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6 DISCUSSÃO

Neste estudo, apresentamos que indivíduos que possuem ao menos um alelo R do gene ACTN3 R577X tem uma maior dependência do metabolismo de glicose do que indivíduos XX e isso pode ser um fator chave no desencadeamento do MAM, uma vez que, apesar de não haver diferença entre grupos na quantidade de indivíduos que apresentaram os sintomas, apenas voluntários do genótipo RR desenvolveram a doença.

O primeiro resultado que é importante ressaltar é o fato de que neste estudo, a SpO2 demonstrou associação com os sintomas do MAM, uma vez que a diminuição da SaO2 é o seu principal fator indutor. Um estudo feito durante três meses nos Alpes entre 2.200m e 3.817m que aplicou o questionário Lake Louise e mediu SaO2 e FC em 506 montanhistas de diversas nacionalidades demonstrou que o principal sintoma do MAM, a dor de cabeça, está diretamente relacionado à baixa SaO2, além de alta percepção de esforço e baixo consumo hídrico (Burtscher et al. 2011). Nosso resultado reforça esta interação, pois entre todas as variáveis fisiológicas analisadas, somente a SpO2 apresentou associação com os sintomas relatados pelos voluntários. Apesar de a FC ter apresentado aumento significativo em toda a amostra desde a primeira hora de exposição comparado com o momento Antes, não encontramos associação com o MAM, diferentemente de outros artigos (Bian et al., 2015).

Porém, o principal resultado do nosso estudo foi a associação do alelo R do polimorfismo R577X da ACTN3 com a presença de sintomas do MAM. Apesar de vários genes terem sido estudados na tentativa de encontrar uma relação com os sintomas (Tomar et al., 2015; MacInnis et al., 2010), nosso estudo é o primeiro a relacionar esta condição com os genótipos da ACTN3 R577X, mostrando que indivíduos com genótipo XX sofrem menos os efeitos da hipóxia durante aclimatação. Esse resultado, de certa forma, corrobora achados anteriores que mostraram existir maior prevalência do alelo X em montanhistas profissionais quando comparados com indivíduos normais (Djarova et al., 2013) e maior percentual de fibras do tipo I em populações residentes em altas altitudes como os

Quechua do Peru (Rosser e Hochachka, 1993) e os Sherpas e Tibetanos (Gilbert- Kawai et al. 2014).

Sabendo que a exposição à altitude aumenta a metabolização de glicose (Brooks et al., 1991; Chen et al., 2015), assim como a prática de atividade física e que estes dois fatores poderiam induzir os sintomas do MAM (Litch, 1996; Roach et al., 2000), os voluntários do presente trabalho receberam um lanche padrão imediatamente antes de entrar na câmara normobárica, para normalizar a glicemia, e ficaram o tempo todo de exposição sem realizar nenhum esforço físico. Entretanto, dois de nossos voluntários apresentaram sintomas do MAM. Tal fato poderia ser explicado nesses indivíduos se os mesmos apresentassem IMC acima de 25 kg/m2, que é considerado como fator de risco para desenvolvimento do MAM (Maltin, 2008; San Martin et al., 2017; Yang et al., 2013, Ri-Li et al., 2003), porém, nenhum dos dois (24,8 kg/m2 e 21,7 kg/m2) se enquadra nesta categoria. Esse resultado é importante, pois os trabalhos que ligam IMC ao MAM justificam tal resultado baseado no fato de que indivíduos com maiores IMC apresentam distúrbios do sono que levam a um aumento de desaturação arterial de oxigênio, que é justamente o principal indutor dos sintomas do MAM (Burgess et al., 2004; San Martin et al., 2017), porém, nossos voluntários não passaram a noite sob efeito da altitude.

Essa associação entre qualidade do sono e MAM esteve presente no questionário original do Lake Louise (Roach et al. 1993), mas um estudo feito com 491 indivíduos residentes abaixo de 2.500m que ascenderam a 4.380m durante 6 dias encontrou baixa correlação entre qualidade do sono com os sintomas do MAM e maior consistência de resultados quando esta variável era excluída da análise (MacInnins et al., 2013). Posteriormente, questionamentos foram feitos sobre a real importância do sono para os sintomas do MAM (Milledge, 2014), até que recentemente o próprio questionário Lake Louise foi modificado por seus idealizadores, que excluíram os distúrbios do sono como preditores do MAM (Roach et al., 2018).

