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DISCUSSÃO

No documento LILIANE CAROLINE SERVAT (páginas 34-40)

Em função da mata ciliar e sua eficácia na retenção de sedimentos, nutrientes e agrotóxicos (Naiman et al., 2005) esperava-se encontrar diferenças significativas nas

concentrações dos parâmetros abióticos entre as estações dentro e fora do Corredor de Biodiversidade. No entanto, foi possível verificar apenas tendências, com valores não significativos, para as variáveis temperatura, fósforo e ortofosfato, que apresentaram concentração levemente superiores na estação de amostragem fora do Corredor. Embora os valores não tenham sido significativos, a maior parte da matéria orgânica de rios de primeira ordem tem origem alóctone e o ambiente em seu entorno tem grande influência (Brewer, 1994). De acordo com Reynolds e Davies (2001), a degradação das matas ciliares e sua substituição por áreas agrícolas pode aumentar a importação de fósforo em até 100 kg km-2 /ano-1 em uma massa de água.

Vásquez et al. (2011) verificaram diferenças nos valores de temperatura e atributos ecológicos das espécies em três riachos sob diferentes ocupações do solo (floresta, plantação de café e pastagens). O riacho sob influência da floresta apresentou menor temperatura da água (média de 13Cº), que esteve associada a menor riqueza e diversidade de espécies, enquanto os outros dois riachos apresentaram temperaturas mais elevadas (média de 17 e 19ºC) que estiveram associadas aos maiores valores de riquezas e diversidade.

É possível que a semelhança das variáveis físicas e químicas entre as estações de amostragem seja devido à largura da mata ciliar na estação 1 (60 metros), que pode não ter sido suficientemente larga para proporcionar resultados significativos entre elas, embora, em dados de literatura, tenha se verificado que a diferença de 25 metros na largura da mata ciliar seja suficiente para causar diferenças significativas na retenção de nutrientes (Mayer et al., 2005). Estes autores revisaram 66 trabalhos sobre a remoção de nitrogênio com diferentes tipos de vegetação e larguras e verificaram que faixas estreitas de proteção (entre 1-15m) são eficientes na remoção parcial do nitrogênio, no entanto, a remoção mais significativa deste nutriente ocorre em áreas com mais de 50m de vegetação. Segundo eles, a largura da vegetação ciliar deve ser entre 7 e 100 metros e ser estabelecida com base nos níveis de remoção de nitrogênio objetivados.

Assim como as variáveis físicas e químicas, a estrutura da comunidade fitoplanctônica foi semelhante entre os dois riachos. Isto pode estar relacionado com a exposição aos mesmos fatores ambientais, além da ausência de barreira geográfica entre eles, que permite a dispersão de inóculos de espécies por animais que se deslocam de um corpo de água para outro, como insetos e aves aquáticas, ou mesmo pelo vento (Brook, 1981).

Os resultados indicaram um aumento (embora não significativo) dos atributos densidade, riqueza e diversidade de espécies, a partir do ponto mais preservado (estação 1, dentro do Corredor de Biodiversidade) para o ponto menos preservado de mata ciliar (estação 2, fora do Corredor de Biodiversidade). Os baixos valores de riqueza e densidade encontrados

na estação 1 podem ter sido influenciados, além de outros fatores, pelo sombreamento causado pela mata ciliar, conhecido como um dos principais fatores controladores do desenvolvimento fitoplanctônico (Hutchins et al., 2010) e elevados valores de turbidez, já que as concentrações de nutrientes não se monstraram limitantes ao desenvolvimento do fitoplâncton, como comumente registrado em ecossistemas lóticos (Salmaso e Zignin, 2010). Já os maiores valores de riqueza e densidade registrados na estação 2 provavelmente se devem a maior largura da calha, permitindo assim maior entrada de energia luminosa sobre a lâmina da água.

Quanto à amostragem qualitativa da comunidade fitoplanctônica, em ambos os riachos foi possível observar grande número de espécies (371), provavelmente devido às condições físicas e químicas favoráveis ao desenvolvimento do fitoplâncton. Um grande número de táxons fitoplânctonicos também foi registrado nos rios do Delta do Jacuí, Rio Grande do Sul, estudado por Rodrigues et al. (2007), com 229 no Rio Gravataí, 231 no Rio dos Sinos, 199 no Rio Caí e 199 no Rio Jacuí. Rodrigues et al. (2009) registrou 177 táxons em seu estudo sobre o Rio Paraná, 288 táxons no rio Baía e 227 táxons no rio Ivinhema. Perbiche-Neves et al. (2011) registrou 149 táxons no rio e afluentes Iguaçu, Bortolini e Bueno (2013) registraram 221 táxons no rio São João, Menezes et al. (2013) registraram 408 táxons no rio Iguaçu e Peresin et al. (2014) registraram 151 táxons em três arroios da bacia do rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul.

