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Como descrito anteriormente por Golden et al. (2011), o protocolo de estresse social utilizado no presente estudo, chamado de Estresse por Subjugação Social Repetida, é capaz de gerar alterações comportamentais do tipo depressivo de esquiva social em aproximadamente dois terços dos camundongos submetidos ao protocolo, que são, portanto, considerados suscetíveis à indução de comportamento do tipo depressivo induzido por estresse social repetido. Os demais camundongos, cerca de um terço, que não apresentam alterações comportamentais são considerados resilientes (GOLDEN et al., 2011). Com isso, o modelo animal de Estresse por Subjugação Social Repetida mimetiza com grande fidelidade a condição humana, uma vez que nem todos os indivíduos que passam por uma situação estressante irão desenvolver distúrbios como a depressão. No presente estudo foram estabelecidos dois grupos distintos de camundongos estressados: suscetíveis e resilientes, em proporções semelhantes aquelas descritas na literatura (GOLDEN et al., 2011). Portanto, conseguimos reproduzir em nosso laboratório o modelo de Estresse por Subjugação Social Repetida de modo altamente fidedigno.

Além disso, nossos dados demonstraram que a submissão ao estresse social provocou uma diminuição no limiar nociceptivo dos camundongos diante de estímulos mecânicos e químicos. Já está bem estabelecido que algumas formas de estresse, sobretudo estresse agudo, são capazes de induzir analgesia, como relatado em estudos com modelos animais (AKIL et al, 1976; LEWIS et al, 1980; RIVAT et al, 2007). Por outro lado, tem sido relatado na literatura que diferentes formas de estresse crônico são capazes de provocar quadros de hiperalgesia. Satoh et al (1992), por exemplo, induziram estresse por frio repetido em ratos e observaram que esses animais apresentaram um quadro hiperalgésico, medido por estímulo mecânico através de um analgesímetro, que se mantinha por até três dias. Além disso, já foi constatado que ratos expostos à restrição física por um período de 1h por dia, durante 40 dias consecutivos, apresentaram maior sensibilidade à dor medidaatravés de estímulos térmicos no teste de retirada da cauda (da SILVA TORRES et al, 2003; GAMEIRO et al,

2006). Ainda nesse contexto, o grupo de Bradesi (2005) observou que um estresse crônico por esquiva da água é capaz de induzir uma hiperalgesia visceral persistente. Já Khasar et al (2005) constataram que animais submetidos a um estresse sonoro repetido apresentam maior sensibilidade a dor no teste de pressão na pata de Randall-Selitto.

A literatura nos mostra ainda que animais forçados a nadar de 10-20 minutos por dia, durante três dias consecutivos, desenvolvem maior sensibilidade a estímulos térmicos, através do teste da placa quente (SUAREZ-ROCA et al, 2006); por fim, já foi também demonstrado que ratos submetidos a estímulos nociceptivos através de carragenina apresentaram um quadro hiperalgésico, avaliado através de estímulos mecânicos no teste de Randall-Selitto, após serem colocados em um novo ambiente durante uma hora, em um experimento chamado de estresse ambiental não doloroso (RIVAT et al 2007).

Entretanto, mesmo havendo grande interesse da comunidade em compreender os mecanismos de co-morbidade entre dor e depressão, o presente estudo é o primeiro a empregar os testes do analgesímetro eletrônico (Von Frey) e da capsaicina para avaliar o efeito deste protocolo de Estresse por Subjugação Social Repetida sobre a sensibilidade nociceptiva de camundongos. Rivat et al (2010), em um estudo semelhante, empregaram o teste do Von Frey de Filamento, não o eletrônico, e também o teste de Randall-Selitto para investigar as respostas nociceptivas de ratos – e não de camundongos, como no presente estudo – submetidos a um diferente protocolo, mais brando, de Estresse por Subjugação Social Repetida que consistiu de apenas quatro dias consecutivos de sessões de subjugação social. Tais sessões foram compostas por apenas um período de 30 minutos de contato sensorial seguido de 15 minutos de contato físico-corporal agonístico. Nesse estudo os autores observaram que a hiperalgesia provocada por esta forma de estresse social permanece por até 14 dias após o término das sessões de subjugação. Além disso, observaram que o tratamento com aspirina não foi capaz de reverter completamente o quadro de hiperalgesia e que, de forma interessante, o tratamento crônico com clorodiazepóxido (droga ansiolítica) não acelerou o retorno do limiar

nociceptivo para níveis basais. Este estudo de Rivat et al (2010), embora de grande relevância científica, não levou em consideração os dois grupos estressados gerados após o Estresse por Subjugação Social Repetida: Resiliente e Suscetível, como realizado no presente estudo. Por fim, diferentemente do presente estudo, os ratos intrusos do trabalho de Rivat et al (2010) não permaneceram em contato sensorial com os residentes nas 24hs seguintes ao contato físico-corporal, mas foram mantidos em gaiolas separadas até a próxima sessão. Sendo assim, o presente estudo corrobora os dados relatados por Rivat et al. (2010) e avança na compreensão dos fenômenos envolvidos nas relações entre dor e depressão, tanto realizando uma análise comportamental mais abrangente quanto através das análises moleculares abordadas a seguir.

