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Capítulo IV Modelos de Neurônios Motores com Dendrito Ativo

4.3. Metodologia

4.3.3 Parâmetros geométricos e eletrotônicos do modelo

Os parâmetros geométricos e eletrotônicos dos compartimentos dendrítico e somático adotados nos três tipos de MNs (Tabelas 4.1 e 4.2, respectivamente) foram baseados em

estudos experimentais anteriores (FLESHMAN; SEGEV; BURKE, 1988; RALL, 1992; CRILL, 1984) e mantidos os mesmos dos modelos com dendritos passivos apresentados no Capítulo III.

Tabela 4.1. Parâmetros geométricos e eletrotônicos do compartimento dendrítico.

Parâmetros Tipo S Tipo FR Tipo FF

Comprimento (mm) 6,15 7,45 9,35

Diâmetro (µm) 52 73 88

Capacitância específica (µF/cm2) 1 1 1

Resistividade citoplasmática (Ωcm) 70 70 70 Resistência específica (kΩcm2) 12,55 8,83 6,50

Tabela 4.2. Parâmetros geométricos e eletrotônicos do compartimento somático.

Parâmetros Tipo S Tipo FR Tipo FF

Comprimento (µm) 80 85 100,25

Diâmetro (µm) 80 85 100,25

Capacitância específica (µF/cm2) 1 1 1

Resistividade citoplasmática (Ωcm) 70 70 70 Resistência específica (kΩcm2) 1,10 1 0,80

Os parâmetros utilizados para os diferentes canais iônicos adotados nos três tipos de modelos de MNs foram obtidos na etapa de parametrização dos modelos, a fim de que os modelos representassem características encontradas na literatura experimental (por exemplo, características da AHP e do PA). Os parâmetros utilizados nas condutâncias somáticas e dendrítica encontram-se na Tabela 4.3 para os diferentes tipos de modelos.

Tabela 4.3. Parâmetros das condutâncias ativas dos modelos de MNs dos tipos S, FR e FF. Parâmetros Tipo S Tipo FR Tipo FF gNa ̅̅̅̅̅ (mS/cm2) 50 70 75 gNap ̅̅̅̅̅̅ (mS/cm2) 0,52 0,80 0,65 gKf ̅̅̅̅ (mS/cm2) 2,80 4 1,35 gKs ̅̅̅̅ (mS/cm2) 18 37 16 gCaL ̅̅̅̅̅̅ (mS/cm2) 0,01056 0,007 0,0062 𝐸𝑁𝑎(mV) 120 120 120 𝐸𝐾(mV) -10 -10 -10 𝐸𝐶𝑎(mV) 140 140 140 𝐸𝐿(mV) 0 0 0 γ 1 1 1 mact(mV) 13 17 19,2 βr (ms-1) 0,025 0,058 0,062 τ (ms) 80 46 47 Vact(mV) 35 35,6 34

4.3.4 Implementação computacional dos modelos

Os modelos de MNs descritos na seção 4.3 foram implementados em linguagem de programação Python 3.5, utilizando as bibliotecas do simulador NEURON (CARNEVALE; HINES, 2006; HINES; DAVISON; MULLER, 2009). As equações diferenciais foram resolvidas numericamente pelo método de Euler, com um passo de integração de 0,001 ms.

4.3.5 Protocolos de simulação

Simulações computacionais foram realizadas com injeções de correntes determinísticas no compartimento somático. As correntes injetadas variaram em formato, podendo ser pulsos, correntes triangulares ou rampas, dependendo do comportamento do modelo que se desejou avaliar. Os protocolos utilizados durante a fase de parametrização e validação foram os mesmos utilizados no Capítulo III (não descritos neste Capítulo), a não ser para a análise dos disparos repetitivos, que será descrita a seguir.

4.3.5.1 Disparos repetitivos

A fim de se estudar a excitabilidade dos modelos contendo dendritos ativos, aplicou-se pulsos de corrente despolarizantes com 1500 ms de duração e amplitudes de 10 nA, 15 nA e 25 nA, nos modelos S, FR e FF, respectivamente. No modelo de MN do tipo S realizou-se também a injeção de um estímulo hiperpolarizante com amplitude de 10 nA e duração de 500 ms após três segundos da finalização do pulso despolarizante.

