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6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS A PARTIR DA SEGUNDA

A segunda seção do trabalho permitiu uma coleta substancial de dados, tanto na forma dos discursos extraídos dos áudios, como a proporcionada pelos questionários. Dessa forma, concentraremos nossa análise mais nos dados gerados pelos questionários, pois compreendemos que na forma escrita os alunos podem se

89 sentir menos pressionados, de maneira a possibilitar que expressem suas ideias mais livremente. No entanto, destacamos alguns pontos relevantes emergentes do conteúdo gravado em áudio. É notório no teor de muitas falas, matizes de uma compreensão disciplinar de determinados processos. Como por exemplo, em uma das falas de P8 e P3 que dizem:

Fisicamente falando, se fosse alguém da física explicando, ele explicaria com base na gravidade e não pelo abaixamento de energia (P8).

...se eu pensar no caráter biológico e bioquímico envolvido nesses processos intermediários, eu não saberia dizer se seriam espontâneos (P3).

Nas duas falas podemos notar a presença de expressões (sublinhadas nas falas), que condicionam disciplinarmente o contexto das explicações. Confirmando uma tendência em modular o entendimento dos processos energéticos em âmbitos disciplinares, como se existissem “energias” diferentes em cada disciplina, como salientado por Optiz et al., (2017). A discriminação da interpretação das manifestações da energia em âmbitos disciplinares distintos pode dificultar uma compreensão universal das Leis da Termodinâmica que regem as transformações da energia, dificultando uma relação positiva entre aproximação dos limites disciplinares e abordagem sólida de conceitos integradores, de acordo com a hipótese mostrada na Figura 3. Além disso, a compreensão disciplinar evidenciada nas falas muitas vezes vem acompanhada de um entendimento diferenciado também de outros processos, como destacado no trecho a seguir:

Em uma reação química você tem que ter um mínimo de energia para acontecer, e dentro do organismo como essas reações acontecem? (P8)

Na fala destacada fica implicitamente entendido que uma mesma reação química apresenta diferentes interpretações dependendo do contexto que ela ocorre. Martins (2012) destaca que é comum discriminar também as características das biomoléculas, somente por elas estarem presentes em organismos vivos. Apesar de que na fala destacada não há referência explicita a uma determinada molécula, existem traços de uma interpretação distinta entre uma mesma reação ocorrendo in

vivo e in vitro. O primeiro termo sublinhado na fala, da ideia de condicionamento em

um ambiente fora de um organismo, ao passo que o segundo termo sublinhado, condicionada o mesmo processo a um contexto dentro de um organismo vivo. A ideia

90 de diferenciação do processo nas duas condições estabelecidas na fala foi evidenciada com o próprio questionamento proposto pelo aluno. Ainda em relação a possível compartimentalização disciplinar, notamos uma participação relativamente maior dos professores de Química nos diálogos estabelecidos em sala de aula. Uma explicação hipotética para esse dado observado, é que nessa seção, a energia livre de Gibbs, conceito tradicionalmente tratado na Química, foi muito discutido, portanto os professores de Química provavelmente ficaram mais seguros em expressarem suas ideias. À medida que o desenvolvimento da aula foi abarcando discussões relativas ao metabolismo mais especificamente, tema tradicionalmente abordado na Biologia, a participação dos professores de Biologia foi aumentando progressivamente. Essa polarização notada na aula vai ao encontro da proposta de Gebara (2009), de que a segurança do professor em relação a determinado conceito é um fator que influência o tipo de abordagem escolhida por ele em suas aulas. De modo que, professores inseguros conceitualmente em relação a determinados temas, mesmo que cientes dos benefícios de uma abordagem dialógica acabam escolhendo uma aula mais expositiva e tradicional, de maneira a evitar questionamentos dos alunos, os quais ele possivelmente não seria capaz de discutir A partir disso, entendemos que propostas de ensino que abarquem múltiplas disciplinas, requerem uma visão integrada entre as disciplinas por parte dos professores, como almejado por nosso curso. Em decorrência da perspectiva dialógica presente no curso, notamos a possibilidade de gerar hipóteses muito ricas e consistentes para explicações que não foram identificadas na literatura. Uma dessas hipóteses foi a explicação dos alunos em relação à Entalpia ser usada como grandeza para expressar o valor energético dos alimentos em detrimento a energia livre de Gibbs, que funcionalmente seria a escolha mais adequada. Durante o planejamento dessa parte do curso, buscamos em diversas fontes uma boa explicação para essa escolha da Entalpia, além de busca na literatura, conversamos com dois professores de Nutrição e um de Ciência e Tecnologia de Alimentos, que não souberam explicar a escolha da Entalpia e não da energia livre de Gibbs como grandeza para expressar os valores energéticos dos alimentos nos rótulos. Além dessa hipótese proposta pelos alunos, destacamos alguns questionamentos inusitados emergentes no desenvolvimento dessa seção analisada. Um dos participantes em conversa informal me questionou sobre a possibilidade de usarmos pílulas de ATP em nossa alimentação, já que todo processo

91 do metabolismo energético é intermediado por essa molécula. Além disso, durante a aula um aluno fez menção aos processos de combustão espontâneos de organismos vivos. Como não abarcamos hipóteses para responder esses dois questionamentos durante o curso, compilamos esses questionamentos e outros semelhantes, como questões que foram contempladas no conteúdo do Livro que produzimos.

No que se refere ao questionário 2 (Apêndice I), obtivemos como resultado principal, a capacidade dos alunos compreenderem a liberação de energia envolvida na dissociação da molécula de ATP em ADP e fosfato, em meio aquoso, como um processo, que pode ser entendido como a soma de duas etapas, uma endergônica (clivagem da ligação ADP-P) e solvatação do ADP e P em água, processo suficientemente exergônico para compensar o saldo energético positivo da clivagem das ligações ADP-P. Aproximadamente 91% dos alunos apresentaram respostas com teores semelhantes ao descrito acima, como representado em uma das explicações expressas por um dos alunos:

Figura 16: Explicação proposta por um aluno em relação a liberação de energia no processo de hidrólise do ATP.

Fonte: Autores.

Como essa questão foi proposta antes das discussões da hidrólise do ATP como um processo, compreendemos que esse resultado pode evidenciar uma mudança de entendimento dos participantes, em função da atividade desenvolvida no

92 momento 3 da primeira etapa do curso. Já que a visão de energia liberada decorrente da “quebra” de ligações químicas, que supostamente se apresentaria como esperada, baseado nos resultados de Martins (2012), foi refutada anteriormente na seção inicial do curso. No entanto, não temos condições de afirmar com certeza que o resultado observado ocorreu de fato em função do curso. A compreensão adequada dos aspectos energéticos na hidrólise do ATP, pode contribuir para uma desconstrução da concepção de características distintas entre reações químicas in vitro e in vivo, já que a explicação da hidrólise do ATP não é modulada por nenhuma condição restrita ao ambiente celular. Logo, esse entendimento correto também pode contribuir indiretamente para uma homogeneidade do entendimento de reações químicas, sejam em ambientes in vivo ou in vitro, aproximando dessa forma, o limite disciplinar conceitual da Química e Biologia.

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