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O desenvolvimento de novas terapias para o tratamento da Anemia Falciforme é um objetivo importante e muito pesquisado atualmente. A hidroxiureia (HU) é o único medicamento aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da AF. A HU é capaz de aumentar os níveis de hemoglobina fetal e contribui para uma melhor evolução clínica da doença 41, 42, 43. Visto que nem todos os pacientes respondem significativamente à terapia com HU, a busca por novas opções terapêuticas que ofereçam outras possibilidades de tratamento, aliando efeitos anti-inflamatórios, aumento da síntese de hemoglobina fetal e melhora na biodisponibilidade de óxido nítrico (NO) é uma estratégia promissora.

Na primeira etapa deste trabalho, realizamos um screening dose/resposta de um dos compostos (SCD2013.2) em células K562 para identificar a dose inicial, eficaz e não-tóxica, para tratamento em células CD34+. O híbrido SCD2013.2 aumentou em, aproximadamente, 2 vezes a expressão do RNAm de gama globina em células K562 na concentração de 5µM, após 48 e também 96 horas de tratamento, comparado as células não tratadas. A partir dessa análise prévia em K562, optamos por iniciar o tratamento com os compostos SCD2013.1 (2,5µM) SCD2013.2 (5µM) e SCD2013.3 (5µM) em células CD34+ de indivíduos controle diferenciadas para linhagem eritroide. Os dados obtidos demonstraram que os três compostos testados apresentaram uma tendência para o aumento da síntese de HbF, no entanto, após aumento do número amostral, nenhum resultado estatisticamente significativo foi observado. Como controle positivo, foi realizado o tratamento com 100µM de HU, concentração essa descrita na literatura, capaz de induzir os níveis de HbF in vitro48. Após o tratamento com HU, observamos um aumento de 1,89 vezes na produção de HbF quando comparado às células não tratadas. Diante da ausência de indução de níveis significativos de HbF com os híbridos de Talidomida+núcleo furoxânico, escolhemos duas novas moléculas sintetizadas no LAPDESF/UNESP sob coordenação do Prof. Dr. Jean Leandro dos Santos. O primeiro novo composto foi denominado GABI-1; é um híbrido de hidroxiureia + pomalidomida e a segunda nova molécula foi denominada JS-PD; um inibidor de Bromodomínio 3, molécula responsável pelo recrutamento de GATA1

durante o silenciamento de γ-globina. Células CD34+

diferenciadas para linhagem eritroide foram tratadas com os dois novos compostos nas concentrações de 1, 2,5, 5 e 10µM no 9° dia de cultivo e coletadas no 13° dia. Após análise da expressão gênica de γ-globina por qPCR, nenhum aumento estatisticamente significativo foi observado nas culturas tratadas com as duas novas moléculas. Dulmovits e

colaboradores 93 demonstraram que a Pomalidomida, um análogo da Talidomida, é

capaz de aumentar hemoglobina fetal em cultura de células primárias agindo nos primeiros dias da diferenciação eritroide. No protocolo utilizado em nosso laboratório, as drogas são adicionadas no 9° dia de diferenciação, o que talvez possa dificultar a indução de HbF por meio dos compostos estudados. Dessa forma, um novo protocolo de diferenciação eritroide 94 foi implementado, para que seja possível explorar com maior eficácia os efeitos de derivados de Talidomida em culturas CD34+ no início da diferenciação eritroide.

