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A) Fluxo gênico entre materiais cultivados comercialmente e outros tipos de algodões

A discussão será realizada pensando na possibilidade de ocorrência de fluxo gênico entre variedades transgênicas e as plantas de G. barbadense.

Ocorre simpatria entre as plantas de G. barbadense e lavouras de algodão no

cerrado do estado do Mato Grosso. Nos municípios do cerrado pôde-se encontrar plantas de G. barbadense na periferia das cidades, bairros rurais e em propriedades

rurais, principalmente dos pequenos produtores. A quantidade e densidade de plantas nestas cidades é, geralmente, menor do que a encontrada nos municípios da Baixada Cuiabana e Pantanal.

Em município novos, como Primavera do Leste, pode-se perceber claramente que a maioria das plantas estão em residências de pessoas provenientes do próprio Mato Grosso ou de outros estados da região Centro-Oeste, cujo uso da espécie como planta medicinal é um aspecto cultural. Para aquelas pessoas provenientes de estados sem tradição de uso de G. barbadense, como Rio Grande do Sul e Paraná,

a manutenção de plantas em suas casas corresponde a um processo de aculturação pelo qual estão passando.

Embora possa haver cruzamentos com algodoeiros transgênicos próximos às cidades, o problema deverá ser mais acentuado quando indivíduos de G. barbadense estiverem em bairros rurais ou em pequenas propriedades próximas a

grandes lavouras, como verificado no assentado aos fundos da Fazenda São Francisco, em Rondonópolis, e no bairro ou distrito de Ouro Branco do Sul, em Itiquira. A proximidade entre a lavoura e as plantas nestes locais é menor, propiciando condições mais favoráveis para que cruzamentos ocorram. Este fato será estudado na continuidade deste projeto.

A análise preliminar realizada com os marcadores SSR permitiu observar grande diversidade genética nos entre os acessos coletados no estado. As análises com marcadores que estão sendo executadas em 2004 devem determinar a diversidade existente nos diferentes locais e o nível de fluxo gênico existente. Caso se verifique que a diversidade é maior entre populações, a estratégia de

manutenção da variabilidade in situ deverá privilegiar a preservação de G. barbadense em diversos locais. Em contrário, ou seja, a diversidade seja maior

dentro de populações, a manutenção das populações com maior diversidade deve ser suficiente para a adequada conservação in situ. Neste caso, deve-se considerar

também a possibilidade de ocorrência de fluxo gênico com algodoeiros herbáceos cultivados (transgênicos e convencionais) para a escolha das populações a serem preservadas, priorizando aquelas cuja probabilidade de cruzamento com cultivares é mais baixa. Como o cultivo de algodoeiro nos estado do Mato Grosso não é realizado na Baixada Cuiabana e no Pantanal, estas populações devem ser preferidas para a conservação caso apresentem alta diversidade.

A utilização das sementes das plantas de fundo de quintal é esporádica, resumindo-se ao replantio e fornecimento para parentes, vizinhos e amigos que desejam possuir uma planta. O número de plantas mantido em cada quintal é pequeno, de modo geral, de uma a três plantas. Segundo relato dos proprietários, a renovação é feita de modo espontâneo: as sementes caem no chão e germinam. Como a quantidade de novas plantas germinadas é maior do que os proprietários desejam manter, este excesso de plantas é eliminado com a capina do terreno. Logo, a quantidade usada para gerar novas plantas representa uma fração ínfima do total de sementes produzidas, mesmo naqueles locais em que o ataque de pragas, como a lagarta rosada, é alto.

Para aqueles transgênicos que conferem maior tolerância às lagartas que atacam os capulhos, o plantio de sementes híbridas deve conferir maior capacidade à planta de gerar sementes, fato ainda a ser comprovado pela experimentação ou durante o monitoramento após a liberação para cultivo comercial de algodoeiros geneticamente modificados.

Este fato deve ser interpretado sob três pontos de vista:

a) Aumento da capacidade competitiva das plantas em ambientes agrícolas

As espécies do gênero Gossypium possuem baixa capacidade competitiva. G. barbadense não foge à regra. O incremento na agressividade e competitividade

que eventualmente as plantas contendo o transgene possa adquirir não deve ser suficiente para torná-las plantas daninhas em ambiente agrícola, pois não deverá

para o sucesso de plantas daninhas, como a não indução de alelopatia, o crescimento lento, o ciclo longo, a ausência de dormência nas sementes e sua longevidade relativamente baixa.

b) Aumento da capacidade competitiva das plantas em ambientes naturais

Por conceito, populações ferais são aquelas que formadas por indivíduos domesticados que reverteram estavelmente seu estado para uma condição similar à selvagem. Portanto, a estabilidade a longo prazo é um preceito básico para classificar uma população como feral.

