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Capítulo III – Modelos de Neurônios Motores com Dendrito Passivo

3.5 Discussão

Nos resultados mostrados na Tabela 3.4 nota-se que os valores da 𝑅𝑛, uma medida indireta da excitabilidade do MN, encontram-se dentro das faixas experimentais reportadas por Zengel e colaboradores (1985). Como mencionado anteriormente, este parâmetro é dependente da morfologia e da 𝑅𝑚 do MN e, como os valores deste parâmetro encontram-se dentro da faixa experimental, acredita-se que os modelos de MNs possuem morfologia e 𝑅𝑚 biologicamente plausíveis. Tomou-se também o cuidado de utilizar amplitudes de correntes

(I/I0)

(I/I0) (I/I0)

entre -5 e 1 nA a fim de que não houvesse contribuição de condutâncias ativas (dependentes do potencial de membrana e do tempo) na avaliação deste comportamento.

Em relação à 𝜏𝑚, observa-se na Tabela 3.5 que os modelos de MNs desenvolvidos apresentam valores referentes a este parâmetro dentro do intervalo experimental reportado por Zengel e colaboradores (1985).

As características do PA e da AHP reportadas na Tabela 3.6 e na Figura 3.12 mostram que esses parâmetros também estão condizentes com a literatura experimental. Perante isso, pode-se concluir que as dinâmicas das condutâncias iônicas implementadas são capazes de representar estas características. A fim de verificar a variação das condutâncias e das correntes dos canais iônicos implementados em conjunto, gerou-se as Figuras 3.13, 3.14, 3.15, 3.16, 3.17, 3.18. A partir destas Figuras (3.13 a 3.18) é possível destacar que as 𝐼𝑁𝑎 e

𝐼𝑁𝑎𝑝 contribuem com a rápida despolarização do PA, enquanto que a 𝐼𝑁𝑎𝑝, ativada em potencial de membrana 10 mV mais hiperpolarizado que a 𝑔𝑁𝑎 possui aproximadamente 4% da amplitude da 𝐼𝑁𝑎, semelhante ao descrito por Van Zundert e colaboradores (2008). Por

outro lado, a 𝐼𝐾𝑓 contribui com a repolarização do PA. Já o declínio lento da 𝐼𝐾𝑠 fornece as

características aproximadas da AHP.

Na Tabela 3.7 encontram-se os valores de 𝐼0, outra medida indireta da excitabilidade dos MNs e observa-se que os MNs desenvolvidos apresentam excitabilidade condizente com a literatura experimental para MNs de gatos anestesiados (ZENGEL et al., 1985).

Os disparos repetitivos e adaptação observados nas Figuras 3.19 e 3.20 respectivamente, são comportamentos característicos de MNs submetidos a degraus de corrente supraliminares sustentados. Primeiramente, o MN dispara a uma frequência mais elevada e, após os primeiros disparos, a frequência diminui gradualmente e se mantém em níveis praticamente constantes. Esta adaptação na frequência de disparos apresenta um comportamento monotonicamente decrescente conforme reportado na literatura experimental (SCHWINDT; CRILL, 1984; POWERS et al., 1999; SAWCZUK, A.; POWERS; BINDER, 1995). Em MNs de gatos a adaptação possui duas fases típicas: fase inicial e fase tardia (KERNELL, 2006). A fase inicial está associada com uma diminuição na inclinação (ganho) da curva f-I, e aprofundamento da amplitude da AHP (aumento na amplitude de 𝑔𝐾𝑠, devido à

somação das AHPs após um único PA) (GRANIT; KERNELL; SHORTESS, 1963; KERNELL, 1965). Segundo Kernell (2006), o aumento inicial da taxa de disparo produzido no início de um degrau de corrente auxilia a produzir um aumento da força (saída) em resposta ao aumento da estimulação (entrada), ajudando a “linearizar” esta relação complexa

entre MN e músculo, visto que o MN atua semelhantemente a um transdutor linear ideal e o músculo como um filtro passa baixas (limitação da resposta em frequências mais elevadas). A fase tardia é caracterizada por uma diminuição exponencial lenta na frequência de disparo proporcional a magnitude da corrente injetada e, sugere-se, que seja devido a modificações no tamanho e/ou decurso temporal da 𝑔𝐾𝑠, além de alterações no limiar de tensão para início dos PAs (KERNELL, 2006). Esse comportamento de adaptação não está completamente elucidado, mas acredita-se que a somação das AHPs, observada em experimentos de voltage

clamp (KERNELL, D.; SJOHOLM, 1973) e nas simulações da Figura 3.20, seja um fator de

grande importância para a adaptação da frequência de disparos (BALDISSERA, F; GUSTAFSSON, 1971; BALDISSERA; GUSTAFSSON; PARMIGGIANI, 1973; KERNELL, D.; SJOHOLM, 1973). Esta somação ocorre quando PAs são disparados em um intervalo menor que a duração da AHP, de maneira que a amplitude e duração da segunda AHP são maiores que da primeira, e assim subsequentemente (BALDISSERA; GUSTAFSSON, 1974).

