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Relativamente aos professores, este estudo buscou inicialmente identificar as preocupações práticas e as decisões legitimadas de ensino, o comportamento referente ao contexto das aulas e traçar o perfil descritivo.

1.1. PREOCUPAÇÕES PRÁTICAS

Os resultados encontrados na análise geral das preocupações basearam-se na teoria de Fuller (1969) que descreve três categorias de preocupações pedagógicas: as preocupações com o próprio, que refere a sobrevivência do professor na carreira; as preocupações com a atividade, relacionadas às tarefas de ensino do professor; e as preocupações com o impacto, que refere a resultante do ensino na vida dos alunos.

Nesta investigação os resultados demonstraram que a maioria dos professores concentrava suas preocupações de ensino sobre o impacto da ação, convergindo com os estudos de Loch et al. (2005), Matos, et al. (1991) e Shigunov, Farias e Nascimento (2002) em que a dimensão impacto sobressaiu sobre as dimensões com o próprio e a atividade. As questões relativas às preocupações práticas (e.g., com o próprio, na fala do P2: o desinteresse dos alunos pode ser o aspecto mais crítico; com a atividade na fala do P3; a adaptação das meninas aos movimentos propostos na aula; e com o impacto na fala do P1, o conteúdo sobre a prática de exercícios teve a intenção do aluno perceber uma possível atividade fora da escola) impactavam no cotidiano dos professores, precisando que fosse entendida em busca de soluções frente aos desafios que enfrentam na ação pedagógica. O perfil apresentado pelos professores nas preocupações com o impacto registrava associações diretas com o caráter de diferenciação pedagógica, identificando que professores mais preocupados com o impacto da ação revelam maior especificidade na fase prévia e melhores indicadores de comportamento na fase

interativa de ensino, onde variáveis associadas às preocupações sobre o impacto mostravam indicadores mais positivos de desempenho docente, principalmente nos fatores mais ligados à promoção da participação dos alunos nas atividades de aprendizagem (Januário, 1996). Há de se referir que particularmente nas escolas públicas (caso das escolas pesquisadas), os professores levam em consideração a realidade sociocultural dos alunos. Este aspecto conduz o professor à responsabilidade em conhecer e transformar a realidade local, agindo sobre os fatores de risco, conhecendo as necessidades sociais e emocionais e identificando os alunos que necessitam de uma intervenção pedagógica diferenciada para a aprendizagem.

No estudo, a diferenciação pedagógica foi identificada nas aulas do P1 da escola experimental, que apresentou maior incidência nas preocupações práticas sobre o impacto tanto na pré quanto na pós-aula. O P1 utilizava estratégias diversas, inclusive coação sobre os alunos, para que estes participassem ativamente das aulas. Dentre as diversas ações empreendidas pelo P1 como: autoridade, disciplina, comunicação, organização e progressão dos conteúdos, se destacaram a motivação do professor no desenvolvimento das aulas e incentivo à participação dos alunos como elemento diferenciador do desempenho docente. Os professores P2, P3 e P4 também apresentaram preocupações com o impacto, sendo o P2 na pré-aula e P3 e P4 na pós- aula. Relativo ao P2, suas preocupações de impacto estavam em parte relacionadas ao resultado das aulas no que referia à participação e aceitação, não havendo relação clara quanto às preocupações com o desenvolvimento dos alunos. O P2 se mostrava acomodado em sua atuação e seguia o plano anual de conteúdos burocraticamente. Desde o princípio identificava problemas que poderia ocorrer no contexto da aula, mas permanecia com as mesmas estratégias e ao final das aulas justificava que tinha percebido o problema. O P2, por ser pouco participativo nas aulas, tinha baixa interação com os alunos, onde por vezes presenciamos estes se retirando da quadra para sentarem- se nas arquibancadas. Não havia motivação por parte do professor, o que pode ter feito com que os alunos diminuísse a participação na aula. Há uma constatação na literatura que o clima motivacional percebido pelos alunos nas aulas de Educação Física facilita a motivação intrínseca (Papaioannou, Tsigilis, Kosmidou, & Milosis, 2007). Desse modo, o trabalho dos professores para motivar os alunos deverá ir além da escola, pelas características do ambiente social. O P3, por sua vez, relacionava as preocupações de impacto do ensino com a falta de vestimenta adequada, ficando em segundo plano se o resultado de sua ação incidia mais tarde na vida dos alunos. Esse professor, manifestou

