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4. ANÁLISES E ENTREVISTAS

4.5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Depois de cerca de 30 anos, produzindo de forma desenfreada e sem que a sociedade se desse conta das consequências desse tipo de produção, é possível afirmar que a moda certamente está passando por mudanças. Se em 1990 as pautas ambientais começavam a ganhar o discurso da indústria da moda, mesmo como uma maneira de algumas marcas se destacarem no mercado, usando esse discurso como marketing, hoje essa pauta muitas vezes é um pré-requisito. Da mesma forma, as questões sociais relacionadas a essa indústria são muito recentes, as primeiras denúncias de trabalho escravo relacionado à moda no Brasil datam de 2010 com a loja Marisa e 2011 com a Zara, Collins e as lojas Pernambucanas (REPÓRTER BRASIL, 2012). Se no começo dos anos 2000 essas pautas não eram levantadas, a partir de 2013 começamos a ver uma preocupação surgir em grupos específicos da indústria da moda. Hoje, esse discurso perpassa essa camada

e entra em diversos ambientes, mas ainda estamos em um processo de transformação cultural.

Como visto anteriormente, a pesquisa realizada por Joergens (2006) que tentou identificar se a moda ética era um mito ou uma tendência do futuro, foi feita em uma época em que as mídias sociais não tinham tanta força quanto há hoje, e as informações a respeito de práticas e políticas no processo de produção de moda não era uma questão tão relevante.

Hoje, com iniciativas como o Fashion Revolution e Moda Livre, entre outras manifestações a respeito do assunto nas mídias sociais, percebemos que há um público preocupado, mas que em geral não procura saber sobre os processos de produção dos produtos de moda que consomem. Podemos afirmar que uma parte dos consumidores ainda não foi impactada por esse discurso. Mas devemos ressaltar a importância que as redes sociais trouxeram para a difusão das informações que envolvem a produção da moda e a interação entre marca e consumidor, e a possibilidade do surgimento de movimentos sociais na moda.

Apesar dessa constatação, pode-se considerar a importância que a mídia tradicional tem em causar impacto nas pessoas com a divulgação de notícias a respeito das más práticas das marcas, além disso, pode-se dizer que deve existir um esforço conjunto entre o uso da mídia tradicional e das redes sociais para aumentarem o alcance e frequência da difusão dessas informações.

Em relação ao uso de redes sociais, é pertinente notar que, em comparação com a Zara, por exemplo, o perfil global do Fashion Revolution tem muito menos seguidores, até a atual pesquisa eram cerca de 220 mil seguidores (figura 25), um número baixíssimo se compararmos com o perfil da Zara, cerca de 32 milhões. Apesar da data de criação do perfil da Zara e do Fashion Revolution ter sido bem próxima, ambas em outubro de 2013. Claramente a marca Zara tem maior poder de publicidade e propaganda, mas esse número também pode nos falar sobre o interesse dos consumidores, no consumo hedonista (CAMPBELL, 2001) e consumo transestético (LIPOVETSKY e SERROY, 2015) que está mais disposto a consumir do que se preocupar com a forma da produção da indústria da moda.

Figura 25- Perfil Fashion Revolution. Fonte: https://www.instagram.com/fash_rev/

Outra consideração a ser feita é que criou-se um inimigo único, onde a culpa dos problemas oriundos da indústria da moda acabam caindo nas marcas de fast fashion. Esse discurso é perigoso já que pode tirar o foco a repeito do processo de produção de marcas que não pertencem ao sistema fast fashion. Isso pode dar espaço para que marcas se utilizem de más práticas sem serem questionadas, como por exemplo, o caso da marca Animale, visto nesta pesquisa, que surpreendeu os consumidores com seu envolvimento com trabalho escravo, por ser considerada uma marca de luxo. Ter essa perspectiva é importante para que esses problemas não sejam ofuscados por discursos vazios das marcas. Um bom exemplo para essa questão foi o estudo feito pelo Fashion Revolution, chamado de "Índice de transparência da Moda Brasil", de 2018. Essa pesquisa mostra, segundo o relatório, uma análise de 20 marcas varejistas brasileiras.

Entre as marcas analisadas, estão as empresas de fast fashion estudadas nesta pesquisa, além de outras marcas que usam o mesmo sistema. Também aparecem marcas de luxo como a Animale. A pesquisa foi separada por índice de porcentagem, onde zero significa que a marca não divulga nada sobre suas políticas, ou divulga um número muito limitado. Como

a pesquisa não alcançou a marca de 100%, o maior resultado foi 60%. Isso significa que as marcas que chegaram a essa pontuação, divulgam uma "lista detalhada de fornecedores que incluem as confecções e instalações de processamento e beneficiamento." (Fashion Revolution, 2018).