Outra parte deste projeto foi a avaliação do efeito anti-inflamatório dos híbridos de Talidomida+núcleo furoxânico. Sabe-se que a adesão de hemácias e leucócitos ao endotélio, bem como a interação dessas células e outros tipos celulares, conduz à obstrução vascular e crises dolorosas em pacientes com anemia falciforme 95, 96. Além disso, Lanaro e colaboradores 17 demonstraram aumento dos níveis plasmáticos e de RNAm de TNF-α e IL-8, duas citocinas pró-inflamatórias, em pacientes com anemia falciforme no estado estável, dados que estão de acordo com o estado inflamatório crônico apresentado por esses pacientes. Para identificar as melhores doses que permitissem 75% de viabilidade celular nos ensaios de adesão estática de neutrófilos de indivíduos controle e pacientes com Hemoglobinopatia SC, optamos por utilizar o teste de MTT. Testamos as concentrações de 5µM, 50µM e 100µM dos compostos SCD2013.1 e SCD2013.3, porém, apenas a dose de 5µM apresentou menor efeito citotóxico. Nos ensaios de adesão estática de neutrófilos controle tratados com o compostos SCD2013.1 (5µM) foi observada uma redução estatisticamente significativa da adesão dessas células estimuladas somente com TNF-α à FN (***p<0,0001; n=10). O composto SCD2013.3 na dose de 5µM também foi capaz de reduzir significativamente a adesão de neutrófilos de indivíduos controles comparados às células tratadas apenas com o veículo e estimuladas com TNF-α (***p<0,0001; n=10). Canalli e colaboradores 97

doadores de NO são capazes de diminuir a adesão de neutrófilos à ICAM-1 e à fibronectina in vitro. Os compostos SCD2013.1 e SCD2013.3 doam NO por meio da subunidade furoxânica presente em ambos, o que nos faz pensar que, talvez, a redução da adesão dos neutrófilos à FN esteja associada à doação de óxido nítrico. Assim como nas culturas de células CD34+, a HU foi utilizada como controle positivo, uma vez que o seu potencial em diminuir a adesão celular ao endotélio está bem fundamentado na literatura 76, 77, 78. Nos primeiros experimentos, realizamos os ensaios utilizando a HU no mesmo tempo de incubação dos compostos, para isso, as células foram pré-tratadas, individualmente, com os compostos e com HU por 1 hora e, em seguida, estimuladas com TNF- α e adicionadas à placa recoberta com FN por 30 minutos. Nesse modelo de tratamento com a HU, não foi observada diferença significativa nas doses testadas (100µM, 500µM e 1000µM). Sendo assim, diante dos resultados, decidimos utilizar o protocolo de tratamento com HU de acordo com as condições experimentais já publicadas pelo nosso grupo de pesquisa 98

. Nessas condições, em que as células foram pré-tratadas por 15 minutos com HU, a dose de 500µM foi capaz de diminuir significativamente a adesão de neutrófilos estimulados com TNF-α à FN comparada ao veículo (H2O). Ressaltamos que, em concentração bem menor que a HU, os compostos SCD2013.1 e SCD2013.3 já foram capazes de diminuir a adesão celular à FN. Recentemente, também demos início aos ensaios com neutrófilos de pacientes com Hemoglobinopatia SC, onde observamos o mesmo perfil de diminuição da adesão por meio dos compostos 2013.1 e 2013.3 na dose de 5µM, exceto pela HU, que na dose de 500µM apresentou diminuição significativa da adesão em indivíduos controle e o mesmo efeito não foi observado em neutrófilos de pacientes.

Para compreender melhor a atividade que diminuiu a adesão de neutrófilos à FN dos compostos em questão, macrófagos de indivíduos controle foram tratados com os compostos SCD2013.1 e SCD2013.3 e estimulados com LPS, a fim de mensurar a inibição ou não da produção da citocina pró-inflamatória TNF-α por meio dessas células. Antes de dar início aos experimentos, fez-se necessário, assim como para o ensaio de adesão de neutrófilos, identificar as doses dos compostos que nos permitissem obter 75% de viabilidade celular. Inicialmente, optamos por utilizar o mesmo ensaio de MTT realizado em neutrófilos, no entanto,

não obtivemos êxito, os monócitos/macrófagos não reagiram com o MTT e não foi possível avaliar a viabilidade de cada tratamento. Jo e colaboradores 99 sugeriram que a citotoxicidade de células primárias pode ser avaliada de maneira incorreta em ensaios com MTT e que outros ensaios sejam feitos simultaneamente para produzir resultados mais precisos. Além disso, alguns trabalhos mostraram limitações demonstradas pelo MTT quando comparado a outros ensaios de viabilidade 100, 101. Sendo assim, optamos por realizar o ensaio de viabilidade celular dos monócitos/macrófagos com o Kit Live/Dead (Thermo Scientific) e definimos como doses ideais de viabilidade dos compostos SCD2013.1 e SCD2013.3 1µM e 2,5µM.

