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O presente estudo avaliou, ex vivo, o efeito antimicrobiano imediato e residual de diferentes compostos sobre o biofilme de E. faecalis estabelecido na dentina do canal radicular de dentes bovinos. O emprego desses dentes é necessário e de extrema relevância, uma vez que possibilita a obtenção de resultados mais próximos da realidade clínica. Dentes bovinos são uma opção plausível, sendo rotineiramente utilizados em diversas pesquisas da área odontológica 28-30, visto que apresentam semelhança morfológica e histológica aos dentes humanos 31, 32. Assim, evita-se variabilidade, uma vez que a dentina humana e a bovina possuem

diâmetro e número dos túbulos dentinários por mm² semelhantes proporcionalmente. Logo, desde que sejam utilizados preparos padronizados, a dentina bovina é um substituto adequado para a dentina humana 31, 32 .

Para o estabelecimento do biofilme, os canais radiculares foram inoculados com E. faecalis, o qual permaneceu em contato com as paredes dentinárias durante 7 dias. O período de formação do biofilme é bastante diversificado entre os estudos relatados na literatura, variando normalmente de 24 horas a 30 dias 33, 34. Contudo, biofilmes de 7 dias são amplamente empregados quando o intuito é avaliar o efeito antimicrobiano de soluções irrigadoras e curativos intracanal 35, 36. Além disso, a espécie bacteriana E. faecalis foi escolhida, visto que está frequentemente relacionada aos casos de insucesso do tratamento endodôntico, devido a sua capacidade de formação de biofilme e alta resistência frente aos agentes antimicrobianos, como o curativo intracanal à base de Ca(OH)2 37, 16.

A metodologia empregada nesta pesquisa, baseada na contagem de UFCs, com o intuito de verificar a viabilidade de células remanescentes do biofilme após o uso das medicações, já

foi validada em outras investigações 38- 40. Embora haja relatos de que esta análise possa

superestimar a eficácia dos agentes antimicrobianos, devido a presença de células bacterianas

metabolicamente inativas ou de células viáveis, mas não cultiváveis 41, um estudo recente

demonstrou que o método de contagem de CFU é válido, sensível, e apresenta alta correlação

com o teste molecular de análise do DNA bacteriano 42 quando o objetivo é avaliar a viabilidade

celular após o tratamento do biofilme.

Os biofilmes do grupo controle, ou seja, as células microbianas expostas à solução salina 0,85%, apresentaram uma estrutura uniforme, que recobriu toda a superfície da dentina do canal radicular. As células apresentaram-se enclausuradas na matriz extracelular e o número de microrganismos permaneceu constante ao longo do experimento, considerando os dois momentos de coleta das suspensões para plaqueamento (Fig. 2a-b e 4a-b). Já é sabido que a solução salina 0,85% não apresenta poder antibacteriano e não possui capacidade de dissolução de matéria orgânica, sendo, portanto, empregada como controle em diversos estudos 43-49.

No presente trabalho, após a permanência do curativo de Ca(OH)2 no canal radicular

em contato direto com as células bacterianas, o biofilme de E. faecalis foi erradicado. Achados de estudos prévios demonstram que um período de 7 dias de ação do Ca(OH)2 sobre o biofilme

já seria suficiente para eliminar ou reduzir a quantidade de microrganismos e toxinas que possam ter permanecido após o preparo químico-mecânico 50,51. A taxa de redução microbiana observada na maioria dos estudos varia entre 24,25% 52 e 100% 53, 11. O Ca(OH)

2 é amplamente

utilizado em endodontia como medicação intracanal, principalmente em razão da sua atividade antimicrobiana, que ocorre devido ao alto pH 9. Tal propriedade justifica os achados do presente estudo. Os elevados valores de pH promovem danos irreparáveis às células, sendo responsáveis pela inibição do sistema enzimático, desnaturação de proteínas e pelo dano à parede celular e ao DNA bacteriano 54.

O efeito residual apresentado pelo Ca(OH)2 caracterizou-se pela redução de 79,31% das

células viáveis, quando comparado ao controle. De acordo com estudos 55,56, testes bacteriológicos deveriam ser realizados após, no mínimo, 48 a 96 horas, da intervenção endodôntica, visto que as amostras obtidas imediatamente após os procedimentos antissépticos podem não refletir as condições microbiológicas reais do sistema de canais radiculares. Um estudo clínico prévio, no qual coletas bacteriológicas foram realizadas após 72 horas da remoção do curativo de Ca(OH)2, demonstrou resultado semelhante ao presente trabalho, com

uma eliminação de 70% dos microrganismos 57. Os resultados de uma pesquisa mais recente, no qual a coleta microbiológica foi realizada após o período de 7 dias da remoção do Ca(OH)2,

Embora o Ca(OH)2 tenha apresentado ação antimicrobiana residual comparado ao

controle não tratado, quando feita a comparação intragrupo, ou seja, quando comparado o número de UFCs presentes logo após a remoção do Ca(OH)2 com o número de UFCs após 7

dias da remoção da medicação, um aumento significativo de UFCs por biofilme foi observado, evidenciando a recolonização do canal radicular por microrganismos remanescentes. Uma possível explicação pode ser a permanência das bactérias nos túbulos dentinários 58, 11, em regiões não alcançadas pela medicação 14. No momento em que o Ca(OH)