Quanto à diversidade de Shannon, esta pode ser avaliada como muito baixa - quando inferior a 1,0 bits.ind.-1, baixa entre 2,0 e 1,0, média - entre 3,0 e 2,0 e alta – quando acima de 3,0 bits.ind.-1 (Cavalcanti e Larrazábal, 2004). Segundo estes critérios, a diversidade da comunidade fitoplanctônica registrada nos riachos estudados pode ser classificada como muito baixa a média. Os resultados encontrados diferem dos resultados obtidos por Devercelli (2010), onde a diversidade média observada no rio Paraná (Argentina) poderia ser classificada como alta (3,27-3,43) e por Descy et al. (2011), onde a diversidade de Shannon para o rio Loire variou de muito baixa (0,34) a alta (5,78). Neste estudo, os resultados foram semelhantes aos observados por Soares et al. (2007) no Rio Paraibuna e no Rio Pomba em Minas Gerais, onde a diversidade observada foi muito baixa (0,94 a 1,07 bits), por Borges e Train (2009) na planície de inundação do alto rio Paraná, onde a diversidade média foi considerada baia (2,00) e no rio Iguaçu por Menezes et al. (2013) onde a diversidade foi classificada como muito baixa a média (média 1,56 a 1,58, antes e depois das quedas das cataratas, respectivamente).

Quanto à densidade, o maior valor registrado na estação 1 foi obtido no mês de agosto (inverno) e na estação 2 no mês de setembro (início da primavera), e esteve composto

principalmente por espécies bentônicas e perifíticas, que podem estar relacionadas com a maior vazão neste período, pois com o aumento da correnteza, estes táxons se desprendem dos substratos, sendo então transportados pelo fluxo da água (Soares et al., 2007; Stevenson, 2009). Segundo Reynolds e Descy (1996), a composição fitoplanctônica de ecossistemas lóticos geralmente é representada por centenas de táxons, no entanto, a porcentagem de espécies potamoplanctônicas é muito reduzida, como observado no presente estudo, onde muitas das algas registradas são da comunidade perifítica e bentônica. Outros autores também citam a grande contribuição de táxons bentônicos e perifíticos nos sistemas lóticos: Descy et al. (2011) observaram que mais de 70% das espécies de diatomáceas identificadas no rio Loire eram bentônicas e não planctônicas, assim como no presente estudo. Em geral, os baixos valores de densidade fitoplântonica registrados nos riachos analisados estão de acordo com os valores médios observados em outros ecossistemas lóticos: (Borges et al., 2003; Menezes et al., 2013) e se devem às próprias características lóticas do ambiente, que dificultam a manutenção da comunidade (Reynolds e Descy, 1996).

A composição fitoplanctônica foi típica de riachos, com a predominância de algas bênticas e perífiticas, que devido à turbulência e baixa profundidade são suspensas na coluna de água. A elevada contribuição da classe Bacillariophyceae, como observado neste estudo, tem sido comumente registrada em ambientes lóticos (Descy, 1993; Wehr e Descy 1998; Train et al., 2000; O'Farrel et al., 2002; Borges et al., 2003; Soares et al., 2007; Rodrigues, et al., 2009; Stevenson, 2009; Devercelli, 2010; Twiss et al., 2010; e Descy et al., 2011), devido ao seu baixo requerimento em incidência luminosa e à sua adaptação à ambientes turbulentos (O’Farrell et al., 2002; Soares et al., 2007 e Rodrigues et al., 2009). A ocorrência de táxons perifíticos (epipelon e epifíton) no fitoplâncton, principalmente pertencentes aos gêneros

Pinnularia, Encyonema e Gomphonema, pode ser atribuída a pouca profundidade dos

ambientes amostrados, e à abundância de rochas no leito destes riachos, as quais servem de substrato para o epifíton, que ocasionalmente se desprende sendo arrastado pela correnteza (Train e Rodrigues, 2004). De acordo com Descy et al. (2012), a maioria dos táxons de Bacillariophyceae não são verdadeiramente planctônicos, mas táxons bentônicos em suspensão. Embora encontrado no plâncton dos córregos analisados, Gomphonema parvulum,

Encyonema e Ulnaria ulna são exemplos de espécies comumente encontradas nos bentos. Euglenophyceae foi o segundo grupo mais representativo, cujas maiores densidades estão relacionadas à períodos de elevada vazão, devido ao aporte de material orgânico das margens para o meio aquático e à lixiviação da vegetação circundante, promovendo condições favoráveis ao seu desenvolvimento. A presença de espécies deste grupo em ambas as estações indica uma possível contaminação por matéria orgânica (Safonova e Shaulo, 2009; Reynolds

et al., 2002 e Peresin et al., 2014), onde de acordo com a teoria, a estação 1 deveria apresentar maior qualidade da água.