ter pouco entusiasmo com a docência. Mostrava em discurso, uma competência que não se confirmava na prática, onde ignorava o plano anual de conteúdos. A situação relacionada à vestimenta era repetida em todos os encontros como aspecto capaz de prejudicar a participação e o desenvolvimento das atividades. Por fim, o P4 apresentava uma aula percebida por este como ideal e reconhecia que não alcançava os objetivos propostos, mesmo assim, era um professor que na teoria demonstrava estar preocupado com o impacto do ensino fora da escola. No entanto, as aulas práticas revelavam um excesso de improviso e desconexão com o plano anual de conteúdos, sendo identificado que as suas preocupações com o impacto, centrava-se no discurso que geralmente utilizava ao final de cada aula, não sendo possível perceber durante a investigação a eficiência nem a estratégia utilizada para conseguir alcançar os objetivos propostos.

1.2. DECISÕES LEGITIMADAS DE ENSINO

Relativamente às decisões legitimadas de ensino, os professores P3 e P4 tomaram suas decisões amparadas no planejamento pré e pós-aula. Estes professores utilizaram na entrevista um discurso com conotação enquadrada nas decisões tomadas pelo planejamento que caracteriza dependência (Januário, 1996), enquanto na prática, constatamos que os professores P3 e P4 não planejavam as aulas ou seguiam o plano de conteúdos, ou seja, não havia ajustamento às condições de contexto. Porém, os professores da escola experimental P1 e P2 que também tomaram decisões práticas pelo planejamento em uma das fases do ensino, fizeram uso do plano de conteúdos como fonte de legitimação em conformidade com o que aplicavam na prática, seguindo fielmente o documento nos pressupostos e condições de contexto. Esses resultados com base no planejamento como legitimador das decisões, na teoria se associavam ao estudo de Januário (1996). Importa referir que as decisões legitimadas pela experiência também fizeram parte das decisões do P1 e P2. Esta opção confirmou a característica identificada nestes dois professores, que por vezes relataram que decidiram por meio da experiência, principalmente em episódios de indisciplina e convencimento à participação dos alunos. No contexto das aulas cabe destaque a baixa capacidade de decisão do P2 no que refere a problemas como a pouca participação e desistência das adolescentes nas aulas, que o mesmo identificava com antecedência, constatava o problema na interação com as adolescentes e permanecia com as mesmas estratégias. O

P2 não tomava decisão didática que proporcionasse melhor qualidade no ensino e aprendizagem durante as aulas, tampouco imprimia ação as adolescentes que desistiam de participar das aulas. Ao final, relatava que o problema da pouca participação havia se confirmado e justificava que a aula era monótona, desestimulando a turma. Desde as preocupações iniciais, P3 previa dificuldades com a vestimenta das adolescentes para a realização da aula, não tomava decisão a este respeito e ao final justificava que, caso as adolescentes aderisse às vestimentas adequadas o resultado poderia ser melhor. Ressaltamos que durante as observações das aulas em nenhum momento identificamos o P3 em discussão com as adolescentes a respeito de vestimenta.

1.3. COMPORTAMENTO DOS PROFESSORES NO CONTEXTO DAS AULAS

No que se refere ao comportamento dos professores no contexto das aulas, antes da aplicação do programa de intervenção constatamos que tanto a escola experimental como a controle tiveram a maior parte do tempo de aula dedicado à organização e instrução, com reduzido tempo para o desenvolvimento da aprendizagem das adolescentes. O resultado dessa ação, é que, os professores utilizaram o tempo que deveria ser dedicado ao ensino com outras tarefas, comprometendo o desenvolvimento das adolescentes, caracterizando uma má qualidade e dificuldade no que refere a gestão do tempo de aula (Siedentop, 1991). Seguindo com aspectos que contribuíram para o pouco tempo dedicado às atividades próprias do ensino (Piéron, 1988) observamos que diversos problemas do cotidiano escolar podem ter interferido nos resultados. Os professores desenvolviam aula teórica antes das aulas práticas. O tempo de aula prática se iniciava imediatamente após a teoria. Esses aspectos poderiam ser minimizados caso os professores tivessem tomado decisões antecipadas de organização. Em algumas aulas identificamos que os alunos do P1 que não participavam, eram destinados à arquibancada onde tinham por tarefa construir um relatório sobre a atividade que seria desenvolvida contando ponto para avaliação. Não identificamos esta ação como ideal, pois a realização de relatórios e análises da aula assumia caráter punitivo.

