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Nos últimos 30 anos, a prevenção do câncer de colo uterino tem se estabelecido em duas estratégias distintas: o desenvolvimento de vacinas eficazes para os tipos mais frequentes de HPV de alto risco e o desenvolvimento de testes de triagem que proporcionem a melhor relação custo/benefício (3). Existem vários obstáculos no que diz respeito aos programas de vacinação, como a perda da eficácia com a idade, atividade sexual e com o amplo espectro de subtipos virais. Dessa forma, estima-se o surgimento mundial, nos próximos 30 anos, de 15 milhões de novos casos de câncer cervical potencialmente evitáveis (51).

Apesar dos importantes avanços ocorridos em relação às estratégias de prevenção, as lesões de NIC1 ainda representam um dilema para os clínicos, muitas vezes resultando em condutas terapêuticas desnecessárias, preocupações às pacientes e aumento dos gastos de saúde pública. Na avaliação das lesões cervicais pré-invasivas, uma questão importante é o risco de progressão. O HPV de alto risco tem sido encontrado em todo o espectro das NIC, entretanto, apenas cerca de 10% das NIC1 progridem para NIC3 (21). Dessa forma, a possibilidade de predizer o comportamento de NIC1 pode ser de grande importância na prática clínica.

Entretanto, predizer a progressão de NIC1 pode ser difícil, uma vez que diversos fatores estão envolvidos, como acúmulo de mutações e status do sistema imunológico da paciente. Muitas vezes, mesmo havendo um diagnóstico de NIC3 em uma paciente com diagnóstico prévio de NIC1, devido à limitação dos métodos de amostragem e avaliação histopatológica, não se

pode concluir se esta lesão de alto grau está diretamente relacionada à NIC1 prévia ou se representa uma lesão de novo, através de novas infecções pelo HPV. Dessa forma, os critérios morfológicos são importantes para o diagnóstico dos diferentes graus de NIC, porém não permitem diferenciar ou predizer o comportamento biológico das NIC1, não sendo possível, do ponto de vista puramente morfológico, distinguir as lesões intraepiteliais cervicais de baixo grau que irão regredir ou persistir, daquelas com potencial para progressão para lesão de alto grau. São necessários, assim, marcadores que possam antever o comportamento destas lesões.

Publicações recentes têm mostrado a importância dos testes moleculares no seguimento clínico das pacientes com lesões de NIC1. Mehlhorn G et al (52), em um estudo multicêntrico prospectivo, avaliaram a relevância da análise da presença do capsídeo proteico L1 do HPV para otimizar o manejo clínico de 908 pacientes com lesões diagnóstico de NIC1 e NIC2 que apresentavam HPV de alto risco. A falta de expressão do capsídeo proteico viral L1 foi associada a 84% de evolução para NIC3, em comparação com apenas 20% dos casos que eram L1-positivos. Já outros autores, como Wang SS et al (53), comentam que os testes moleculares para detecção de HPV de alto risco apresentam altos níveis de sensibilidade, mas, pelo fato de a maioria das infecções regredir espontaneamente, principalmente em mulheres jovens, estes testes apresentam valor preditivo positivo limitado no que diz respeito à sua capacidade de identificar pacientes que apresentam risco elevado para desenvolvimento de câncer de colo uterino. Em outras palavras, a análise molecular do HPV de alto risco, que apenas identifica a presença viral, apresenta valor preditivo positivo baixo, pois, a integração do DNA viral ao DNA

da célula hospedeira só ocorre em poucas células infectadas.

Pelos nossos resultados, a progressão da lesão de NIC1 se associou à idade das pacientes. Este fato está em concordância com diversos autores que constataram integração do vírus principalmente em mulheres mais velhas (acima de 30 anos) (16, 27, 54), o que é consistente com a seleção dos clones com integração de HPV de alto risco na história natural das NIC (55).

É importante salientar, contudo, que podem ser necessários anos para que ocorram as alterações celulares relacionadas à integração do HPV de alto risco. No presente trabalho, o período entre as duas biopsias variou de 06 a 42 meses (média de 09 meses), e não foi observada diferença significativa na análise da curva de sobrevida. Estudos com períodos mais longos podem ser úteis para consolidar o papel preditivo destes marcadores.