Vale ressaltar que, com exceção do estudo de Rivat et al (2010), a grande maioria dos estudos supracitados utilizou protocolos de estresse físico enquanto o presente estudo empregou um protocolo de estresse social que é mais condizente com a condição humana. De fato, modernamente é pouco provável que nós humanos sejamos submetidos à restrição física ou forçadamente expostos a frio ou outras formas de estressores físicos. O estresse associado com as relações sociais familiares, de trabalho e nas condições urbanas de modo geral parece ser a forma mais presente de estresse que afeta os humanos modernos e que podem desencadear condições patológicas associadas.

A análise dos dados relativos à sensibilidade nociceptiva diante de estímulos mecânicos (Figura 8) não revela a mesma distinção entre os animais resilientes e suscetíveis. Nesta variável, a magnitude do aumento da resposta nociceptiva foi semelhante para os grupos de camundongos submetidos ao estresse social independentemente de apresentarem ou não comportamento do tipo depressivo de esquiva social. Além disso, esta observação é verdadeira tanto para o teste nociceptivo mecânico em condições basais (Figura 8A) quanto naquele realizado após um estímulo de sensibilização através da injeção intraplantar de PGE2 (Figura 8B). É importante salientar, contudo, que segundo dados do nosso laboratório (dados não publicados) o limiar nociceptivo mecânico em condições basais é resultado, sobretudo, da resposta de fibras sensoriais nociceptivas do tipo Aδ, as

quais são encontradas mais comumente nas porções periféricas do tecido cutâneo estimulado. Porém é provável que o estresse social induza plasticidade principalmente na via paleo-espino-talâmica composta na maioria por fibras do tipo C amielínicas (MILLAN, 1999, JULIUS e BASBAUM, 2001). De fato, tal como nas hiperalgesias inflamatórias mediadas por PGE2, a sensibilização das fibras C reduzem o limiar nociceptivo mecânico (FERREIRA e LORENZETTI, 1996; TOREBJORK et al, 1984). Experimentos realizados em nosso laboratório demonstraram que ratos tratados com injeção intratecal com doses altas de capsaicina (1μg), capaz de destruir as fibras do tipo C (TRPV1+), não apresentaram diferenças no limiar nociceptivo mecânico quando comparados com ratos tratados com injeção intratecal de salina. Porém ratos com diminuição importante do numero de fibras C não apresentaram hiperalgesia mecânica após tratamento com PGE2 (dados não publicados). Esta diferença na participação das fibras Aδ e C no limiar nociceptivo mecânico não é importante quando a pata dos animais é tratada com capsaicina na dose nociceptiva (0,1 μg), pois, neste caso, apenas as fibras C (TRPV1+) são estimuladas (ANAND e BLEY, 2011).

Embora nossos dados tenham demonstrado que os camundongos estressados apresentaram maior sensibilidade nociceptiva independentemente de serem resilientes ou suscetíveis, numa análise mais cuidadosa da Figura 9 contatamos que, diante de estímulo químico, os camundongos suscetíveis apresentaram maior sensibilidade nociceptiva comparados aos resilientes. Assim, parece haver uma correlação entre o comportamento do tipo depressivo de esquiva social e a maior sensibilidade à dor. É sabido que a capsaicina é um agonista de receptores TRPV1 que são expressos exclusivamente por fibras sensoriais nociceptivas do tipo C (ANAND AND BLEY, 2011; ALAWI AND KEEBLE, 2010). Sabe-se também que as fibras do tipo C conduzem informações nociceptivas até estruturas encefálicas pertencentes ao chamado sistema límbico, envolvidas com a regulação emocional (BASBAUM e JESSEL, 2000; ALMEIDA et al., 2004; CALVINO e GRILO, 2006). Assim, é possível que alterações neuroplásticas induzidas pela submissão ao estresse social tenham ocorrido em estruturas límbicas que participam do processamento neural referente aos aspectos afetivo-emocionais

