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105 3. Discussão geral e conclusão

Neste trabalho, investigamos os efeitos da administração repetida com doses baixas de reserpina em parâmetros motores e cognitivos. Podemos observar nos resultados tanto do experimento I quanto no experimento II que o tratamento repetido com reserpina (0,1 e 0,2 mg/Kg) é capaz de induzir alterações motoras. No experimento I, observamos alteração no comportamento de catalepsia avaliado vinte e quatro horas após a nona, a décima segunda e a decima quinta injeções para os grupos RES 0,1 e 0,2. No experimento II, pode ser observado na avaliação do comportamento de catalepsia, realizada antes, 24 e 48 horas após cada injeção, que a alteração motora aparenta ser progressiva. Na avaliação de outros parâmetros motores, como os movimentos orofaciais, também podemos observar uma alteração vinte e quatro horas após a décima quarta injeção, no experimento I, e vinte e quatro e quarenta e oito horas após a décima injeção, no experimento II. Nos parâmetros cognitivos observamos no experimento I, as alterações encontradas foram acompanhadas por déficits motores nos grupos RES 0,1 e 0,2. Entretanto, no experimento II, foram encontrados déficits motores sem alterações cognitivas no grupo RES 0,1 vinte e quatro e quarenta e oito horas após a sétima injeção. Os fatores bioquímicos analisados revelaram um aumento dos níveis de estresse oxidativo no estriado dos animais tratados com RES 0,1, quarenta e oito horas após a décima injeção (experimento II) e, uma diminuição da concetração de glutamato estrital dos animais dos grupos RES 0,1 e 0,2, cinco dias após a décima quinta injeção (experimento I).

No experimento I, observamos que os ratos tratados com doses repetidas de reserpina (0,1 e 0,2 mg/Kg) apresentaram alteração motora durante o periodo de

106 tratamento. Estes dados podem ser observados na avaliação do comportamento de catalepsia (24 horas após a nona, a décima segunda e a décima quinta injeções), na distância percorrida no labirinto em cruz da esquiva discriminativa (na sessão de treino, 24 horas após a décima injeção), nas tentativas de escapar no teste de medo condicionado ao contexto (48 e 72 horas após a décima quinta injeção). Contudo, os animais do grupo RES 0,05 não apresentaram alterações motoras durante o tratamento. Os resultados dos grupos RES 0,1 e 0,2 indicaram que o tratamento proposto pode apresentar estágios com ausência ou presença de alterações motoras. Entretanto, somente com estes dados não era possível determinar se as alterações motoras eram decorrentes de uma modificação progressiva permanente nas vias motoras ou de um efeito imediato de uma determinada injeção de reserpina. Dessa forma, no experimento II, escolhemos a dose de 0,1 mg/ Kg de reserpina pois esta foi capaz de induzir estágios nas alterações motoras (ausência e presença de alterações motoras) e avaliamos o efeito da reserpina sobre a motricidade (por meio da avaliação da catalepsia, um parâmetro importante para a detecção de sinais motores em modelos animais de PD) (Chinen & Frussa-Filho 1999, Diaz et al. 2001) vinte e quatro horas e quarenta e oito horas após as administrações, durante todo o tratamento. Assim, no experimento II, os resultados demonstraram que a administração repetida de 0,1 mg/kg de reserpina induziu um aumento gradual do tempo de imobilidade cataléptica, quando comparado com o grupo controle. Estes dados indicam uma possível semelhança ao processo neurodegenerativo encontrados em humanos com DP onde as alterações gradativas dos circuitos dos núcleos da base provocam um aparecimento progressivo dos sintomas parkinsonianos (distúrbios comportamentais nos quais a rigidez, o tremor e a bradicinesia são caracteríticos) (Johnston et al. 1999, Lindner et al. 1999,

107 Deumens et al. 2002, Ridley et al. 2006, Meredith et al. 2008a). Além disso, evidências sugerem que o comportamento de catalepsia em animais está diretamente relacionado à alterações no sistema dopaminérgico (Chinen et al. 1999, Gongora-Alfaro et al. 2009). Um estudo em ratos com administração intraventricular de 6-OHDA demonstrou um efeito dose dependente no tempo de permanência da posição caléptica (Díaz et al. 2001). Dessa forma, os dados apresentados no experimento II parecem corroborar estudos que mostram que a reserpina induz alterações motoras (Kannari et al. 2000, Farley et al. 2006). Outro dado importante é que no experimento II encontramos um aumento dos níveis de peroxidação lipídica no estriado concomitante ao aumento do comportamento cataléptico sugerindo uma relação entre os fatores.