Ainda assim, nós tivemos como objetivo avaliar os marcadores p16INK4a, Ki-67 e CK7 como possíveis preditores de progressão das NIC1, analisando se havia diferenças de expressão entre os casos que progrediram para lesão de alto grau daqueles que regrediram espontaneamente ou mantiveram o diagnóstico de NIC1.

O aumento da expressão imuno-histoquímica de p16INK4a têm sido relacionado à interferência avançada das oncoproteínas do HPV de alto risco (E6 e E7) nas proteínas envolvidas na regulação do ciclo celular (56, 57, 58). O papel diagnóstico deste marcador está bem estabelecido em pacientes com HPV de alto risco e em NIC2 ou 3, entretanto, a aplicação de p16INK4a na rotina de patologia cirúrgica é relativamente recente (40, 59). Embora diversas publicações tenham mostrado o aumento da expressão de p16INK4a em NIC2 ou 3 (39, 40), não há tantos relatos associados à expressão deste marcador em

NIC 1 (60, 61).

É importante salientar que o padrão de expressão imuno-histoquímica de p16INK4a é variado entre as publicações, o que pode levar a interpretações e resultados diferentes. Muitos autores consideram positiva a reação, quando há expressão nuclear e citoplasmática, de forte intensidade. Entretanto, outros autores têm interpretado a expressão citoplasmática como positiva (60, 61). Mahajan A et al (37) comentam que, na avaliação das reações imuno- histoquímicas de p16INK4a, é fundamental entender a localização intracelular desta expressão. Os mecanismos envolvidos no aumento da expressão de p16INK4a resultam em aumento do RNA mensageiro do p16INK4a (RNAm) e da proteína p16INK4a, sugerindo que a reação imuno-histoquímica positiva deva estar presente no núcleo, ou no núcleo e no citoplasma. Dessa maneira, as diretrizes propostas pelo projeto LAST (da língua inglesa Lower Anogenital

Squamous Terminology Standardization Project for HPV-Associated Lesions)

(38), nas quais nosso estudo se baseou, recomendam como reação positiva para p16INK4a aquela chamada “em bloco”, com reação contínua, forte e difusa, nuclear ou nuclear e citoplasmática, envolvendo pelo menos o terço inferior do epitélio displásico. A expressão puramente citoplasmática, focal, desigual e de fraca intensidade deve ser considerada negativa.

No presente estudo, através do método qualitativo de avaliação imuno- histoquímica, foi observada uma tendência de associação entre a expressão de p16INK4a e progressão para NIC2 ou 3, ainda que sem diferença significativa (p=0,126), o que pode ser atribuído ao relativo pequeno número de casos da amostra. Por outro lado, através da avaliação quantitativa, foi calculado, pela análise da curva ROC, um ponto de corte de 0,396 para razão entre o número

de células que expressaram p16INK4a e o número total de células de NIC1. A partir deste cálculo, foi feita a comparação, entre os três grupos, do número de casos de NIC1 que apresentavam esta razão de p16INK4a igual ou superior ao ponto de corte. E assim, foi observado um risco 3,27 vezes maior para progressão para NIC2 ou 3 nos casos com razão de p16INK4a maior ou igual a 0,396, com diferença significativa; ou seja, aquelas pacientes que apresentaram mais de 39,6% do epitélio com NIC1 com positividade para p16INK4a estiveram mais relacionadas à progressão para lesão de alto grau. Ainda em relação à expressão de p16INK4a, é importante observar que 94,8% dos casos de NIC1 que regrediram apresentam razão de p16INK4a inferior ao ponto de corte de 0,396. Estes resultados apoiam a hipótese de que casos que não apresentam expressão de p16INK4a têm uma tendência maior à regressão, semelhante ao demonstrado por Hariri e Øster (62). Estes autores avaliaram a expressão imuno-histoquímica de p16INK4a em um estudo retrospectivo em 200 pacientes, sendo 100 casos de NIC1, 50 de NIC2 ou 3 e 50 casos não neoplásicos, seguidos em um intervalo de tempo de pelo menos 5 anos. Dos 26 casos que não expressaram p16INK4a, 25 evoluíram com remissão espontânea de lesão. Lesão de alto grau, em contrapartida, só foi observada em um dos 26 casos que foram negativos para este marcador, mostrando um valor preditivo negativo de 96%. No nosso estudo, os resultados mostraram baixa sensibilidade (54,5%) e baixo valor preditivo positivo (52,1%) para a expressão p16INK4a e a evolução de NIC1. Por outro lado, os resultados mostraram valores relativamente altos de especificidade e valor preditivo negativo (75% e 76,4%, respectivamente).