tanto do comportamento depressivo quanto da dor. Esta hipótese é sustentada pelos relatos de co- morbidade entre depressão e dor crônica observados na clínica (ROBINSON et al., 2009; GOLDENBERG, 2010), bem como por estudos com modelos animais que demonstram, de forma inversa, que a indução de dor crônica pode provocar comportamento do tipo depressivo. Alba- Delgado et al (2013), por exemplo, demonstraram que dor neuropática crônica induzida por ligadura do nervo ciático foi capaz de gerar um comportamento do tipo depressivo em ratos 28 dias após ter sido instalada; e tal comportamento predomina mais do que a aversão a uma experiência dolorosa (ALBA-DELGADO et al., 2013). Além disso, o fato da capsaicina estimular apenas fibras do tipo C, as quais estão presumivelmente envolvidas no estresse social, revelou que animais Resilientes apresentaram uma sensibilização menor das fibras C quando comparados aos animais suscetíveis. É plausível hipotetizar que a plasticidade desenvolvida no sistema dopaminérgico mesolímbico dos animais Resilientes, embora suficiente para apresentar um grau intermediário de hiperalgesia, não foi suficiente para apresentar comportamento depressivo de esquiva social.

Ainda corroborando os resultados obtidos no presente estudo, também já foi demonstrado que fatores psicosociais e socioambientais contribuem para o desenvolvimento de dor crônica após cirurgia em humanos (KEHLET et al., 2006; KATZ e SELTZER, 2009). Sendo assim, de forma interessante, o fato de termos observado alterações no limiar nociceptivo em decorrência de uma manipulação comportamental sugere a ocorrência de alterações neurofisiológicas centrais, uma vez que o tecido periférico avaliado estava intacto. De fato, quando uma dor crônica está associada com isolamento social, há modificações importantes no sistema nervoso central que leva a reações exacerbadas dos indivíduos frente a estímulos nociceptivos (Bravo et al, 2013). Esta hipótese foi testada no presente projeto através das análises moleculares propostas.

Sendo assim, analisando os dados da expressão gênica de BDNF na VTA (Figura 10) podemos notar que há um considerável aumento na expressão desta neurotrofina nos animais Suscetíveis em comparação aos outros grupos. De forma interessante, outros grupos já demonstraram

a importância do BDNF expresso na VTA num contexto de depressão/psicopatologias. Krishnan et al (2007), por exemplo, estudando o mesmo modelo de Estresse por Subjugação Social Repetida empregado neste estudo, observaram que o bloqueio da expressão gênica de BDNF na VTA levou a uma maior proporção de camundongos resilientes, já o bloqueio da expressão desse gene no NAc não gerou nenhuma alteração nas proporções de resilientes e suscetíveis encontradas após o teste de interação social, corroborando com os resultados do presente estudo. Esses dados mostraram que a principal fonte de BDNF no NAc se origina da VTA, uma vez que a infusão de BDNF recombinante diretamente no NAc dos camundongos foi capaz de gerar animais suscetíveis apenas com uma exposição submáxima de estresse social (KRISHNAN et al, 2007). Além disso, já foi demonstrado também que terapia eletroconvulsiva, a qual possui um elevado efeito antidepressivo, gera uma grande diminuição da expressão de BDNF na VTA dos animais experimentais e que, como esperado, o bloqueio de BDNF nesta região é suficiente para induzir um efeito antidepressivo (TALIAZ et al, 2013). O grupo de Taliaz (2013) observou ainda que uma super expressão de BDNF na VTA dos animais era suficiente para bloquear o efeito antidepressivo da terapia eletroconvulsiva. Ainda destacando a importância do BDNF na VTA neste contexto de depressão, Eisch et al (2003) mostraram que a infusão de BDNF protéico na VTA produz um comportamento do tipo depressivo no teste do nado forçado em ratos. Além disso, Fanous et al (2010) demonstraram que estresse por derrota social intermitente produz expressão prolongada de BDNF na VTA e, além disso, é capaz de gerar alterações crônicas no comportamento social, como diminuição na interação com outros indivíduos (Fanous et al, 2011). Estes autores constataram ainda que a deleção bilateral de BDNF na VTA foi capaz de impedir o comportamento do tipo depressivo de esquiva social induzido pela derrota social intermitente, mostrando dessa forma, assim como Berton et al (2006) e Krishnan et al (2007), a importância do BDNF na VTA no contexto da depressão. Um estudo interessante mostrou ainda que a inativação isolada de diversas áreas do sistema límbico, entre elas NAc e VTA, aumenta os efeitos produzidos por diversos anestésicos, gerando um estado analgésico em condições de dor

aguda (MA e LEUNG, 2006). Outro estudo bastante relevante foi o realizado por Balik et al (2010), que demonstraram a crucial importância da atividade do NAc na cronificação da dor em seres humanos.

