• Nenhum resultado encontrado

Discussão dos resultados

No documento TD Ana Garrett (páginas 142-147)

PARTE II: ESTUDO EMPÍRICO

3. Momento I: Caracterização dos participantes 1 Instrumento: Questionário

3.3. Discussão dos resultados

No nosso estudo verificámos que os resultados relativamente à etiologia da lesão vérte- bro-medular não apresentam disparidade em relação à bibliografia consultada (M. Wyndaele & J. Wyndaele, 2006; Anderson et al., 2007). A média de idades encontrada vai, igualmente, ao encontro dos valores comummente apurados por estes autores.

Em termos de nível, tipo e extensão da lesão, os dados encontrados nesta população enquadram-se nas revisões bibliográficas elaboradas por Wyndaele & Wyndaele (2006) e o género masculino predomina. Alguns autores explicam este fenómeno pelo maior grau de exposição ao risco que os homens possuem, sobretudo quando são jovens, au- mentando a probabilidade de dano físico (Ackery, Tator, Krassioukov, 2004; Campos et al, 2008).

Tepper (1992), Fisher et al (2002) e Ostrander (2009) concordam que apesar do tempo de “luto sexual” se mostrar algo indefinido, é recomendado um período de cerca de 6 meses para dar início à reabilitação da sexualidade junto destes doentes. No entanto, os resultados que obtivemos demonstram que o tempo que medeia entre a ocorrência da lesão e a primeira reflexão acerca da sexualidade situa-se nos primeiros 3 meses. O mesmo tempo é identificado para a primeira experiência de carácter sexual após lesão.

Os resultados que obtivemos acerca da capacidade orgásmica podem conduzir-nos à matriz de resultados apresentada por Mah e Binik (2005), que suporta a primazia da hipótese de que os factores envolvidos num orgasmo são maioritariamente de ordem subjectiva, estando bastante mais relacionados com características cognitivas do que

propriamente com características sensitivas. Kreuter et al. (1996) e Sakellariou (2006) consideram, de igual modo, que a ocorrência de satisfação sexual implica maior número de correlações com factores psicológicos do que com fisiológicos.

Todavia, apesar de determinados autores sugerirem que, no caso dos lesionados medula- res, a possibilidade da área sensitiva responsável pela ocorrência do orgasmo poder es- tar danificada ser de assinalar, as características cognitivas que poderiam conduzir ao prazer subjectivo também não se encontram presentes neste grupo estudado, provavel- mente devido ao impacto que a lesão poderá ter tido em termos psicológicos.

Para Bong & Rovner (2007) a estimulação mental e a exploração de zonas potencial- mente erógenas que não foram comprometidas pela lesão podem causar alterações psi- cofisiológicas relevantes. Estas reacções estão descritas em ambos os sexos. As recor- dações positivas relativamente à vida sexual prévia à lesão, podem ajudar no aumento da motivação para restabelecer as suas anteriores práticas, sobretudo quando se recorre à exploração de alternativas compensatórias (Kreuter et al., 2008). Assim, suspeita-se que a ausência de sensibilidade na área genital pode ser substituída pela exploração e descoberta de novas áreas erógenas, mapeadas para o efeito (Sakellariou, 2006).

Relativamente às orientações/informações prestadas aos sujeitos acerca da sua vida se- xual, sabe-se que, na maior parte das vezes, a prioridade inicial de um programa de rea- bilitação centra-se nas competências motoras, procurando obter um bem-estar físico, cognitivo e emocional, articulado com as áreas ocupacionais, desportivas e de lazer em geral. Temas como o amor romântico, a intimidade e a sexualidade, raramente são abor- dados (S. Esmail et al., 2002). Na nossa amostra, quando questionados se conversaram com alguém no período pós-lesão acerca de questões de ordem sexual, nomeadamente sobre dificuldades e/ou esclarecimento de dúvidas, 60% dos doentes responderam posi- tivamente, enquanto 40% assumem que nunca o fizeram. Esta questão referia-se, tanto ao facto dos sujeitos terem sido abordados por alguém nesse sentido, como à possibili- dade da iniciativa ter partido da sua parte.

imunes, atribuindo à pessoa com deficiência a condição de indivíduos assexuados, ne- gligenciando as suas expressões de sexualidade como promotoras do auto-conceito e da auto-estima (Milligan & Neufeldt, 2001).

É aceite que na fase inicial após a lesão haja um período que se poderia denominar de assexualidade (A. Alves et al., 1999). No entanto, durante o período de reabilitação sur- ge a redescoberta sexual, pelo que as informações e orientações podem constituir um contributo importante para a obtenção de resultados positivos em todo o processo de recuperação (Fisher et al., 2002; Garrett, Martins & Teixeira, 2009).

As décadas de 70 e 80 são profícuas em publicações que nos remetem para o estado da arte, bem como de propostas de estratégias a implementar, nomeadamente programas educacionais junto das equipas multidisciplinares, com o objectivo de incentivar os pro- fissionais a abordar a vida sexual do doente com lesão medular ainda durante o período de internamento, promovendo a sua reabilitação holística (Anderson e Cole, 1975; Brockway et al., 1975; Miller, 1988; Evans, Haler, DeFreece & Larsen, 1976; Braak- man, Orbaan & Dishoeck, 1976; Schuler, 1982; Novak & Mitchell, 1988; Spica, 1989).