Outro parâmetro motor avaliado nos experimento I e II foi os movimentos orofaciais. Esta avaliação foi realizada através de três parâmetros que são: o número de protrusões de língua; o número de movimentos de mastigação que não fosse direcionado a nenhum objeto (vacuous chewing movements); e a duração de tremores de queixo (em segundos). O comportamento de mastigação é um movimento repetitivo da mandíbula (de freqüência de 03-06 Hz) que pode ser induzido por alterações dopaminérgicas (Jicha & Salamone 1999, Díaz et al. 2001) e tem sido proposto por alguns pesquisadores como um modelo de tremor parkinsoniano (Salamone & Baskin 1996, Dutra et al. 2002). No experimento I, observamos que os animais dos grupos RES 0,1 e 0,2 apresentaram um aumento em todos os parâmetros orofacias avaliados, vinte e quatro horas após a décima quarta injeção. Aparentemente, este resultado foi concomitante com as alterações motoras encontradas na avaliação do comportameto cataléptico. Entretanto, não foi possível confirmar esta hipótese já que não havíamos feito a mensuração da

108 catalepsia neste período do tratamento. Dessa forma, no experimento II, avaliamos os movimentos orofaciais vinte e quatro horas após a quinta e a décima injeção, e quarenta e oito horas após a décima injeção. Os resultados obtidos mostraram que os animais do grupo RES 0,1 apresentaram alterações nos movimentos orofaciais 24 e 48 horas após a décima injeção, concomitantemente às alterações motoras das análises do comportamento de catalepsia. Estudos anteriores com administração aguda de reserpina corroboram com estes resultados encontrados (Faria et al. 2005, Peixoto et al. 2005). Além disso, Sussman et al. (1997) demonstraram que a discinesia oral induzida pela reserpina persistiu por 84 dias e produziu uma dimunição de 74% da dopamina da via caudado-putâmen três dias após a injeção mas esta diminuição não foi observada 84 dias após a injeção. Dessa forma, as mudanças neurobiológicas subjacentes ao comportamento em debate ainda não estão bem compreendidas.

Um parâmetro cognitivo avaliado no experimento I foi o modelo da esquiva discriminativa em labirinto em cruz elevado. Este modelo permite a avaliação concomitantemente, por parâmetros diferentes, da memória, da ansiedade e do comportamento motor (Silva & Frussa-Filho 2000, Silva et al 2002a). Os resultados mostraram que o grupo RES 0,05 não apresentou alteração nos parâmentros avaliados. Entretando, o grupo RES 0,1 apresentou alteração na porcentagem de tempo de permanência no braço aversivo concomitantemente às alterações motoras. As alterações motoras encontradas no grupo RES 0,1 não prejudicaram a aquisição da tarefa, no treino, prejuízo que foi constatado no grupo RES 0,2. Dessa forma, no experimento II, decidimos utilizar a dose de 0,1mg/Kg de reserpina em um período do tratamento onde não houvesse (ou fossem mínimas) alterações motoras na avaliação de catalepsia. Assim sendo, a esquiva discriminativa foi realizada vinte

109 e quatro e quarenta e oito horas após a sétima injeção. A administração repetida de 0,1mg/Kg de reserpina não induziu alteração na memória, mas houve alteração na distância percorrida no labirinto. Estes resultados são contrários a outros estudos nos quais os autores utilizaram um tratamento agudo de reserpina no mesmo modelo comportamental (Silvia et al. 2002a, Carvalho et al. 2006). A este respeito existem evidências na literatura mostrando que níveis excessivos ou insuficientes de dopamina podem alterar a memória emocional (Cools et al. 2002, Halbing et al. 2008). Além disso, estudos indicam que as vias dopaminérgicas têm propriedades intrínsecas capazes de ativar mecanismos compensatórios que são diferenciados dependendo nos níveis de alteração (Castaneda et al. 1990, Bezard & Gross 1998, Berzard et al. 2001, Mawlawi et al. 2001, Cropley et al. 2006). Assim sendo, a dose e o protocolo de tratamento utilizado no experimento II provavelmente pode ter induzido um decréscimo dos níveis de dopamina que foram contrabalanceados por um mecanismo compensatório de plasticidade nos sistemas neuronais relacionados à memória. Portanto, o tratamento repetido com reserpina, foi eficiente na indução de déficits motores, mas não em alterações cognitivas, pelo menos nos paradigmas utilizados neste trabalho. Entretanto, deficiências cognitivas foram observadas em ratos lesados com MPTP nos testes de esquiva ativa e labirinto aquático (Da Cunha et al. 2002) e em pacientes com DP (Bowers et al. 2006, Halbig et al. 2008). Dessa forma, seria interessente verificar os efeitos do tratamento repetido de reserpina 0,1 mg/kg em outros modelos de memória ou mesmo em outras funções cognitivas.