presença de uma população celular situada na JEC, proveniente de remanescentes embrionários, as quais compartilham um painel gênico e expressão de biomarcadores em comum com NIC3, carcinomas epidermoides invasores e adenocarcinomas. Este painel, denominado “JEC-específico”, inclui CK7. Em estudo recente, van der Marel J et al (63), demonstraram, ainda, um espectro de lesões, situadas na JEC, variando de metaplasia imatura a NIC2 ou 3 que eram associadas a HPV dos tipos 16 e 18 e expressavam CK7. A implicação decorrente deste estudo foi de que a infecção desta população celular específica por HPV de alto risco desencadearia uma sequência progressiva de lesões, de metaplasia imatura a NIC2 e 3. Esta população celular parece não se regenerar após excisão da JEC, e as lesões de novo (após ablação) normalmente não expressam estes biomarcadores, sendo em sua maioria lesões de baixo grau, com tendência ainda maior à regressão espontânea. Dessa forma, esta população celular específica da JEC seria um local inicial de infecção do HPV de alto risco, anterior ao desenvolvimento de NIC e carcinomas invasores. Corroborando estes autores, Figueiredo et al (64), ao compararem a presença de DNA do HPV de alto risco em 78 mulheres com NIC antes e 4 meses após a excisão da zona de transformação com alça diatérmica, constataram diminuição significativa do DNA-HPV de alto risco após este tratamento. Assim, a identificação dos casos de NIC1 que expressem estes biomarcadores, com identificação e excisão desta população celular específica, poderia vir a reduzir as taxas de câncer de colo uterino. Em outra publicação (65), Mirkovic J et al comentam que este modelo proposto por Herfs e Crum explicaria muitas questões no que diz respeito à origem da carcinogênese do colo uterino, entretanto outras perguntas ainda precisariam

ser respondidas. A primeira é se esta população celular específica seria o local universal para infecções latentes de HPV de alto risco, o que parece improvável, tendo em vista a ampla distribuição topográfica das lesões relacionadas ao HPV no trato genital inferior feminino. Entretanto, tendo em vista sua maior exposição a estas infecções, por se tratar de uma população celular cuboidal de superfície, estas células poderiam ser vistas como um local preferencial para infecção inicial por estes subtipos virais. Isso poderia explicar a maior frequência de lesões precursoras no colo uterino do que em outros locais do trato genital inferior feminino.

De acordo com os resultados do nosso estudo, as NIC1 que expressaram CK7 estiveram mais relacionadas à progressão de lesão. É importante observar, entretanto, que de acordo com os métodos qualitativos de avaliação imuno-histoquímica, esta correlação, embora com maior tendência, também não obteve diferença significativa. Por outro lado, através da avaliação histomorfométrica, foi calculado um ponto de corte pela análise da curva ROC de 0,345 para razão entre o número de células que expressaram CK7 e o número total de células da área de NIC1. Posteriormente, estudou-se a distribuição, entre os três grupos, da porcentagem de casos de NIC1 que apresentaram razão de CK7 igual ou superior ao ponto de corte, sendo observada uma significativa associação entre progressão para NIC2 ou 3 e razão de CK7 maior ou igual ao ponto de corte, ou seja, aquelas pacientes que apresentaram mais de 34,5% do epitélio de NIC1 com positividade para CK7 estiveram mais relacionadas à progressão para lesão de alto grau, com diferença significativa. O risco para progressão para NIC2 ou 3 foi 5,4 vezes maior nos casos com razão de CK7 maior ou igual ao ponto de corte de 0,345.

Em contrapartida, assim como para p16INK4a, os resultados para CK7 mostraram baixa sensibilidade (40,9%) e um valor preditivo positivo moderado (64,3%). Ainda assim, uma alta especificidade (88,5%) e valor preditivo negativo relativamente alto (75%) favorecem a possibilidade de uma maior tendência de regressão nos casos que não expressam CK7.