Tais estudos demonstraram justamente a estreita relação entre a ativação do sistema dopaminérgico mesolímbico (NAc e VTA) e condições como dor crônica e depressão. Considerando que num contexto de estresse crônico este sistema está ativado (NESTLER e CARLEZON, 2006; PITTENGER e DUMAN, 2008), era esperado que os animais do grupo estressado (Suscetíveis e Resilientes) do presente estudo apresentassem um quadro de hiperalgesia. Contudo, foi demonstrado que a ativação aguda do NAc induz analgesia, assim como o estresse agudo (HEINRICHER et al., 2009; Altier e Stewart, 1999; Gear et al., 1999; Wood, 2004). Dados recentes do nosso laboratório demonstraram que a estimulação crônica do Sistema Dopaminérgico Mesolímbico pela administração intra-NAc de inibidor de recaptação de dopamina facilitou a indução de hiperalgesia persistente induzida por administração de PGE2 por 14 dias sucessivos no tecido periférico (DIAS et al., 2015). Neste estudo foi demonstrado também que, enquanto a estimulação aguda do sistema dopaminérgico mesolímbico induz analgesia via ativação de recpetor dopaminérgico do tipo D2, a estimulação crônica do sistema dopaminérgico mesolímbico induz alterações plásticas que levam à hiperalgesia na qual está envolvida a ativação de receptores dopaminérgicos do tipo D1 (Dias et al., 2015). Similarmente, enquanto a ativação de receptores D1 está relacionada ao comportamento depressivo, a ativação de receptores D2 está relacionada a uma ação anti-depressiva (GERSHON et al., 2007; LOBO et al., 2010). Se considerarmos que os neurônios dopaminérgicos da VTA co-liberam dopamina e BDNF (KRISHNAN et al, 2007) no NAc quando a via mesolímbica é estimulada, é plausível considerar que ocorra uma interaçãoentre dopamina e BDNF (GOGGI et al, 2003; HASBI et al, 2009) provocando

uma modulação na expressão e/ou ativação dos receptores dopaminérgicos do NAc levando tanto a estados depressivos quanto dor crônica.

Mesmo com esses relatos associando a expressão gênica de BDNF na VTA, os níveis protéicos de BDNF no NAc e comportamentos do tipo depressivo e hiperalgésico, poucos estudos destacaram a função das diferentes isoformas do BDNF nessas condições. Num estudo com seres humanos, Yoshida et al (2012) constataram menores níveis plasmáticos de BDNF maduro em pacientes com transtorno depressivo quando comparados aos indivíduos controle e, em contrapartida, não encontraram nenhuma diferença entre os níveis plasmáticos de pró-BDNF (precursor) entre os indivíduos controle e aqueles com transtorno depressivo. Embora esses resultados sejam referentes ao BDNF presente no plasma sanguíneo, eles corroboram os resultados encontrados no presente estudo, onde os animais controle apresentaram maiores níveis protéicos de BDNF maduro no NAc em comparação com os animais estressados (suscetíveis e resilientes). Além disso, no presente estudo não foi observada nenhuma diferença entre os níveis protéicos de BDNF precursor (pró-BDNF) entre os grupos estudados. Greenberg et al. (2014) observaram que um protocolo de três dias consecutivos de subjugação social, com sessões de sete minutos em cada dia, não foi capaz de aumentar os níveis protéicos de BDNF maduro no NAc de camundongos, tanto em fêmeas quanto em machos; entretanto, observaram um aumento significativo dessa proteína no Núcleo do Leito da Estria Terminal, uma estrutura que, como mostra a literatura, atua de forma semelhante ao NAc no comportamento depressivo, sendo tais estruturas anatomicamente adjacentes. Shirayama et al (2015), em um estudo empregando um modelo de estresse por desamparo aprendido para induzir comportamento do tipo depressivo em ratos, observaram uma diminuição dos níveis de BDNF precursor (pró-BDNF) no NAc dos animais estressados e, em contrapartida, neste mesmo grupo de animais, observaram um aumento de BDNF precursor (pró-BDNF) no córtex pré-frontal medial, uma estrutura que, assim como o NAc, recebe projeções da VTA (SWANSON, 1982). Embora nenhum dos estudos supracitados tenha analisado a isoforma truncada do BDNF, talvez pela dificuldade

técnica que esta análise apresenta, o presente estudo observou um aumento significativo desta isoforma no NAc de camundongos suscetíveis em comparação aos controles. Dessa forma, pode-se hipotetizar uma relação entre os níveis de BDNF truncado no NAc e comportamento do tipo depressivo e hiperalgesia aguda. Devido à escassez de estudos referentes às diferentes isoformas de BDNF - principalmente a isoforma truncada - em condições como dor crônica e depressão, pouco se sabe sobre a influência que essas proteínas exercem nas diversas regiões encefálicas envolvidas em tais condições e, por isso, estudos adicionais se fazem necessários.

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