4.4. Resultados

4.4.1 Parâmetros da AHP e amplitude do potencial de ação

A amplitude do potencial de ação, definido como o valor máximo do potencial de membrana no soma após a aplicação de um pulso supraliminar, foi determinada a partir do mesmo gráfico obtido para determinação dos parâmetros da AHP. A Figura 4.3 mostra os PAs gerados pelos três modelos (S, FR e FF) e o decurso temporal da AHP em zoom. A Tabela 4.4 apresenta os valores calculados a partir destes gráficos.

Figura 4.3. PAs e decursos temporais das AHPs dos modelos de MNs dos tipos S (azul), FR (verde) e FF (vermelho).

Tabela 4.4. Amplitudes dos PAs e parâmetros das AHPs.

Medidas Tipo S Tipo FR Tipo FF

Amplitude do potencial de ação (mV) 93,9 91,5 89,9

Amplitude da AHP (mV) 4,8 4,3 2,9

Duração da AHP (ms) 118,7 65,2 41,7

4.4.2 Corrente de reobase

As 𝐼0 dos modelos contendo dendritos ativos (Tabela 4.5) foram bem distintas das observadas nos modelos contendo dendritos passivos (vide Tabela 3.7 no Capítulo III). Os valores da reobase dos modelos com dendritos ativos encontram-se dentro da faixa experimental reportada por Lee e Heckman (1998b), a não ser para o modelo do tipo FF.

Tabela 4.5. Correntes de reobase dos modelos de MNs dos tipos S, FR e FF. Os valores entre parênteses são referentes aos dados reportados por Lee e Heckman (1998b).

Medidas Tipo S Tipo FR Tipo FF

Corrente de reobase (nA) 3,2 (1,4 ± 4,1)

9,8 (8,8±3,3)

17,3 (8,8 ±3,3)**

**Os dados reportados por Lee e Heckman (1998b) diferenciam os MNs em parcialmente biestáveis e totalmente biestáveis, de forma que não possuímos os valores de reobase para os MNs FR e FF separadamente.

4.4.3 Disparos repetitivos e aceleração da frequência de disparos

Nas Figuras 4.4, 4.5 e 4.6 observam-se os comportamentos de disparos repetitivos e a aceleração da frequência de disparos de PAs. Na Figura 4.4 observe os disparos autossustentados gerados pelo modelo de MN do tipo S. Os disparos autossustentados são cessados após a injeção de um estímulo hiperpolarizante com amplitude de 10 nA. Já nas Figuras 4.5 e 4.6 nota-se a presença do potencial platô (modelos FR e FF).

Figura 4.4. Resposta repetitiva do MN do tipo S com dendrito ativo. Nota-se a aceleração da frequência de disparos de PAs e os disparos autossustentados.

Figura 4.5. Resposta repetitiva do MN do tipo FR com dendrito ativo. Nota-se a aceleração da frequência de disparos de PAs e a presença do potencial platô após o final do estímulo despolarizante.

Figura 4.6. Resposta repetitiva do MN FF com dendrito ativo. Nota-se a aceleração da frequência de disparos de PAs e a presença do potencial platô após o final do estímulo despolarizante.

4.4.4 Relações frequência-corrente (f-I)

Nas Figuras 4.7, 4.8 e 4.9 encontram-se as respostas dos modelos a estímulos de corrente triangular de amplitudes máximas 12 nA, 40 nA e 50 nA, bem como as relações f-I para os modelos S, FR e FF, respectivamente. Os ganhos das relações f-I são reportados na Tabela 4.8. Na Tabela 4.6 encontram-se também os limiares de corrente para início e fim dos disparos de PAs para cada MN desenvolvido.

Figura 4.7. À esquerda inferior: Corrente injetada; À esquerda no meio: Potencial de membrana somático; À esquerda superior: Frequência instantânea de disparos do modelo de MN do tipo S. À direita: Curva f-I para o modelo de MN do tipo S.

Figura 4.8. À esquerda inferior: Corrente injetada; À esquerda no meio: Potencial de membrana somático; à esquerda superior: Frequência instantânea de disparos do modelo de MN do tipo FR. À direita: Curva f-I para o modelo de MN do tipo FR.

