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A uveíte facogênica é, das uveítes, a mais comum no cão. Estando associada a todos os estágios de maturidade da catarata (GELATT & WILKIE, 2011), decorre da difusão de proteínas através da cápsula lenticular, suscitando resposta inflamatória (TOWNSEND, 2008). Na uveíte, ocorre incremento de proteínas no humor aquoso. Prostaglandinas e leucotrienos medeiam a vasodilatação e há aumento da permeabilidade vascular, com hiperemia e redução da PIO. A ação de prostaglandinas induz ao espasmo dos músculos da íris, resultando em miose e em dor (TOWNSEND, 2008). O sucesso nas facectomias pode estar comprometido em pacientes com uveíte facolítica (LEASURE et al., 2001; RAM et al., 2010), proporcionando resultados desfavoráveis em até 48% dos casos (WOERDT, van der. 2000; LEASURE et al., 2001, KAWAGUCHI et al., 2007).

Na presente pesquisa, a paracentese da câmara anterior foi utilizada como modelo experimental de uveíte, conforme descrito por Gilmour & Lehenbauer (2009), Ribeiro et al. (2010) e Pinard et al. (2011). Observou-se aumento nos níveis de proteínas no humor aquoso dos pacientes submetidos à paracentese (GUT e GUNT), corroborando achados de Gilmour (2009), Ribeiro (2010) e Pinard (2011). Ademais, observaram-se sinais clínicos condizentes à uveíte, tais como miose, diminuição da PIO, hiperemia e quemose.

Segundo Giasson & Bonanno (1994), o humor aquoso de coelhos sadios possui pH igual a 7,63 e segundo To et al. (2002), ele é igual a 7,6. Shah et al. (2008) relataram que em seres humanos, há redução do pH na presença de inflamação muscular. Simmen & Blaser (1993) coletaram fluido peritoneal, com e sem infecção. Observaram que no não infectado o pH era de 7,49, enquanto que no infectado de 6,75. No presente estudo, avaliaram-se as amostras de humor aquoso de coelhos com e sem uveíte. Em todas, o pH foi igual a 7. Os valores encontrados no presente trabalho são discretamente inferiores aos citados na literatura e podem ser atribuídos ao método utilizado, que não expressa valores decimais.

O diâmetro pupilar pode variar em decorrência da anestesia e do plano anestésico. No primeiro plano do terceiro estágio de Guedel (plano cirúrgico) a pupila encontra-se em miose. No segundo, em miose ou em início de midríase. No terceiro ela pode estar em midríase e no quarto em midríase acentuada (MASSONE, 2008). O BIS é um valor derivado do EEG que permite a quantificação dos efeitos sedativos e hipnóticos de fármacos anestésicos sobre o sistema nervoso central (ROSOW & MANBERG, 2001; VIANNA, 2001). Portanto, é método de escolha na determinação do plano anestésico. No presente estudo, o BIS foi utilizado para que eventuais mudanças no diâmetro pupilar não fossem erroneamente atribuídas à eventuais mudanças no plano anestésico e sim à inflamação ocular e aos efeitos da lidocaína.

A lidocaína é uma base fraca, pouco solúvel em água, existente em soluções ácidas nas formas ionizada e não-ionizada (McLURE & RUBIN, 2005). A não-ionizada é a porção que permeia a membrana celular e que bloqueia os canais de sódio, interrompendo o impulso nervoso (McLURE & RUBIN, 2005). Em meios ácidos, como na inflamação, ocorre aumento da forma ionizada, promovendo decréscimo da ação local do fármaco (BECKER & REED, 2012). A lidocaína tem sido empregada no bloqueio do músculo esfíncter da íris, visando-se ao aumento no diâmetro pupilar em cirurgias intraoculares em que a cicloplegia é necessária, como na facoemulsificação (NIKEGHBALI, FALAVARJANI, KHEIRKHAH, 2008; PARK et. al., 2009; KIM, PARK, KIM, 2010). Park et al. (2009) observaram dilatação pupilar, em cães, com o uso de lidocaína, em diferentes volumes, nas concentrações de 1% e de 2%. Ela foi mais rapidamente obtida nos grupos em que se utilizaram maiores volumes e concentrações. Cionni et al. (2003) utilizaram lidocaína intracameral 1%, com conservantes, durante a facoemulsificação e relataram dilatação pupilar adequada. Kim, Park e Kim (2010) encontraram dilatação pupilar significativa com o uso de lidocaína 1% intracameral, em olhos de coelhos hígidos, comparativamente a outros que receberam solução salina balanceada (BSS) intracameral, na câmara anterior.

Na presente pesquisa, o diâmetro pupilar se mostrou significativamente maior no GC, em relação ao GUT e ao GUNT, em todos os momentos avaliados. Porém, não houve diferença significativa do diâmetro pupilar entre os diferentes momentos,

em qualquer dos grupos avaliados. Park et al. (2009) e Kim, Park e Kim (2010) observaram midríase com a utilização de lidocaína 1% intracameral, porém em olhos sem uveíte. Cionni et al. (2003) também o fez, utilizando epinefrina 1:1000 na solução de irrigação. Lundberg & Behndig (2003) e Behndig & Eriksson (2004) encontraram dilatação pupilar satisfatória, contudo utilizaram solução que, além de lidocaína 1%, continha fenilefrina 1,5% e ciclopentolato 0,1%. Myers & Shugar (2009) igualmente obtiveram boa dilatação, porém utilizaram lidocaína 0,75% e epinefrina 0,025% intracameral, na câmara anterior, e tropicamida 1% na forma de colírio, vinte minutos antes da primeira avaliação.

