NKX3.1, onde esses genes teriam alvos comuns, e que o desenvolvimento prostático normal dependeria de uma interação desses genes. Eles demonstraram que existe uma forte regulação do C-MYC pelo NKX3.1 e uma certa modulação do NKX3.1 pelo C-MYC. Assim os promotores do NKX3.1 poderiam inibir os sítios de ativação do C-MYC no complexo de iniciação, evitando assim a superexpressão gênica. Assim com o silenciamento do NKX3.1 poderia ocorrer um aumento da expressão do C-MYC.

Um achado interessante da nossa pesquisa foi a expressão de células basais e estromais para a proteína c-MYC. Observamos essa marcação nas amostras com PIA e CaP quando comparada as amostras normal e hiperplásicas.. Alguns autores (Leav et al., 2001) relatam que o CaP teria

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relação direta com as células basais, inclusive, o mesmo poderia ter origem da camada de células basais. Baseando-se nesses achados e nos resultados de avaliação proteica da proteína p63 que obtivemos, podemos sugerir que a o aumento da expressão da proteína c-MYC teria uma relação com a proliferação das células basais nas amostras com CaP.

A E-caderina é uma molécula de adesão que apresenta expressão em tecido epiteliais de vários órgãos. A perda da sua expressão é relatada em diversas neoplasias como carcinoma de pulmão, carcinoma gástrico, carcinoma de bexiga e carcinoma de próstata. No entanto, essa perda ocorrer em fases avançadas desses tumores, onde normalmente há presença de metástase. No presente estudo nós encontramos uma tendência da perda da expressão da E-caderina nos carcinomas em relação a PIA, HPB e próstata normal, no entanto, não houve diferença estatística significativa. Isso pode ter ocorrido porque os casos estudados, não eram casos avançados e provavelmente não houve perda da E-caderina em todas as amostras tumorais estudadas.

Nos CaPs em humanos há controvérsias em relação a perda da expressão da E-caderina e a progressão do CaP. Alguns autores autores encontraram correlação entre perda desta proteínas e progressão da doença e desenvolvimento de metástases (Umbas et al., 1994, e Rubin et al., 2001), enquanto outros não conseguiram realizar essa correlação (De Marzo et al., 1999; Kuczk et al., 1998). Isso possivelmente ocorreu devido as diferentes variáveis envolvidas em cada estudo como tumores clinicamente localizados, tumores hormônios independentes, tumores invasivos ou metastáticos. No nosso estudo a maioria das amostras era de tumores clinicamente localizados, portanto, pode-se tratar de neoplasias em estádios iniciais onde não ocorreu a perda da E-caderina.

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