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6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS A PARTIR DA PRIMEIRA

Os resultados aqui apresentados e discutidos foram decorrentes da análise de conteúdo das falas transcritas nos três momentos referentes à primeira etapa do curso. A natureza dos dados gerados propiciou uma análise com características mais qualitativas, diferentemente dos traços marcantemente quantitativos explícitos nos resultados do questionário prévio. Além disso, notamos uma baixa participação dos alunos nessa etapa inicial, que reduz bastante o universo amostral para uma interpretação estatística adequada. As relações discursivas dialógicas presentes na etapa inicial do curso foram transcritas, gerando textos escritos. No entanto, a natureza de um texto escrito a partir de uma transcrição de falas é bem diferente de um texto escrito diretamente pelo emissor. Dessa forma, mesmo que focalizamos nossa análise, por questões práticas, no corpus de um texto transcrito, temos que considerar a natureza do texto que o originou, ou seja, o discurso oral. A partir das falas transcritas notamos iminentemente três parâmetros passíveis de análise: i)

87 concepção estoquista de energia; ii) tendência em se estabelecer conversões entre massa e energia; iii) compartimentalização disciplinar do conceito de energia e iiii) identificação dos aspectos de conservação, transformação, transferência e dissipação da energia nos processos envolvidos no contexto energético da alimentação.

Notamos uma forte visão de energia estocada, categoria descrita por Drive et

al., (1994). A visão de energia estocada presente nas falas dos alunos pode gerar

prejuízos na compreensão da formação de ligações químicas com um abaixamento energético e a clivagem das mesmas como um processo de aumento energético do sistema. Pensando em energia estocada em uma ligação química, seria natural atribuir uma proposição de liberação de energia quando a ligação é clivada, já que a energia estava estocada na ligação. No entanto, o inverso é o que ocorre. O processo de clivagem de uma ligação química demanda energia, sendo, portanto, endergônico. Essa visão de energia estocada é favorecida e aceitável em enunciados do dia a dia, como dizer que determinado alimento é muito energético. No entanto, essa visão transcende o limite do senso comum, se transpondo para a interpretação de processos científicos como o fluxo de energia no corpo humano, intermediados por moléculas de ATP. A concepção de energia estocada também permite um diálogo com outra interpretação identificada nas falas transcritas, a inter conversão de matéria e energia. Existe uma relação massa e energia, como apontado por Chen et al., (2014), mas não uma relação de Inter conversão, relação essa que é comum nos processos de reações nucleares. A relação reportada por Chen et al., (2014) se refere ao intermédio da matéria nos processos em que ocorrem o fluxo de energia, por exemplo, na oxidação dos nutrientes, seja em um calorímetro ou no metabolismo. Sob esse prisma, o fluxo de energia ocorre via transformações de moléculas reduzidas (nutrientes) até moléculas oxidadas (produtos metabólicos e de combustão). O processo de transformação dessas moléculas ocorre via um abaixamento energético, decorrente da formação de ligações químicas mais estáveis, sendo responsáveis pelo fluxo de energia que impulsiona processos endergônicos, como a síntese do ATP, um outro exemplo de processo de trânsito energético proporcionado pela intermediação da matéria. Mesmo que na atividade desenvolvida no momento 3 dessa parte do trabalho analisada, tentamos favorecer essa visão do fluxo de energia como um processo intermediado pela matéria, em que o oxigênio desempenha um papel

88 fundamental, notamos que a visão estoquista de energia ainda persistiu, sendo identificada em falas que se referem ao ATP como molécula portadora de energia.

Notamos indícios de compartimentalização ou modulação disciplinar do conceito de energia (Araújo e Nonenmacher, 2009; Optiz et al., 2017), na fala de um aluno, quando explica a situação sob um ponto de vista da química, utilizando o termo “quimicamente falando...”. Dentro do contexto dessa fala, esse termo pode ser interpretado como um artifício limitador, ficando implicitamente entendido que no compartimento da Química as “coisas” funcionam de tal forma, ou a energia se manifesta de tal forma, não garantindo que sob o prisma de outra disciplina o mesmo ocorreria. Um comportamento observado durante o desenvolvimento da primeira etapa do curso e anotado no diário de campo foi a baixa participação dos professores de Química, talvez devido a insegurança de manifestarem suas opiniões relacionadas a um contexto tradicionalmente mais enfatizado na Biologia, a alimentação.

Em algumas falas foi possível observar que os participantes não apresentavam dificuldades em identificar o aspecto dissipativo da energia, como mostrado pelo questionário prévio. Sobre a conservação da energia notamos uma dificuldade dos alunos em estabelecerem um parâmetro espacial no qual a energia se conserva. Pelo comportamento dos alunos durante as discussões das transformações de energia dentro do calorímetro, percebemos que a dúvida sobre a conservação da energia, era a qual região se referia quando perguntados se a energia era conservada. Se ela se é conservada dentro do sistema, do lado de fora do sistema ou na soma das duas regiões. Esse revés foi notavelmente contornado quando pontuamos adequadamente os conceitos de vizinhança, universo e sistemas abertos, fechados e isolados. Feitas essas considerações conceituais, foi explicitamente perceptível que a maior parte dos alunos compreendeu que a energia se conserva em um âmbito universal.

6.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS A PARTIR DA SEGUNDA