Figura 4.9. À esquerda inferior: Corrente injetada; À esquerda no meio: Potencial de membrana somático; À esquerda superior: Frequência instantânea de disparos do modelo de MN do tipo FF. À direita: Curva f-I para o modelo de MN do tipo FF.

Tabela 4.6. Diferença entre limiar de corrente final e inicial (∆𝑖s), ganhos das curvas f-I e 𝑅2 dos modelos de MNsdos tipos S,FR e FF contendo dendritos ativos. Os dados entre parênteses são referentes aos valores encontrados na literatura experimental (SCHWINDT; CRILL, 1984).

Medidas Tipo S Tipo FR Tipo FF

Limiar inicial (nA) 2,74 (1,1±3,6) 8,23 14,86 (11,0±5,2) Limiar final (nA) -2,18 (-4,5±4,2) 6,16 15,31 (9,0±6,3)

∆ i (nA) -4,91 (5,6±2,1) -2,07 0,55 (2,1±2,7)

Ganho f-I(aceleração) (Hz/nA) 13,00 (13,0±11,0) 5,50 7,30 (30±25)

𝑅2 0,99 0,99 0,99

4.4.5 Acomodação

Na Figura 4.10 observam-se as curvas TL (Threshold-Latency) para os três modelos de MNs (S, FR e FF) com dendritos ativos. Observa-se que há um aumento considerável de 271,52% para o MN S, 135,90% para o MN FR, 73,91% para o MN FF da amplitude de corrente necessária para que os MNs atinjam o limiar para disparo de PAs para as maiores inclinações de rampa injetadas em cada modelo.

(A) (B)

(C)

Figura 4.10. Curvas TL (Threshold-latency) dos modelos de MNs dos tipos S (A), FR (B) e FF (C).

Nos gráficos da Figura 4.11, observam-se as curvas das razões I/I0 em função da latência. Note que estas curvas possuem características iguais às curvas TL (Figura 4.10) a menos de uma normalização pela I0 e estas são utilizadas para o cálculo do coeficiente de acomodação, que consiste em uma maneira de determinar se a acomodação é lenta ou rápida. Na Tabela 4.7 são apresentados os valores da mínima inclinação da corrente em rampa necessária para evocar o PA em aproximadamente 1000 ms (Incl), da corrente de limiar nesta condição (I), da corrente de reobase de cada modelo (I0) e do coeficiente de acomodação (I/I0)s.

(S) (FR)

(FF)

Figura 4.11. Relações I/I0 (corrente limiar /reobase) em função da latência para disparo do primeiro PA.

Tabela 4.7. Inclinações mínimas das rampas de corrente (Incl), limiares de corrente para geração de um PA após 1000 ms (I), correntes de reobase (I0), coeficientes de acomodação (I/I0)s.

Modelos Incl(nA/ms) I (nA) I0 (nA) (I/I0)s

Tipo S 0,0025 2,43 3,23 0,75

Tipo FR 0,0087 8,63 9,75 0,89

Tipo FF 0,0153 15,13 17,25 0,88

4.5 Discussão

A 𝑅𝑛 e a 𝜏𝑚 não foram avaliadas neste Capítulo, visto que não se alteram após a inserção da condutância iônica ativa de 𝐶𝑎2+ no compartimento dendrítico. Como mencionado anteriormente, a 𝑅𝑛 é dependente da morfologia e da 𝑅𝑚 do MN e, visto que estes não foram alterados entre os modelos contendo dendrito passivo (Capítulo III) para os contendo dendrito ativo, esperava-se realmente que a 𝑅𝑛 não se modificasse.

Apesar de nenhum outro trabalho consultado ter quantificado as alterações nas propriedades da AHP, impossibilitando uma comparação mais precisa dos resultados, alguns

(I/I0)

(I/I0) (I/I0)

trabalhos da literatura experimental relataram que juntamente a presença de neuromoduladores ocorre redução na duração da AHP (HOUNSGAARD et al., 1988; KERNELL, 1999, 2006; REKLING et al., 2000). Nota-se na Figura 4.3 e na Tabela 4.4, que houve considerável diminuição na duração das AHPs em comparação aos modelos contendo dendritos passivos apresentados no Capítulo III (S: 26,55%; FR: 16,73%; FF: 36,63%). Já as amplitudes das AHPs e dos PAs mantiveram-se relativamente constantes em conformidade com a literatura experimental consultada. Este comportamento pode ser explicado pela dinâmica de lento decaimento da 𝑔𝐶𝑎𝐿 que contrabalanceia a 𝐼𝑘𝑠, modificando então as características da AHP.