Seguindo este conceito, não se localizou nenhuma população tipicamente feral durante o período em que a coleta foi realizada. Ao contrário, muitos agricultores e moradores da região que conhecem bem a planta dizem desconhecer populações em ambientes naturais. Relatam que algumas vezes são encontradas em taperas, locais que havia sido ocupado por humanos e posteriormente abandonados, havendo sido plantadas por antigos moradores. Ainda segundo os relatos, tais populações são transitórias, desaparecendo gradualmente até sua completa supressão após alguns anos. Este fato se relaciona a dois fatores importantes para a região: as plantas não resistem às queimadas, que ocorrem espontaneamente ou são ocasionadas por práticas agrícolas e acidentes, e não são capazes de competir com as espécies mais agressivas.

c) Alteração das propriedades medicinais

Este é um problema que merece atenção. Sempre que indagadas, as pessoas entrevistadas afirmavam que as propriedades medicinais de G. barbadense

eram superiores àquelas do algodoeiro cultivado, não sendo localizadas plantas do algodão herbáceo mantidas como medicinal. Caso esta informação esteja correta e o fluxo gênico seja intenso, é possível que o efeito terapêutico das plantas de G. barbadense seja perdido junto com a descaracterização das espécie. Mas, não se

pode esquecer que as plantas híbridas serão fenotipicamente diferentes das plantas de G. barbadense puras em relação ao porte, tamanho e formato das folhas, flores e

sementes. Todos estes caracteres morfológicos podem e são usados para eliminar indivíduos híbridos dos puros, salvaguardando o uso da espécie. Também deve-se deixar claro que a perda das características medicinais ocorrerá da mesma forma com fluxo gênico de plantas transgênicas e convencionais.

B) Fluxo gênico entre lavouras

Os níveis de cruzamento verificados no experimento em que a barreira de milho foi utilizada foram baixos o suficiente para serem usados para qualquer fim que não a comercialização como semente básica. Para usar os grãos como sementes, a barreira de milho deve garantir a produção de sementes contendo níveis de contaminação genética dentro dos limites preconizado pelo Ministério da Agricultura para sementes básicas, 0,01% de plantas fora do tipo. Contudo, deve-se considerar que o campo de produção de sementes ocupa áreas bem maiores do que as parcelas utilizadas. Como as taxas de cruzamento tendem a cair a medida que as plantas estão mais longes da bordadura do talhão mais próxima à fonte de pólen externo, as plantas mais no interior do campo devem apresentar taxas extremamente baixas de fecundação cruzada. Caso se despreze a bordadura dos talhões, os 15 primeiros metros por exemplo, a pureza genética deve ser ainda maior.

Em relação à separação física exclusiva, sem o uso de barreiras, os resultados obtidos permitem inferir que a taxa de cruzamento reduz à medida que a distância física aumenta. Problemas verificados nos resultados deste experimento nas parcelas entre 300 e 1000m da fonte de pólen tornaram necessário repeti-lo na continuidade deste projeto para verificar a acurácia dos dados gerados.

A taxa de cruzamento dentro de um campo de algodão foi relativamente homogênea. Isto indica que o polinizador não apresentou maior atividade nas bordaduras do talhão, tendo sido ativo de modo relativamente homogêneo ao longo de toda a área amostrada. Este resultado fortaleça a hipótese que a perda de pólen durante a movimentação do polinizador e a diluição de externo pela visitação das flores de dentro da parcela sejam os responsáveis pela redução na taxa de fecundação cruzada observada no experimento da barreira de milho e em outros trabalhos (Moresco et al., 2002; Xanthopoulos & Kechagia, 2000; Queiroga et al., 1993; Queiroga et al., 1986, Umbeck et al., 1991; Llewellyn & Fitt, 1996; Xanthopoulos & Kechagia, 2000, Yasuor et al., 2000; Jia, 2002).

O percentual de transgênicos em alimentos e ingredientes alimentares a partir do qual é exigido a rotulagem dos produtos varia de acordo com os países. Nos EUA a não existe um limite e a rotulagem é facultativa. O valor mais baixo foi estipulado pela União Européia, 0,9%. Brasil, China, Austrália e Nova Zelândia determinaram que produtos com níveis acima de 1% devem ser rotulados. Japão, Canadá e Rússia estabeleceram como teto 5%. As taxas verificadas dentro das parcelas protegidas por barreiras de milho apresentaram valores bem abaixo destes limites.

Cabe considerar que a fibra formada em sementes oriundas de cruzamento provém do tegumento do óvulo, sendo, portanto, de origem materna. Assim, todas as sementes, mesmo aquelas formadas por cruzamento, são recobertas por fibra de formada exclusivamente em células maternas. Isto significa que uma planta convencional fecundada por pólen transgênico produzirá fibra exclusivamente não transgênica. Este detalhe importante genético pode permitir que a fibra produzida em lavouras de plantas convencionais seja classificada como não transgênica, mesmo nos casos em que os níveis de cruzamento excedam o percentual aceito para rotulagem. Porém, em casos em que o rigor é maior, como para fibra certificada como orgânica, provavelmente este aspecto biológico seja desconsiderado. O mesmo não ocorre com os grãos. Grãos provenientes de fecundação cruzada serão heterozigotos para o transgene e haverá expressarão as proteínas transgênicas no embrião e nos cotilédones.

Unindo as informações disponíveis na literatura e os resultados obtidos neste trabalho, é possível idealizar um primeiro esboço da metodologia de contenção de fluxo gênico via pólen, associando barreiras de plantas mais altas, barreiras do próprio algodão e distância física.

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