2 foi removido do

canal radicular e o meio de cultura estéril foi mantido por mais 7 dias, microrganismos que se alojaram no interior dos túbulos podem ter se multiplicado e alcançado a luz do canal novamente, conforme evidenciado na análise em MEV (Fig. 4c-4d). Cabe ressaltar que a capacidade de invasão dos túbulos, juntamente com a habilidade para formar biofilmes e resistir a altos valores de pH são um dos principais mecanismos de resistência do E. faecalis 9, 59. Outra provável justificativa que permitiu e/ou facilitou a recolonização bacteriana pode ter sido a capacidade de tamponamento apresentada pela dentina, que reduz a efetividade antimicrobiana do Ca(OH)2 60. O alto pH apresentado pelo Ca(OH)2 é reduzido pelo efeito tampão da dentina,

ou seja, enquanto o Ca(OH)2 estavapresente nos canais, valores maiores de pH podem ter se

mantido constantes ou terem sido pouco reduzidos, o que provocou a erradicação das bactérias. Contudo, após sua remoção dos canais, a dentina pode ter restabelecido seus valores normais de pH e o efeito antimicrobiano do Ca(OH)2 foi reduzido 60, permitindo que as bactérias que

penetraram a profundidade da dentina recolonizassem a superfície do canal. Estes achados vão ao encontro dos resultados anteriores 11, os quais também demonstraram erradicação de E. faecalis logo após a remoção do Ca(OH)2 e um aumento bacteriano significativo na luz dos

canais 7 dias após a remoção da medicação.

Os óleos essenciais têm ganhado destaque na área médica e odontológica em razão das suas propriedades antifúgica 61, antiviral 62 e antimicrobiana 63,64 sendo equivalente à clorexidina e ao NaOCl contra o E. faecalis 65. Neste estudo, logo após o tratamento do biofilme com o óleo essencial LTT 5%, foi observada uma redução de 96,31% das UFCs comparado ao grupo controle. Este achado vai ao encontro de um estudo prévio, no qual foi avaliada a atividade antimicrobiana do óleo essencial e do Ca(OH)2 também contra o biofilme de E.

faecalis estabelecido nos canais radiculares 25. Os autores demonstraram que ambas as

medicações erradicaram o biofilme após a permanência nos canais por sete dias. Os resultados de um estudo semelhante, no qual outros óleos essenciais foram testados contra o biofilme,

indicaram que estes compostos poderiam ser empregados como medicação intracanal, em razão da capacidade de inibição do crescimento do biofilme de E. faecalis após 12 horas de contato66.

Uma investigação recente demonstrou que o óleo essencial Citrus Lemon Tea Tree é mais efetivo na eliminação de bactérias, comparado ao óleo Tea Tree de Melaleuca Alternifolia, mais efetivo contra fungos. Tais óleos, quando associados, demonstraram efeito sinérgico, ou seja, sua aplicação combinada revelou um aumento na atividade antimicrobiana. Os autores incentivaram o uso de oléos essenciais para a prevenção e tratamento de doenças bucais 21. A

ação antimicrobiana apresentada pelo óleo essencial LTT 5% pode ser justificada pelos danos causados às bactérias, inicialmente afetando a tensão interfacial nos lipídios constituientes da parede celular bacteriana e das mitocôndrias e, posteriormente, destruindo o restante das estruturas bacterianas 67.

O efeito residual da medicação experimental LTT 5% foi aproximado ao promovido pelo Ca(OH)2. Contudo, a eliminação de 69,89% das células viáveis de E. faecalis promovida

pelo LTT 5% não foi significativa comparada ao controle com solução salina 0,85%. Uma possível explicação para a eliminação parcial do biofilme de E. faecalis após o uso da medicação intracanal pode estar associada à própria resistência dos microrganismos quando estruturados na forma de biofilme. Nessa organização, os microrganismos apresentam-se fenotipicamente e fisiologicamente diferentes dos planctônicos 68. Ainda, a matriz extracelular polimérica produzida pelas células microbianas durante o processo de maturação do biofilme 69 pode ter servido como uma barreira química 70 e dificultado a difusão das partículas do óleo LTT no interior do biofilme. Uma vez que a difusão é o mecanismo de transporte dominante nos biofilmes, a mobilidade e a biodisponibilidade das partículas ativas do óleo irão depender, em grande parte, do coeficiente de difusão, o qual está relacionado ao tamanho das partículas e às características físico-químicas, assim como da natureza do biofilme 71. Além disso, uma inadequada interação entre o óleo e a parede celular bacteriana durante o período de 7 dias em que a medicação permaneceu no interior do canal radicular pode ter dificultado sua ação.

Quando feita a comparação intragrupo, ou seja, quando avaliada a influência do tempo sobre o efeito antimicrobiano da medicação LTT 5%, foi observado um aumento significativo de 5 log UFCs por biofilme entre os dois períodos de coleta bacteriológica, semelhante ao apresentado pelo Ca(OH)2. Até o presente momento, não foram evidenciados na literatura

trabalhos que tenham avaliado o efeito antimicrobiano do óleo essencial LTT 5% sobre o biofilme de E. faecalis após 7 dias da sua remoção. Portanto, esses resultados possivelmente sejam justificados com base nos mesmos argumentos mencionados para o Ca(OH)2, no que diz

respeito à capacidade dos microrganismos de se alojarem na profundidade dos túbulos dentinários e, após se multiplicarem, alcançarem a luz do canal novamente (Fig. 4e-4f). Somam-se a isso, os mecanismos de resistência do E. faecalis 9, 58.

Diante dos resultados obtidos, abre-se uma perspectiva de uso do óleo essencial LTT como medicação intracanal. Ainda assim, outros experimentos são necessários, a fim de testar outras concentrações, avaliar a efetividade do óleo contra um biofilme multiespécies, analisar seu efeito citotóxico e também suas propriedades biológicas.

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