507
A riqueza de primatas na Mata Atlântica será alterada ao longo do espaço com as 508
mudanças climáticas. Atualmente, zonas mais rica em espécies estão concentradas no 509
centro do bioma, e haverá um deslocamento e concentração da riqueza em áreas mais 510
próximas ao litoral no futuro. É importante destacar que áreas localizadas na costa da 511
Mata Atlântica estão mais vulneráveis às mudanças climáticas, especialmente 512
diminuição na precipitação e aumento da temperatura (Graham et al. 2016). Outra zona 513
de alta riqueza atualmente está localiza ao oeste do bioma, em áreas de transição entre a 514
Mata Atlântica e o Cerrado. Observamos que para esta região ocorrerá a maior redução 515
no número de espécies. Regiões de ecótonos são altamente dinâmicas, e estão 516
susceptíveis à forte influência das mudanças no clima (Noble 1993). Além disso, é 517
31 esperado que, no futuro, tais regiões experimentem mudanças no regime de precipitação 518
e venham a tornarem-se mais semelhantes com áreas de savanas (Scarano & Ceotto 519
2015). É importante ressaltar que as espécies de primatas aqui estudadas, possuem pelo 520
menos 3 mil ha ou mais de 50 % de sua distribuição na Mata Atlântica, então essas 521
mudanças na riqueza próximas ao Cerrado não têm influência de espécies que tem sua 522
distribuição quase inteiramente em outro bioma, com uma pequena porção na Mata 523
Atlântica. Assim, mudança nas regiões de ecótonos pode influenciar a composição de 524
espécies de primatas nessas áreas de forma direta, uma vez que as características 525
climáticas têm relação com as tolerâncias fisiológicas dos organismos, e indireta, 526
através de alterações na cobertura florestal. 527
A redução da riqueza de espécies contribui para mudança na composição da 528
comunidade, e isso pode alterar a diversidade beta tanto temporalmente quanto 529
espacialmente. A diversidade beta espacial aumentará no futuro, dessa forma, as 530
comunidades de primatas devem tornar-se mais heterogêneas no futuro em função das 531
mudanças climáticas. Atualmente os maiores valores de diversidade beta restringem-se 532
a poucas áreas nos limites a oeste do bioma. Nos cenários de mudanças climáticas o 533
número de locais com valores mais altos de diversidade beta aumenta, formando faixas 534
mais amplas ao longo da faixa oeste do bioma. Além disso, projeta-se redução da área 535
das distribuições das espécies quando comparamos as distribuições atuais e as futuras. 536
Essa redução na área de distribuição das espécies pode estar relacionada com o aumento 537
do número de locais (quadrículas) com valores altos de diversidade beta espacial ao 538
longo do bioma no futuro. Isso é previsto pela hipótese de heterogeneização, em que a 539
redução da área das distribuições e/ou extinção local promovem a heterogeneização 540
(Ochoa-Ochoa et al. 2012), ou seja, o aumento da diversidade beta espacial. O maior 541
nível de mudança espacial na composição de espécies pode ser explicado por altas taxas 542
de extinção locais direcionadas pelo clima (Lewthwait et al. 2016). Poucas espécies 543
apresentarão aumento da área de distribuição. Especificamente para essas espécies, a 544
disponibilidade de condições climáticas favoráveis para sua ocorrência deve aumentar 545
no futuro. 546
Além das mudanças na diversidade beta espacial, a composição das 547
comunidades de primatas será alterada temporalmente. As maiores mudanças na 548
composição de espécies de primatas ao longo do tempo foram observadas, 549
32 principalmente, na região central da Mata Atlântica e em áreas ao oeste do bioma 550
próximas ao Cerrado. Esses são os locais em que a composição de espécies mais 551
mudará no futuro, em função das mudanças climáticas. A alta diversidade beta temporal 552
indica que em tais áreas a composição de espécies mudará mais no futuro, quando 553
comparadas com a sua composição atual. A diminuição da riqueza teve grande 554
contribuição na mudança na composição de espécies nesses locais, pois áreas com alta 555
diversidade beta temporal foram congruentes com áreas com alta diferença na riqueza 556
de espécies atual para o futuro. Isso também é confirmado pela importância maior do 557
aninhamento do que do turnover na formação da diversidade beta espacial. 558
É importante ressaltar ainda que mudanças na composição das comunidades 559
podem ter consequências ecológicas significativas para o funcionamento dos 560
ecossistemas (Barbet-Massin & Jetz 2015; Pecl et al. 2017). Por exemplo, os primatas 561
desenvolvem diferentes relações ecológicas, sendo presas, predadores ou mutualistas 562
em redes tróficas, a perda de qualquer uma dessas relações influencia a estrutura e a 563
resiliência do ecossistema, alterando o seu funcionamento (Estrada et al. 2017). 564
Portanto, compreender como os padrões de diversidade serão influenciados no futuro é 565
importante para nortear estratégias de conservação (Angeler 2013). Tais padrões 566
permitem identificar, por exemplo, áreas com alta riqueza de espécies atualmente e no 567
futuro, e locais onde não haverá grandes perdas, como é o caso das regiões mais a oeste 568
na região central da Mata Atlântica. Além disso, do ponto de vista de representação da 569
diversidade, os locais com alta diversidade beta são importantes, pois são muito 570
diferentes, em composição de espécies dos seus vizinhos. Ainda que tenham baixa 571
riqueza, podem conter espécies endêmicas ou de distribuição restrita. 572
Utilizamos variáveis climáticas como preditoras da ocorrência de espécies, sem 573
considerar outros fatores que atuam sobre suas distribuições, como por exemplo, 574
diretamente, interações bióticas e limitações de dispersão. Entretanto, as nossas análises 575
foram realizadas apenas dentro da extensão de ocorrência conhecida de cada espécie, 576
considerando apenas os modelos de adequabilidade de habitat dentro dessas extensões. 577
Essa abordagem considera, indiretamente, aspectos conhecidos que limitam a 578
distribuição dessas espécies como, por exemplo, barreiras geográficas. Podemos 579
considerar essa abordagem conservadora, uma vez que mudanças para além da nossa 580
extensão de análise não foram consideradas, e, de forma geral, as mudanças estão 581
33 subestimadas. Sabemos que fatores climáticos devem atuar de forma sinergética com 582
outras fontes de ameaças aos primatas, por exemplo, perda e fragmentação de habitat, as 583
quais não foram avaliadas aqui. 584
Os resultados obtidos nesse estudo ajudam a entender como as mudanças 585
climáticas influenciam a diversidade no tempo e no espaço via mudanças nas 586
distribuições geográficas, e fornecem um olhar geral, em grande escala espacial, sobre o 587
impacto das mudanças climáticas sobre a diversidade de primatas da Mata Atlântica 588
brasileira. Estudos futuros devem procurar entender as reações particulares de cada 589
espécie às mudanças no clima, bem como, mudanças na disponibilidade de habitat 590
florestal, a fim de buscar encontrar medidas para minimizar os impactos sobre a 591
diversidade de primatas no bioma. 592
34