O uso do Ki-67 como método auxiliar no diagnóstico das NIC está bastante estabelecido na literatura (66, 67). O epitélio cervical normal exibe essencialmente positividade nas camadas basal e parabasal, enquanto que a posição dos núcleos marcados no epitélio será mais alta quanto maior o grau da neoplasia intraepitelial (68). Pirog EC et al (69) e Kruse AJ et al (70), estudaram a importância deste marcador na diferenciação entre lesões benignas e displásicas, verificando que nas NIC são observados núcleos positivos para Ki-67 em aglomerados nas camadas superiores do epitélio. Poucos estudos, contudo, têm avaliado a utilidade deste marcador como adjuvante no comportamento das neoplasias intraepiteliais (71).

De acordo com os nossos resultados, as NIC1 que expressaram Ki-67 acima da camada parabasal estiveram mais relacionadas à progressão. Por outro lado, assim como p16INK4a e CK7, através da interpretação por métodos qualitativos de avaliação imuno-histoquímica (análise subjetiva), esta correlação também não obteve diferença estatística significativa, apesar de ter sido observado um maior número de casos com expressão de Ki-67 acima da camada parabasal no grupo que evoluiu com progressão para NIC2 ou 3. Porém, com a utilização da análise histomorfométrica, os resultados foram mais promissores. Através da análise da curva ROC, foi calculado um ponto de corte de 0,026, associado à progressão da lesão, para razão entre o número de

células que expressaram Ki-67 e o número total de células da área de NIC1. Posteriormente, estudou-se a distribuição, entre os três grupos, da porcentagem de casos de NIC1 que apresentaram razão de Ki-67 igual ou superior ao ponto de corte, sendo observada uma significativa associação entre progressão para NIC2 ou 3 e razão de Ki-67 ≥0,026. O risco para progressão para NIC2 ou 3 foi 4,4 vezes maior nos casos com razão de Ki-67 maior ou igual ao ponto de corte de 0,026. Apesar disso, deve-se ressaltar que muitos casos de NIC1 que não progrediram, apresentaram razão de Ki-67 maior que o ponto de corte. Avaliando criticamente este valor de 0,026 do ponto de corte, obtido pelo cálculo da curva ROC, percebemos que é numericamente baixo, devido à grande quantidade de casos que não expressaram o Ki-67 nesta amostra. Do ponto de vista prático, com a experiência na rotina diagnóstica, a ideia da expressão de Ki-67 em pouco mais de 2% do epitélio estar associada à progressão da lesão parece pouco provável. Entretanto, a avaliação dos valores da média da razão de expressão do Ki-67 nos três grupos de evolução caracteriza melhor as lesões, visto que há uma nítida diferença nos valores médios dos diferentes grupos. A média da razão de expressão do Ki-67 no total de casos foi de 0,06; nos que regrediram, a média da razão do Ki-67 foi de 0,02 e naqueles com progressão para NIC2 ou 3, a média do Ki-67 foi de 0,10, dado estatisticamente significante (p<0,001, teste de Kruskal-Wallis). Assim, poderíamos usar na prática diagnóstica, os valores médios encontrados relativos aos diferentes grupos de evolução, sendo a expressão de Ki-67 em 10% do epitélio, mais associada à progressão da lesão. Além disso, é importante lembrar que este método quantitativo de avaliação se deteve ao número de células Ki-67 positivas, e não à sua posição no epitélio ectocervical

(se acima ou restrito à camada para-basal). Este é um dado que também deve ser levado em consideração na avaliação e interpretação das reações e sua associação com a progressão.

A análise dos nossos resultados também demonstrou, para Ki-67, altos valores de sensibilidade (81,8%), do valor preditivo negativo (87,1%), e valores não tão altos para a especificidade e valor preditivo positivo (61,4% e 51,4%, respectivamente).

Pela nossa avaliação final, frente aos nossos resultados, podemos concluir que o comportamento de um caso isolado de NIC1 não pode ser afirmado, mas a expressão de p16INK4a, CK7 e Ki-67 poderá ser um bom indicador de maior probabilidade de progressão.

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