Outra forma de avaliação da excitabilidade realizada neste Capítulo ocorreu por meio da análise da curva f-I. Os ganhos destas curvas estão relacionados com a amplitude e duração das AHPs, de forma que quanto maior a amplitude e duração da AHP, menor o ganho da relação f-I (KERNELL, 2006). Esta relação está condizente com os resultados dos modelos, haja vista que os MNs S, que possuem maior amplitude e duração da AHP, apresentam menor ganho da f-I (Tabela 3.8). Na Figura 3.25 as relações f-I dos três modelos foram colocadas no mesmo gráfico. Desta forma, pode-se observar que o MN do tipo S é o primeiro a ser recrutado (menor limiar de recrutamento) e dispara inicialmente com uma frequência de disparos menor. Os modelos FR e FF apresentam frequências de disparos iniciais ligeiramente maiores e necessitam de uma maior corrente para serem recrutados. Observando-se a frequência de disparos a uma mesma corrente, como em 25 nA, nota-se que os MNs tipo S (primeiros a serem recrutados) disparam a uma maior frequência que os MNs dos tipos FR. Estes últimos, por sua vez, disparam a uma maior frequência que os MNs FF (recrutados mais tardiamente). Este fenômeno é conhecido na literatura como Onion skin e parece ser um padrão durante o controle da força gerada por um músculo (DE LUCA; HOSTAGE, 2010). Portanto, os modelos de MNs aqui desenvolvidos fornecem uma base para este fenômeno, sugerindo que ele é decorrente de diferenças morfológicas e eletrofisiológicas entre os diferentes tipos de MNs que compõem um determinado núcleo motor.

Realizou-se também uma análise da acomodação dos três modelos. Uma forma de quantificar a acomodação dos MNs foi proposta por Schlue e colaboradores (1974a, 1974b, 1974c). Para tanto, foi definido o coeficiente de acomodação (I/I0)s, que é a razão entre a

corrente limiar capaz de evocar um PA com uma latência de aproximadamente 1000 ms, normalizada pela I0. Na Tabela 3.9 são apresentados os valores da mínima inclinação da corrente em rampa necessária para evocar o PA em aproximadamente 1000 ms (Incl), da corrente de limiar nesta condição (I), da corrente de reobase de cada modelo (I0) e do coeficiente de acomodação (I/I0)s. De acordo com Burke e Nelson (1971), a acomodação é

considerada presente se, na curva TL, a corrente limiar para uma latência de aproximadamente 300 ms for maior que 20% da corrente mínima necessária para gerar um PA a mais curta latência. Baseando-se nesta definição, a acomodação foi ausente para os três tipos de MNs representados pelos modelos. Por outro lado, de acordo com Schlue e colaboradores (1974a, 1974b, 1974c), o coeficiente de acomodação permite classificar os diferentes tipos de MNs como de acomodação lenta ou rápida. Por este critério, os MNs com relação (I/I0)s ≤ 1,6 são classificados como de acomodação lenta, enquanto que os que

apresentam (I/I0)s ≥ 2,5 são classificados como de acomodação rápida. Sabe-se ainda que

MNs de gatos apresentam valores de (I/I0)s entre 1,1 e 3,3, sendo que valores entre 1,1 e 1,6

são mais comuns de serem encontrados (SCHLUE, et al.,1974 a, b, c). Assim sendo, os modelos de MNs desenvolvidos apresentam acomodação lenta, similar a outros modelos de MNs (mais complexos) já reportados na literatura (VIEIRA; ELIAS, 2009). As diferentes classificações de acomodação descritas por Schlue (1974c) podem ser decorrentes de diferentes graus de inativação dos canais de 𝑁𝑎+. Uma possível explicação para isso é que durante um estímulo despolarizante de longa duração, canais de 𝑁𝑎+ são inativados (<𝑔

𝑁𝑎).

Além disso, devido à lenta despolarização do potencial de membrana, há diminuição do módulo da magnitude da “driving force” do 𝑁𝑎+ (𝑉 − 𝐸

𝑁𝑎). Deste modo, observa-se também

uma redução na amplitude dos PAs, devida a uma menor 𝐼𝑁𝑎 [𝐼𝑁𝑎 = 𝑔𝑁𝑎×(𝑉 − 𝐸𝑁𝑎)], e uma

maior latência quanto menor a inclinação da rampa de corrente injetada.

Diante dos resultados obtidos, nota-se que os modelos bicompartimentais de MNs dos tipos S, FR e FF, desenvolvidos em linguagem Python utilizando as bibliotecas do NEURON, foram capazes de representar os comportamentos dinâmicos básicos destas células nervosas.

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