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No ano de comemoração de 30 anos da descoberta do pré-condicionamento isquêmico por Murry e colaboradores (1986), ainda há muito a ser explorado para compreender esse poderoso mecanismo de cardioproteção. Sabe-se que a adenosina é liberada em condições de isquemia e atua no pré-condicionamento e no pós-condicionamento via receptores denominados A1R, A2AR,

A2BR e A3R. Adicionalmente, estudos têm demonstrado que todos os receptores da adenosina

são expressos no coração e estão envolvidos na cardioproteção (Zhan et al., 2011). Antagonistas do MR, como espironolactona e eplerenona, também atuam como agentes de proteção durante isquemia-reperfusão, sendo descritos como agentes de pré- e pós-condicionamento farmacológico (Chai, Garrelds, Arulmani, et al., 2005; Chai, Garrelds, De Vries, et al., 2005). Estas evidências nos motivaram a testar, comparativamente, a ação cardioprotetora da espironolactona e eplerenona, bem como da adenosina perante seus antagonistas como controle. Realizamos ensaios onde, inicialmente, foi estabelecida a metodologia de indução da isquemia in vitro. Para mimetizar a isquemia, o método adotado associou subnutrição e deslocamento do oxigênio do ambiente das células (Safran et al., 2001), técnica que se mostrou eficaz, uma vez que, ao testar a citotoxicidade por meio de kit de lactato desidrogenase, observamos que a atividade da enzima LDH aumentou significativamente nas células do grupo isquemia em comparação às mantidas em condições normais de nutrição e oxigênio (gráfico 1). Esse resultado pode ser explicado pelo fato de a lactato desidrogenase ser uma enzima que atua em condições de anaerobiose, quando catalisa a redução do piruvato em lactato, utilizando o NADH produzido na fase oxidativa, regenerando o NAD+ necessário para a glicólise na ausência

de oxigênio (Lehninger et al., 2005).

Com a metodologia de isquemia in vitro estabelecida, prosseguimos para a determinação da presença da adenosina por espectometria de massas nos cardiomiócitos submetidos a isquemia e tratados com espironolactona e eplerenona. Conforme exposto nas figuras 10, 11, 12 e 13, e na tabela 6, demonstramos que nosso nucleosídeo de interesse foi detectado em todas as amostras submetidas a isquemia, e, como esperado, nenhuma amostra do grupo normóxia apresentou adenosina detectada. Esses resultados corroboram com estudos prévios em que determinaram a presença da adenosina em cardiomiócitos, endotélio e células intersticiais durante os ciclos de isquemia-reperfusão no condicionamento isquêmico (Heusch, 2015).

Entretanto, nosso trabalho mostra, pela primeira vez, que o tratamento com espironolactona como agente de pré-condicionamento farmacológico levou a maior concentração de ADO em relação ao tratamento com eplerenona e ao controle. Por outro lado, no pós-condicionamento a

concentração da adenosina foi maior no tratamento com eplerenona quando comparada à espironolactona e ao controle. Esses dados têm sido confirmados por um estudo do grupo, que vêm sendo realizado em paralelo e têm demonstrado resultados semelhantes (dados não mostrados). Adicionalmente, nossos resultados somam-se aos estudos de Schmidt e colaboradores que, utilizando um modelo de infarto do miocárdio em rato, demonstraram que o efeito cardioprotetor do canrenoato de potássio (metabólito ativo da espironolactona) foi completamente abolido quando na ausência da enzima ecto-5’-nucleotidase, responsável pela catalisação da conversão de AMP em adenosina. O mesmo ocorreu com camundongos knock- outs para o receptor A2BR. O efeito da eplerenona também foi completamente abolido na

presença do antagonista não específico do receptor de adenosina, 8-p-sulphophenyltheophylline, em corações perfundidos isolados de ratos (Schmidt et al., 2010). A análise, em conjunto, desses dados demonstra que tanto espironolactona quanto eplerenona parecem estar relacionadas com o aumento da disponibilidade de adenosina nos cardiomiócitos tanto no pré- quanto no pós- condicionamento.

Esses resultados nos motivaram a prosseguir com nossa hipótese, e testar se a ação de antagonistas do MR sobre o coração pode estar sendo mediada por uma interação com a adenosina via seus receptores de membrana. Avaliamos então, o efeito cardioprotetor da espironolactona e eplerenona a curto prazo sobre cardiomiócitos de ratos submetidos à isquemia- reperfusão in vitro, na presença e na ausência de antagonistas dos receptores A1R, A2AR, A2BR e

A3R da adenosina.

Tanto a espironolactona, como a eplerenona e a adenosina foram capazes de prevenir (pré- condicionamento) como reverter (pós-condicionamento) os danos impostos pela isquemia aos cardiomiócitos, visto que a viabilidade nas células tratadas por elas foi semelhante ao grupo controle normóxia (sem tratamento e em condições normais de oxigenação) e maior que o grupo controle isquemia (sem tratamento, mas em condições isquêmicas), como mostrado pelo ensaio de viabilidade celular (MTT) no gráfico 4. Esses dados confirmam a efetividade desses fármacos e da adenosina em proteger as células sob condições isquêmicas conforme já descrito por Chai e colaboradores (2005) e Schmidt et al., 2010.