Após este período de produção científica, algum vazio é encontrado na literatura, não havendo informação de que os referidos programas estejam a ser implementados, nem da avaliação da sua eficácia. Em Portugal, apesar dos profissionais de saúde, sobretudo os médicos, transmitirem a ideia de que conversam com estes doentes sobre a sua nova situação sexual, esse facto não é evidenciado nas publicações existentes. O mesmo se passa para outros grupos de profissionais de saúde que compõem as equipas multidisci- plinares.

A vida sexual e a sexualidade individual são assuntos da esfera privada, habitualmente partilhados com pessoas afins. Abordar esta temática com terceiros é, normalmente, fonte de inibição, inclusive para os profissionais de saúde, mesmo quando integrada num contexto clínico (Milligran & Neufeldt, 2001). No presente caso, 40% dos indiví- duos inquiridos nunca abordaram questões sobre a sua sexualidade após a ocorrência da lesão medular.

Publicações encontradas sugerem que, pela dificuldade em abordar o assunto com ou- tras pessoas, os doentes com lesão medular utilizam a internet como meio de procura de informações, porém assumem que teriam preferência em ver estas dúvidas esclarecidas por profissionais especialistas na matéria (Matter, Feinberg, Schomer, Harniss & Brown, 2009). Outros autores aconselham, ainda, a que se identifiquem os obstáculos que impedem o acesso a especialistas e que, a partir dessa identificação, se proponham soluções a implementar, já que os doentes revelam interesse na informação durante o período de internamento, até mesmo durante a fase aguda (Miller, 1988; S. Esmail et al., 2002; Booth et al., 2003; Garrett et al., 2009).

Na nossa casuística salienta-se que, dos indivíduos que abordaram o tema, 31,4% fê-lo com o seu médico assistente e apenas 5,8% com outros elementos da equipa de reabili- tação. No caso dos sujeitos que referem ter sido o médico o elemento com quem estabe- leceram diálogo acerca de questões sexuais, não ficou esclarecido se foram diversos médicos ou os mesmos médicos em diversas circunstâncias, com sujeitos distintos. Em- bora alguns autores refiram que a reabilitação de doentes com lesão medular, deve ocu- par-se precocemente da sua reeducação sexual, por meio de equipas multidisciplinares (Spica, 1989; Novak & Mitchell, 1988; Evans, Halar, DeFreece & Larsen, 1976; Booth et al., 2003; S. Esmail et al., 2002; M. Alexander & C. Alexander, 2007), constata-se o afastamento dos profissionais de saúde desta problemática. Pentland et al. (2002) refe- rem que, sobretudo as mulheres com lesão medular são, frequentemente, ignoradas do ponto de vista sexual, já que reportam sentimentos de isolamento e de falta de suporte no campo dos relacionamentos e da sua vida sexual. Para estes autores, as queixas apre- sentadas pelas mulheres dirigem-se à percepção de que os homens são o maior objecto de estudo neste campo e que as únicas informações disponíveis para mulheres prendem- se com a procriação.

O comportamento de evitamento que transparece nas explicações vagas e no negligen- ciar de práticas e orientações concretas, que possam melhorar a vida sexual dos indiví- duos com lesão medular, resulta da falta de formação e de treino específico, de descon- forto perante o assunto, falta de tempo, atitudes e crenças pessoais (Herson, Hart, Gor- don & Rintala, 1999; Sakellariou, 2006; Booth et al., 2003; M. Alexander & C. Alexan-

desempenhar (S. Esmail et al., 2002), enquanto outros apontam alguma insensibilidade quanto às necessidades dos utentes (Low & Zubir, 2000).

Este conjunto de razões pode estar dependente de pressupostos que admitem que esta problemática não deve ser abordada no período de internamento inicial, apesar de na nossa amostra, 80% dos indivíduos terem assumido que pensaram na sua vida sexual nos primeiros 3 meses após a lesão. No entanto, no seu conjunto, o alheamento dos pro- fissionais de saúde da problemática da reeducação sexual dos doentes com lesão medu- lar, pode resultar da inexistência de um trabalho de equipa organizado e estruturado para este fim. A insegurança quanto aos conhecimentos e quanto ao papel de cada um, pode- ria ser ultrapassada com a implementação de equipas multidisciplinares de reeducação e reabilitação da vida sexual e da sexualidade, integradas num programa holístico de in- tervenção.

Apesar das propostas de intervenção veiculadas pelas comunicações científicas dos anos 70 e 80, a literatura recente continua a apontar lacunas, quer da abordagem inicial junto do doente, quer de programas de informação/educação junto dos profissionais de saúde.

Como já foi demonstrado anteriormente, os modelos de intervenção multidisciplinar referem estratégias baseadas na educação (informação específica de anatomia e fisiolo- gia da função sexual), na facilidade de comunicação e na prescrição de recursos (meios terapêuticos). A fertilidade, a gravidez, a contracepção e a menopausa completam a in- formação a fornecer (Pentland et al., 2002; Jackson, 2001). Assim sendo, a utilização de modelos de intervenção parece útil como método de abordagem e de educação, propor- cionando conforto ao profissional de saúde, que poderá apoiar-se em instrumentos que confiram espaço e permissão ao doente para ver esclarecidas as suas dúvidas para uma vida sexual compatível com a sua nova situação.

O melhor conhecimento das inibições, das suas causas e, fundamentalmente, da forma como estes sujeitos experienciam a sua sexualidade após um evento desta natureza, po- derá ser apurado através da avaliação qualitativa das percepções existentes. Esta avalia- ção suportará a implementação de aspectos interventivos na reeducação da vida sexual dos doentes com lesão medular.

4. Momento II: Vivência da sexualidade após life-event traumático

No documento TD Ana Garrett (páginas 142-147)