As classes Chlorophyceae e Zygnemaphyceae também foram importantes para a composição fitoplanctônica. As espécies da classe Chlorophyceae são consideradas oportunistas por apresentarem pequeno tamanho e rápido crescimento, o que favorece sua presença em todas as épocas do ano e em diversos ambientes, desde baixa a elevada trofia (Happey-Wood, 1988). No entanto, apesar das adaptações à sobrevivência em ambientes lóticos (Reynolds e Descy, 1996) as clorofíceas apresentaram baixa contribuição para os valores de densidade fitoplanctônica durante o presente estudo. Isto pode estar relacionado com os baixos valores de pH encontrados, que tenderam à acidez em quase todos os meses de amostragem. Segundo Uehara e Vidal (1989), as mesmas estão associadas a elevados valores de pH, o que explica a grande contribuição das clorofíceas no mês de maio de 2013, na estação 2, onde se registrou o maior valor de pH encontrado durante todo o período de estudo (8,10).

Já a contribuição da classe Zygnemaphyceae (terceiro grupo mais representativo no riacho Tenente João Gualberto) esteve relacionada possivelmente com a presença de macrófitas aquáticas espalhadas ao longo do leito dos riachos, aumentando a contribuição de inóculos oriundos do perifíton, pois neste grupo poucos táxons são verdadeiramente planctônicos ou bentônicos (Brook, 1981). Outros fatores podem ter favorecido o desenvolvimento deste grupo, como baixa condutividade, oligotrofia e pH levemente ácido. Camargo et al. (2009) registraram grande número de desmídias na Baía do Coqueiro, em que o pH e condutividade também foram baixos. Soares et al. (2007) registraram no Rio Paraibuna cianobactérias e desmídias como os grupos mais importantes para a composição fitoplanctônica no período chuvoso, e diatomáceas e desmídias no período seco para o rio Pomba, onde os valores de pH foram de levemente ácidos a básicos.

A reduzida contribuição de cianobactérias para o fitoplâncton dos riachos amostrados (4% do total de táxons identificados), também foi registrada por O’Farrell et al. (2002) para o rio Luján, Ferrareze e Nogueira (2006) na bacia do Paranapanema e Menezes et al. (2013) para o Rio Iguaçu. As espécies de Cyanobacteria são muito sensíveis às altas vazões observadas nos ecossistemas lóticos (Rodrigues et al., 2009), bem como as condições não eutróficas da água, não sendo um grupo importante na comunidade fitoplanctônica de ambientes lóticos (Tundisi e Matsumura-Tundisi, 2008).

Embora as concentrações de nutrientes não tenham apresentado valores significativamente elevados, algumas espécies identificadas são comumente relacionadas a ambientes enriquecidos nutricionalmente, como por exemplo Euglena polymorpha e

Trachelomonas volvocina, que são geralmente encontradas em ecossistemas com alta

poluição orgânica (Safonova e Shaulo, 2009; Reynolds et al., 2002). Da mesma forma,

Gomphonema parvulum apresenta o seu melhor desenvolvimento associado a águas ricas em

nutrientes, especialmente em águas que contêm águas residuais domésticas ou agrícolas (Patrick e Reimer, 1975). No Brasil, esta espécie foi identificada no Rio Pomba (Paraná) (Soares et al., 2007) sendo associado a elevados níveis de vazão, temperatura e alcalinidade encontrados na estação chuvosa. No presente estudo esteve associada a elevados valores de vazão e alcalinidade, e baixos valores de temperatura, sólidos totais dissolvidos e amônio.

Em suma, embora as cargas nutricionais tenham se apresentado mais elevadas na estação dentro do Corredor, os atributos da comunidade fitoplanctônica foram menores do que na estação com mata comprometida, que está sujeita à maior possibilidade de florações de algas e cianobactérias.

As tendências observadas neste estudo demonstram a importância da correta gestão das matas ciliares na dinâmica dos ambientes lóticos, pois para uma conservação efetiva dos ecossistemas fluviais, é necessária uma gestão integrada da bacia hidrográfica, onde a terra e a água sejam geridos de forma a alcançar a sustentabilidade ecológica e socioeconômica (Saunders et al., 2002). Alguns cientistas afirmam inclusive, que os esforços destinados a recuperar a qualidade da água devem ser direcionados principalmente para definir a largura das zonas de amortecimento de mata ciliar (Johnson et al., 1997), juntamente com o entendimento da influência que estes fatores acarretam nas comunidades aquáticas (Stevenson, 2009). Esse conhecimento prévio possibilitará uma melhor utilização dos benefícios fornecidos pelos rios, como os usos múltiplos da água: abastecimento público, navegação, recreação, pesca, dentre outros.

Agradecimentos

Os autores deixam seu profundo agradecimento à prof. Dra Ana Tereza Bittencourt Guimarães, pelo suporte estatístico, fundamental ao trabalho; aos técnicos Assis Escher e Ivone Wichocki pelo auxílio nas coletas; ao Setor de Geoprocessamento do ICMBIO pela elaboração do mapa; ao Grupo de Pesquisa em Recursos pesqueiros e Limnologia – GERPEL, pelas análises químicas da água; à Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE por ceder o laboratório e a Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná pelo auxílio financeiro na forma de Bolsa de Pesquisa. NCB agradece ao CNPq por bolsa produtividade (processo 307196/2013-5).

No documento LILIANE CAROLINE SERVAT (páginas 34-40)

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