Em contraposição, ao associar espironolactona e eplerenona a antagonistas dos receptores da adenosina A1R, e A3R no pré-condicionamento e A2AR e A2BR no pós-condicionamento, dada

a ação preferencial desses receptores em cada um dos tipos de condicionamento isquêmico (Zhan et al., 2011), não obtivemos resultados significativos no bloqueio da proteção das células

(gráficos 5, 6, 7, 8, 9 e 10). A localização dos antagonistas da adenosina no coração ainda é controversa. Há relatos da presença dos receptores em ventrículos, A1R (Auchampach e Bolli,

1999), A2AR (Norton et al., 1999), A2BR (Liang e Haltiwanger, 1995) e A3R (Strickler et al.,

1996). Entretanto, estudando os receptores a nível molecular, Robin e colaboradores, mostraram por PCR em tempo real que a expressão dos receptores A1R, A2AR e A2BR foram maiores no

átrio em relação ao ventrículo, enquanto A3R foi igualmente expresso em ambos (Robin et al.,

2011). Koscsó e colaboradores, por sua vez, mostraram que a expressão do receptor A3R no

miocárdio é baixa, apesar de agonistas do A3R terem efeitos cardioprotetores em modelos de

isquemia-reperfusão (Koscsó et al., 2011). Esses estudos nos levam a crer que, provavelmente, não houve uma resposta mais acentuada em relação ao bloqueio dos receptores em nossos tratamentos, devido ao fato de usarmos cardiomiócitos ventriculares.

Por outro lado, contrapondo nossos resultados no pós-condicionamento, Grube e colaboradores comprovaram, também por PCR em tempo real, a presença do receptor A2BR em

cardiomiócitos ventriculares isolados de rato, e demonstraram que a ativação deste receptor protege fortemente os corações perfundidos da lesão de isquemia-reperfusão e o uso do antagonista MRS 1754 bloqueou essa proteção (Grube et al., 2011).

Adicionalmente, alguns estudos vêm mostrando grande interação entre os receptores, apesar da predominância de A1R e A3R no pré-condicionamento e de A2AR e A2BR no pós-

condicionamento. Analisando corações isolados e perfundidos de camundongos selvagens e knock-outs para A2AR e A2BR, Zhan e colaboradores mostraram que ambos receptores são

necessários na cardioproteção promovida pelo receptor A1R, indicando uma interação entre os

subtipos de receptores da adenosina (Zhan et al., 2011). Essa interação também foi demonstrada durante isquemia em células H9c2(2-1) (Urmaliya et al., 2009). Múltiplos resultados consistentes, com diferentes espécies e modelos experimentais indicam interação entre os receptores A1R e A3R antes da isquemia na proteção e para A2AR e A2BR durante a reperfusão

(Mcintosh e Lasley, 2012). Em nossos experimentos, a associação dos receptores não mostrou diferença significativa comparada aos demais tratamentos.

Neste ponto, acreditamos que, apesar da comprovada participação da espironolactona e eplerenona em proteger os cardiomiócitos sob isquemia, e sua evidente influência sobre a disponibilidade de adenosina, nossos resultados não nos permite afirmar se a cardioproteção por eles promovida é mediada via receptores da adenosina. É possível que o efeito cardioprotetor da espironolactona e eplerenona no condicionamento isquêmico venha numa segunda fase, no

entanto, diante de nossos resultados, admitimos que há possibilidade de o protocolo experimental escolhido em nosso trabalho não ter sido o ideal para comprovar nossa hipótese. Essas considerações nos levam a duas possíveis explicações:

1. Pré- e pós-condicionamento compartilham de vias de sinalização (com algumas particularidades entre elas), que incluem PKC, receptor da aldosterona (MR), PI3K/AKT e ERK

(Schmidt et al., 2010). Sabidamente, espironolactona e eplerenona também atuam por essas vias, sendo ainda capazes de aumentar a atividade da ERK 1/2 e elevar os níveis de AMPc (Hermidorff et al., 2015). Adicionalmente, sabendo da ação dos antagonistas de MR sobre a atividade da enzima ecto-5’-nucleotidase (Schmidt et al., 2010), sugerimos que espironolactona e eplerenona possam estar atuando na promoção de substrato para formação de adenosina durante a isquemia. Isto é, ao tratar as células com espironolactona e eplerenona, estimula-se o aumento dos segundos mensageiros importantes na proteção, entre eles o AMPc. Com maior disponibilidade de AMPc, a enzima ecto-5’-nucleotidase tem mais substrato para clivar o AMP em adenosina durante a isquemia (Eckle et al., 2007). A adenosina, por sua vez, pode então atuar via seus receptores para promover a proteção contra os danos causados por isquemia-reperfusão.

2. Espironolactona e eplerenona possuem ação proliferativa de cardiomiócitos e antifibrótica, como demonstrado em trabalhos prévios do nosso laboratório. Tanto espironolactona quanto eplerenona se mostraram capazes de promover proliferação de cardiomiócitos após 24h e reverter a proliferação de fibroblastos promovida pela aldosterona após 48h do tratamento (Hermidorff et al., 2015). Por nosso modelo de estudo ser agudo (ensaios realizados 18h após tratamentos), é possível que nosso método não tenha sido suficiente para observar os efeitos consequentes de uma possível ação dos antagonistas do MR associados aos receptores da adenosina.

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