Por outro lado, os professores P2, P3 e P4 não solicitavam tarefas gerando casos de indisciplina, consumindo tempo e atenção para a resolução de conflitos. Depois de cumprida esta etapa, os professores iniciavam a aula organizando a atividade e

instruindo as adolescentes. Fora esses eventos, foi característica comum aos professores P1 e P2, as longas conversas com as adolescentes e o pouco tempo dedicado ao desenvolvimento prático dos conteúdos. Ao final de cada aula ainda havia a roda de conversa que consumia os últimos minutos antes do término. O resultado desses comportamentos são identificáveis nas adolescentes que passaram a maior parte do tempo de aula sentados ou em pé, inviabilizando a aproximação de níveis recomendados de atividade física para a aula. Os professores P3 e P4, apesar de diferirem na metodologia, sendo mais ativos pela opção em utilizar jogos, além do já descrito relacionado à organização e instrução, realizavam a chamada dos alunos no início ou final das aulas, o que demandava mais tempo com os alunos sem movimentação.

Após a aplicação do programa de intervenção, os professores da escola experimental apresentaram uma diminuição no tempo dedicado à organização e instrução, o que promoveu uma nova configuração ao comportamento do professor frente à aula, enquanto que no grupo controle ocorreu pouca alteração relacionada ao início do programa. Mesmo permanecendo a utilização de tempo em possíveis comportamentos que poderiam ser antecipados na planificação, a redução de ações não relacionadas ao ensino teve reflexo nos alunos com a aplicação do programa de intervenção. Como já descrito na metodologia, os professores da escola experimental (P1 e P2) passaram a utilizar os jogos modificados (Light, 2004), que permite em especial às meninas, desenvolver suas próprias habilidades, sendo ativamente envolvida no jogo, situação contrária ao observado nas aulas antes do programa onde a exigência de habilidades não desenvolvidas e a competição exclusiva afastavam as adolescentes das aulas. A mudança de estratégia no ensino de conteúdos demonstrou que o programa apresentou, mesmo em um curto espaço de tempo, mudanças no comportamento dos professores.

Os programas de intervenção ocorrem de formas diferenciadas, com o objetivo de elevar o nível de atividade física de crianças e adolescentes, podendo utilizar uma abordagem que modifica o currículo e políticas para aumentar a quantidade de tempo gasto dos estudantes em atividade física moderada ou vigorosa nas aulas de Educação Física. Existe a possibilidade de inclusão de novas aulas de Educação Física, aumento do tempo das aulas já existentes, ou o aumento da atividade física moderada a vigorosa dos estudantes durante as aulas, sem necessariamente aumentar o tempo de aula, podendo existir o complemento de informações sobre prevenção de doenças cardiovasculares (Ribeiro et al., 2010). Outras experiências utilizaram de abordagens

informativas para mudar conhecimento e atitudes sobre os benefícios da atividade física na comunidade; ensinar as competências necessárias para adoção e manutenção de comportamento saudável, e criação de ambientes sociais com abordagem política para mudar a estrutura física dos espaços tornando-os atraentes para a atividade física (Kahn et al., 2002).O programa de intervenção utilizado nesta investigação teve o objetivo de aumentar a atividade física sem a necessidade de aumento da frequência e duração das aulas e contratação de novos professores. Investimos na mudança do contexto das aulas adotando o mecanismo dos jogos modificados para que os alunos permanecessem ativos a maior parte da aula, convergindo com os estudos de Mckenzie et al., (2004).

No desenvolvimento dos programas de intervenção, a atitude do professor frente ao ensino é fundamental para que ocorra mudanças. Ao se apropriarem do conhecimento aprofundado dos jogos modificados por meio de práticas que se envolveram corporalmente na aprendizagem, os professores afirmaram uma maior confiança para ensinar Educação Física. Esse fato se dá pela constante interação que o professor deve ter com os alunos no desenvolvimento do ensino e da aprendizagem (Light & Fawns, 2003). As adolescentes foram informadas previamente dos objetivos e metas a alcançar e os professores intensificaram a interação motivando, experimentando e refletindo, tornando a aula uma experiência de aprendizagem integrada, onde os desafios vividos, intensificaram ações corporais e cognitivas para a compreensão tática e estratégica do jogo (Kirk & MacPhail, 2002) tendo como resultante positiva uma maior participação das adolescentes. A participação se deu de forma democrática, oportunizada pela estratégia utilizada pelos professores com vivências globais de situações reais de jogo, permitindo experiências positivas na aprendizagem partindo de suas competências e habilidades sem a exigência de execução de gestos técnicos pré- determinados e sem contexto com a dinâmica do jogo (Curry & Light, 2006; Light & Georgakis, 2007). A flexibilidade das regras e baixa exigência técnica ampliou a possibilidade de maior número de adolescentes participarem, possibilitando maior concentração nos jogos como um todo.