Realizamos a quantificação de TNF-α no sobrenadante das culturas de macrófagos tratadas com os compostos SCD2013.1 e SCD2013.3 nas doses de 1µM e 2,5µM e observamos que o composto SCD2013.1, nas duas doses testadas, foi capaz de diminuir significativamente a produção dessa citocina. Nossos achados estão de acordo com Sampaio e colaboradores 61 que demonstraram que a Talidomida foi capaz de diminuir a produção de TNF-α em monócitos estimulados com LPS. Casal e colaboradores 102 também obtiveram resultados semelhantes quanto à atividade anti-inflamatória de análogos de Talidomida anti-TNF-α. O composto SCD2013.3 (1µM e 2,5µM) não foi capaz de reduzir os níveis de TNF-α nas concentrações testadas, no entanto, apresentou a capacidade de reduzir a adesão de neutrófilos à FN, como descrito anteriormente.

As três moléculas estudadas, embora sejam híbridos dos mesmos grupos farmacofóricos, parecem possuir atividades biológicas diferentes. Os compostos SCD2013.2 e SCD2013.3 possuem o espaçador N-acilidrazona, que possui atividade anti-inflamatória e antiagregante plaquetária103,104 já o composto SCD2013.1 possui um espaçador isopropílico, que não exerce atividade biológica. A doação de NO por meio dos três compostos é semelhante. Dados anteriormente publicados 91 mostraram que o composto SCD2013.3, que não apresentou atividade anti-inflamatória in vitro, diminuiu a produção de TNF-α em culturas de monócitos de camundongos nas concentrações de 6,25, 12,5 e 25µM. Nos experimentos realizados neste trabalho, a concentração máxima viável em monócitos humanos foi

de 2,5µM. A concentração utilizada talvez não tenha sido eficaz em demonstrar o potencial anti-inflamatório da molécula em questão.

Doadores de NO tem sido associados a moléculas de diversos outros medicamentos com o intuito de potencializar o seu efeito. Turnbull e colaboradores105 demonstraram que um híbrido de aspirina+grupo furoxânico foi capaz de inibir a produção de TNF-α em macrófagos humanos após estímulo por LPS e sugeriram que tal efeito ocorra através da inibição de NFκB pelo NO. De fato, o grupo farmacofórico Ftalimídico da Talidomida nas moléculas estudadas é, isoladamente, um grande fator anti-inflamatório presente nos compostos, no entanto, esse efeito pode ter sido potencializado pela presença do derivado furoxânico.

Ferioli e colaboradores86 demonstraram que derivados furoxânicos doaram NO na presença de 5mM de L-cisteína e que essa doação correlacionou significativamente com a ativação da via GCs. Os meios de cultura utilizados possuem concentrações consideráveis de L-cisteína. A indução de HbF é uma propriedade não demonstrada pelos compostos estudados, que pode ter relação tanto com a estrutura-atividade das moléculas ou com o protocolo utilizado. Como mencionado anteriormente, um novo protocolo de diferenciação eritroide será testado.

Os resultados apresentados dão ênfase à atividade anti-inflamatória do composto SCD2013.1 e que, embora não tenha sido capaz de aumentar a produção de hemoglobina fetal in vitro, apresentou um possível efeito terapêutico que pode contribuir para reduzir o estado inflamatório crônico observado na doença falciforme.

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