Nikeghbali et al. (2007), Nikeghbali et al. (2008) e Khokhar & Rahim (2010) obtiveram dilatação pupilar adequada utilizando injeção intracameral de lidocaína 1% na facoemulsificação. Tais resultados divergem dos obtidos no presente trabalho, provavelmente pelas diferenças entre as espécies avaliadas. Zaidi et al. (2010) relataram concentração média de proteínas no humor aquoso, em pacientes que se submeteram a facoemulsificação, de 46,46 mg/dL. Esse valor é aproximadamente quatro vezes menor do que o valor médio encontrado no presente estudo, nos animais com uveíte (179,56 mg/dL) e, aproximadamente, duas vezes menor que o valor médio observado nos animais sem uveíte (71,18mg/dL), em M1. Admite-se, que em seres humanos, a inflamação ensejada pela catarata seja branda, comparativamente ao modelo experimental de uveíte empregado na presente pesquisa, permitindo a obtenção de efeito mais significativo, quanto à dilatação pupilar.

A lidocaína 1%, por bloquear os canais de Na+, age como analgésico. Tan et

al. (2011) relataram que pacientes humanos ao receberem injeção intracameral de

lidocaína 1% experienciaram menos dor que os que receberam injeção intracameral de BSS. Ezra, Nambiar e Allan (2008), em meta-análise de oito ensaios clínicos aleatórios, observaram dor significativamente menor em pacientes que receberam anestésico local e injeção intracameral de lidocaína, comparativamente a outros que receberam somente anestésico local. Crandall et al. (1999) descreveram não haver diferença significativa nos escores de dor entre o grupo que recebeu anestésico local e lidocaína intracameral, na câmara anterior, e o que recebeu anestésico local e BSS

intracameral, na câmara anterior. Entretanto, indivíduos que receberam lidocaína relataram menor incômodo à manipulação tecidual durante a cirurgia. Ademais, cirurgiões relataram maior cooperação por parte de pacientes do grupo supracitado.

Park et al. (2010) relataram que o consumo de isofluorano foi menor em cães que receberam lidocaína 2% intracameral, comparativamente aos que receberam BSS, durante facoemulsificação. Valimaki (2007) não observou diminuição da sensação de dor ou de desconforto de pacientes com o uso da lidocaína intracameral, comparativamente ao uso de sedativos intravenosos. A analgesia não foi avaliada na presente pesquisa, não obstante, trata-se de efeito desejado promovido, encorajando o uso do fármaco em procedimentos cirúrgicos intraoculares.

Muitos fármacos são potencialmente indutores de toxicidade, notadamente sobre o endotélio corneal (LIOU, CHIU, WANG, 2004). Quando o endotélio corneal é lesado, perdem-se células e a reparação envolve aumento e variação na forma (McCAREY, EDELHAUSER, LYNN, 2008). Eggeling et al. (2000) relataram não ter observado dano endotelial em córneas de porcos expostas à lidocaína 1%. Porém, córneas expostas à lidocaína 5% e 10% mostraram aumento no tamanho e exibiram bordas irregulares. Kadonosono et al. (1998) observaram células endoteliais irregulares com perda de microvilosidades, à microscopia eletrônica de varredura, em olhos de coelhos submetidos à injeção intracameral de lidocaína 2%. O microscópio especular de não contato pode fornecer, de forma não invasiva, análise do endotélio corneal quanto à densidade, formato e tamanho das células, além da espessura corneal (McCAREY, EDELHAUSER, LYNN, 2008). Gerding et al. (2004) relataram não ter encontrado diferença quanto à espessura da córnea, densidade celular e morfologia celular, à microscopia especular de contato, em cães submetidos à injeção intracameral, na câmara anterior, de lidocaína a 1% e a 2%. Liou, Chiu e Wang (2004) relataram que não houve diferença significativa, à microscopia especular de não contato, quanto à densidade celular e à espessura corneal, em coelhos submetidos à injeção intracameral de lidocaína 1%. Kim et al. (1998) relataram edema transiente utilizando um sistema de perfusão com microscopia especular, em córneas de coelhos e de seres humanos, cujos olhos foram perfundidos com lidocaína 1%, sem

conservantes. As córneas, tanto de coelhos quanto de seres humanos, apresentaram edema transitório. No presente estudo, não foram encontradas diferenças significativas quanto à hexagonalidade, à densidade celular, à área celular e ao coeficiente de variação, em qualquer dos grupos e em qualquer dos momentos avaliados. A espessura da córnea aumentou significativamente nos primeiros momentos de avaliação pós paracentese, retornando a valores basais em M4, em todos os grupos. Tratam-se de achados que provavelmente resultaram do edema transiente causado pela lidocaína 1% intracameral, como exposto por Kim (1998).

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