O que observa-se nesse relatório é que marcas como C&A, Renner e Zara, estão à frente de muitas marcas consideradas de luxo. No caso da Animale, por exemplo, ela aparece posicionada na coluna do índice de 11- 20%, isso significa que a marca publica apenas algumas informações sobre suas políticas, enquanto isso a Renner aparece na coluna de 21-30%, a Zara aparece na coluna de 31-40% e a C&A se mostra a empresa de fast fashion mais transparente na atualidade, aparecendo na coluna de 51-60% (figura 26).

Figura 26- Resultado Índice de Transparência Brasil. Fonte: FASHION REVOLUTION, 2018, p.26

Essa observação é importante, ao passo que, foi visto no relatório do Pulse Survey, que as empresas de grande porte são as que possuem as ferramentas necessárias para conseguir mudar o cenário atual da indústria da moda. O índice de transparência também se mostra útil para os consumidores atentos as questões socioambientais, e pode ser mais um instrumento para difusão da informação, para que o consumidor cobre das marcas um posicionamento mais ético.

Sobre a pergunta da pesquisa se os consumidores utilizam as redes sociais para questionarem as marcas sobre pautas socioambientais, a resposta obtida é que no cotidiano, isso tem acontecido de forma muito

esporádica, mas existem picos de questionamentos quando notícias a respeito são divulgadas nas mídias tradicionais.

No entanto, essa não é uma perspectiva pessimista, visto que a transformação cultural é um processo demorado. Esse resultado mostra que ao longo dos anos obtivemos certa evolução na posição do consumidor, e que enquanto antigamente o consumidor não tinha muitos argumentos, por exemplo, hoje, com acesso a informação ele é capaz de se posicionar e argumentar.

Outra observação importante é que, os consumidores brasileiros parecem não estar familiarizados com os questionamentos socioambientais no cotidiano. Uma vez que, nas postagens mais recentes analisadas dos perfis das marcas C&A e Renner, de um total de 120 publicações, com um número de comentários que varia entre 30 a 100 dependendo da postagem (esse número pode diminuir ou aumentar muito, de acordo com a publicação, mas em média, as páginas mantêm essa estatística.), foram encontrados apenas dois comentários no perfil da C&A, um questionando a marca sobre um movimento ao qual ela faz parte e outro denunciando uma terceirizada.

Em relação à segunda pergunta, se os consumidores ao questionar as marcas, poderiam causar mudanças no seu processo de produção, percebe- se que o consumidor tem sim poder ao pressionar marcas. Como visto no exemplo dos produtos retirados de circulação quando abordaram temas polêmicos como o uniforme do holocausto, da Zara, e no caso da Renner sobre estampa com frase machista e a estampa com a imagem da Santa. Apesar de perceber esse poder do consumidor quando pressiona a marca nas redes sociais, as manifestações em relação às questões socioambientais não são tão intensas e frequentes a ponto de fazer com que as marcas mudem seus processos de produção, mas podemos afirmar que caso a pressão por parte do consumidor aumente, talvez obtenha-se sucesso.

Por esse motivo, podemos afirmar que os movimentos sociais online são extremamente relevantes para o processo de transformação. Castells (2017) acredita que o uso das redes sociais é uma importante ferramenta de transformação social, ele afirma que:

[...] a única questão relevante para se avaliar o significado de um movimento social é a produtividade histórica e social de sua prática e seu efeito sobre os participantes como pessoas e sobre a sociedade que ele tentou transformar. Nesse sentido, é muito cedo para avaliar o resultado final desses movimentos, embora já possamos dizer que regimes mudaram, instituições foram desafiadas e a crença no capitalismo financeiro global triunfante foi abalada [...] o legado de um movimento social consiste na mudança cultural que produziu com sua ação.

(CASTELLS, 2017, p.266)

Cardoso (2016, p.35) observa que "quando se compreende a lógica segundo a qual as formas são constituídas, compreende-se também que elas são passíveis de mudança e de adquirirem novos significados". Podemos considerar que, os movimentos sobre conscientização a respeito dos processos de produção da indústria da moda, tem tido impacto em transformações sociais, ainda que de forma lenta. Mas certamente veem contribuindo para uma nova percepção em relação às práticas de consumo, e aos processos que envolvem a fabricação dos bens materiais e talvez, estes venham a ter novos formatos e novos significados.

Lipovetsky e Serroy (2015, p. 281) afirmam que "começamos a assistir ao fim da era do hiperconsumo devorador de energia não renovável e poluidor, mas não do hedonismo consumista". Eles afirmam que o fim da cultura de consumo constitui um mito, mas não descartam as transformações culturais do consumo, eles observam que "comportamentos evoluem e eles integram a si as exigências ecológicas", portanto, podemos afirmar que mudanças culturais para um consumo que respeite as questões socioambientais, podem sim surgir na nossa sociedade.