No desenvolvimento da DP ocorrem mortes de neurônios dopaminérgicos, entretanto, existe um período que precede o aparecimento dos primeiros sinais clínicos onde o sistema mantem certo nível de funcionamento (Bezard & Gross 1998). Tudo indica que as vias dopaminérgicas possuem propriedades intrínsecas

110 capazes de acionar mecanismos compensatórios (Castaneda et al. 1990, Bezard & Gross 1998, Berzard et al. 2001, Mawlawi et al. 2001, Cropley et al. 2006). Estes mecanismos compensatórios parecem ser diferenciados dependendo do nível de perda de dopamina (Bezard & Gross 1998). Estes mecanismos podem ser através da regulação dos receptores de dopamina assim como super sensibilização deste ou aumento de liberação de dopamina em terminais remanescentes como demonstrado em animais lesados com 6-OHDA (Castaneda et al. 1990). Entretanto, existem contradições quanto à relação entre perdas de células dopaminérgicas e sintomas clínicos (Bezard & Gross, 1998). Este fato sugere que os sintomas clínicos poderiam estar vinculados não somente com as alterações dopaminérgicas, mas também com a atuação de outros sistemas não-dopaminérgicos (Bezard & Gross 1998, Blandini et al. 2000). Assim sendo, no experimento I, foi observada diminuição na concentração do nível de glutamato estriatal dos grupos RES 0,1 e 0,2 cinco dias após a décima quinta injeção. Este resultado corrobora o estudo de Day et al. (2006) que mostraram que ocorre perda de sinapses glutamatérgicas no estriato-pallidal após a depleção dopaminérgica. Seria interessante ter realizado análises bioquímicas dos níveis de dopamina no estriado dos ratos do experimento I. Contudo, por problemas de ordem técnica, não foi possível realizar estas análises. Em vista destes fatores, e de evidências que indicam uma relação de estresse oxidativo cerebral com a fisiopatologia da doença de Parkinson (Cadenas & Davies 2000, Beal 2003), resolvemos avaliar os danos oxidativos no estriado e no hipocampo causado pela reserpina no experimento II. Assim sendo, no experimento II, foi observado um aumento nos níveis de estresse oxidativo do estriato, 24 horas após a décima injeção, o que mostra que possíveis danos celulares podem estar ocorrendo nesta área. De uma forma geral, uma hipótese que podemos levantar dos

111 dados encontrados nos dois experimentos seria: a redução da atividade dopaminérgica nigroestriatal induzida por danos oxidativos alteraria a atividade do globo pallidum e da substância nigra reticutala, resultando na diminuição da atividade talâmina e cortical, que finalmente, levaria a redução da atividade glutamatérgica corticoestriatal. Roberts et al. (1982) sugerem que um possível mecanismo compensatório para a redução da atividade glutamatérgica corticoestriatal que seria o aumento de receptores NMDA levando a uma supersensibilidade que compensaria a regulação da liberação de dopamina.

A reserpina é uma droga que evita o armazenamento de monoaminas nas vesículas sinápticas através da inibição da ação dos transportadores da membrana que captam as monoaminas para dentro da vesícula (Liu et al. 1996, Verheij & Cools 2007). Dessa forma, as vesículas sinápticas permanecem vazias e conseqüentemente não há neurotransmissores para serem liberados na fenda sináptica quando um potencial de ação atinge o botão sináptico (Rang et al. 2004). Então, a atuação da reserpina não se restringe apenas nas vias dopaminérgicas, atuando também nas vias noradrenérgicas e serotoninérgicas. Este fator poderia ser uma limitação da utilização desta droga como um modelo farmacológico de Parkinson se não houvesse relatos na literatura demonstrando que existem também alterações em outras vias monoaminérgicas na DP (Devos et al. 2010, Fox et al. 2009).

Podemos concluir através dos resultados obtidos nos experimentos I e II que: 1. A administração repetida de 0,1 mg/Kg de reserpina em ratos é capaz de

induzir o aparecimento gradual de sinais motores compatíveis com as características progressivas encontrados em pacientes com DP (Klockgether 2004);

112 2. Os sinais motores induzidos através da administração repetida de 0,1 mg/Kg de reserpina em ratos foram acompanhados por um aumento dos níveis de estresse oxidativo no estriado que está de acordo com trabalhos que sustentam a hipótese do aumento de radicais livres estarem relacionados à DP (Cadenas & Davies 2000, Beal 2003, Abílio et al. 2004, Faria et al. 2005, Teixeira et al. 2009);

3. Foram encontradas alterações nas concentrações de glutamato no estriato nos grupos tratados com doses repetidas de 0,1 e 0,2 mg/Kg, cinco dias após a décima quinta injeção, corroborando os estudos prévios;

4. O protocolo de tratamento aplicado não foi capaz de induzir déficits cognitivos sem alteração motora, dados corroborados pela ausência de alteração dos níveis de estresse oxidativo no hipocampo.

Dessa forma, são necessários mais estudos para a compreensão das mudanças nos sistemas de neurotransmissão durante o processo de aparecimento dos sinais parkinsonianos no modelo proposto.

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