Neste trabalho, não encontramos associação entre IMC e a presença do MAM. A única semelhança entre os voluntários que apresentaram os sintomas é o genótipo RR da ACTN3. Isso corrobora nossa teoria de que os dados que

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relacionam IMC com o MAM estão, provavelmente, atrelados à distribuição dos tipos de fibra muscular, principalmente com fibras do tipo IIx (Tanner et al., 2001), já que, além dos indivíduos nativos de altas altitudes possuírem maior quantidade de fibras musculares do tipo I (Kayser et al., 1996; Kayser et al;, 1991), possuem também maior número de capilares por área de secção transversa muscular (Kayser, et al., 1996), o que poderia facilitar a oferta de oxigênio aos músculos ativos. Segundo Hoppeler e Vogt (2001), a exposição à hipóxia provoca diminuição de cerca de 30% da densidade mitocondrial sem diminuição da densidade capilar, o que levaria a um aumento da oferta de oxigênio por mitocôndria, favorecendo o trabalho celular.

A associação demonstrada em nosso trabalho entre os sintomas do MAM e os genótipos está relacionada com a diminuição da SpO2 e a diminuição da glicose sanguínea após três horas de exposição. A diminuição da SpO2/SaO2 é a principal responsável pela presença dos sintomas do MAM, principalmente a dor de cabeça (Karinen et al., 2010; Burtscher et al., 2011). Além disso, durante exposição à altitude, ocorre aumento da dependência da glicose como substrato energético, uma vez que a diminuição da SaO2 aumenta a dependência metabólica da glicose (Brooks et al., 1991; Brooks et al., 1992). Porém, o grupo XX conseguiu manter a glicemia estável mesmo após quatro horas de exposição, quando comparados com os grupos RX e RR. Uma possível explicação para este fato é que indivíduos com genótipo XX e, possivelmente, mais fibras do tipo I sejam favorecidos pela maior densidade mitocondrial destas fibras, comparadas com as do tipo IIx, possibilitando uma maior oferta de energia mesmo com glicose como fonte primária. Este dado reforça nossa hipótese de que o genótipo XX possa ter uma aclimatação mais rápida em situações de extrema altitude. Na prática, esses dados podem auxiliar montanhistas que possuem ao menos um alelo R a ampliar o tempo de aclimatação a cada nova altitude e controlar a glicemia, na tentativa de impedir o aparecimento dos sintomas do MAM.

Sobre o Estado de Humor, nosso trabalho associação entre as dimensões Depressão e Fadiga com os sintomas do MAM. Em estudo com 163 voluntários com idade entre 18 e 60 anos avaliados entre 18 e 22 horas de exposição a 3700m de altitude, pesquisadores encontraram que o estado de humor tem um papel crucial no

desenvolvimento do MAM, entre as quais estão as dimensões depressão, raiva, fadiga e confusão (Bian, et al., 2015). Além disso, nosso trabalho mostrou diferenças entre genótipos, especialmente para Vigor e Fadiga, sendo que o grupo RR apresentou Vigor maior do que o grupo XX na primeira hora de exposição e do que grupo RX nos momentos 2 e 4 horas. Esta manutenção do Vigor pelo grupo RR pode estar relacionada ao aumento da utilização de glicose mostrada anteriormente, o que pode ter levado também ao aumento da Fadiga em relação ao grupo XX após quatro horas de exposição à altitude, justamente no momento em que os grupos apresentaram diferenças nos níveis de glicose e dois voluntários RR apresentaram MAM. Baixa sensação de Fadiga em altitude pode estar relacionada a uma melhor capacidade aeróbia em normóxia (Rossetti et al., 2017), que é maior em indivíduos XX comparados com RR (Silva et al., 2014). No caso dos trabalhadores das minas em alta altitude no Chile, por exemplo, a genotipagem da ACTN3 poderia contribuir para definir que tipo de trabalho seria mais indicado aos funcionários, levando em consideração os fatos relatados acima.

Avaliamos também a função cognitiva ao longo do tempo e, apesar de não termos encontrado diferença entre grupos para o tempo de reação, verificamos que a quantidade de lapsos tende a aumentar conforme aumenta a quantidade de lactato (B = -0,26, IC = -0,00/ 0,43, p= 0,05). Esta relação pode ser explicada pelo fato de que o aumento de lapsos está diretamente associado a sintomas físicos de fadiga (Lee et al., 2010) assim como o lactato. Desta forma pudemos demonstrar que a hipoxemia influencia diretamente o metabolismo energético, o que causa efeitos sobre outros sistemas podendo comprometer o estado de humor e a cognição em indivíduos que não conseguem se aclimatar rapidamente.

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