Em relação a 𝐼0, nota-se que a inserção de 𝑔𝐶𝑎𝐿 modificou este parâmetro nos MNs

(S: 5,2 para 3,2 nA; FR: 12,4 para 9,8 nA; FF: 21,3 para 20,3 nA) (Tabela 4.5), tornando-os mais excitáveis, isto é, os MNs contendo dendritos ativos necessitam de menor amplitude de corrente para disparar PAs devido à despolarização da membrana do MN pelas PICs tanto dendríticas quanto somáticas. Essa redução observada nos valores da 𝐼0 pode ser explicada pelo fato da 𝑔𝐶𝑎𝐿 ser ativada em 𝑉𝑚 subliminares, de forma que o 𝑉𝑚 dos MNs encontra-se já um pouco despolarizado antes que um PA se inicie. Além disso, a desativação desta condutância ocorre em 𝑉𝑚 hiperpolarizados.

Conforme esperado, notaram-se modificações nas características de disparos repetitivos dos MNs devido às alterações encontradas nas dinâmicas das AHPs decorrentes da ativação da PIC dendrítica (KERNELL, 1999; SCHWINDT; CRILL, 1982; SCHWINDT; CRILL, 1984). Analisando os gráficos das Figuras 4.4, 4.5 e 4.6, nota-se que diferentemente dos modelos contendo dendritos passivos, que apresentam adaptação, os modelos contendo 𝑔𝐶𝑎𝐿 apresentam aceleração da frequência de disparos de PAs. Nota-se também que o modelo

S apresenta disparo de forma autossustentada após cessado o estímulo de corrente despolarizante por mais de três segundos, devido à presença da PIC. Este disparo só cessa após a aplicação de um pulso de corrente hiperpolarizante, que desativa a PIC. Desta forma o modelo de MN pode ser caracterizado como totalmente biestável. Este comportamento é característico de alguns MNs de gatos descerebrados reportados na literatura experimental (LEE; HECKMAN, 1998a, 1998b). Os modelos de MNs dos tipos FR e FF, diferentemente, não disparam de forma autossustentada, cessando o disparo de PAs ao se cessar o estímulo. Contudo, os três modelos apresentam aceleração da frequência de disparos, devido à presença da PIC, e é possível notar a presença de potencial platô, uma despolarização do potencial de membrana que dura alguns milissegundos e é responsável pelos disparos autossustentados. Os modelos FR e FF são não apresentam biestabilidade e apresentam características semelhantes

às reportadas na literatura experimental para alguns MNs de gatos descerebrados (LEE; HECKMAN, 1998a, 1998b). Este comportamento foi observado também por diferentes trabalhos experimentais (BENNETT; LI; SIU, 2001; HOUNSGAARD et al., 1988).

A relação entre a corrente injetada e a frequência de disparos de potenciais de ação do MN, conhecida como relação (ou curva) f-I, consistiu em outra forma de avaliar a excitabilidade celular (Figuras 4.8, 4.9 e 4.10). Conforme mencionado anteriormente, os modelos com dendritos ativos apresentaram alterações nas características das AHPs e como os ganhos das relações f-I estão relacionados a esta hiperpolarização, notou-se modificações destes valores. Os ganhos das f-Is são maiores que aqueles observados nos modelos do Capítulo III (Tabela 4.6), reforçando a observação de que os modelos de MNs com dendritos ativos apresentam uma maior excitabilidade. Este aumento da excitabilidade pode ser explicado pela dependência do ganho da curva f-I com a amplitude e duração da AHP (KERNELL, 2006), em que quanto menores forem as amplitudes e a duração da AHP, maiores serão os ganhos das relações f-I.

Analisou-se também, o fenômeno de acomodação dos modelos (Figuras 4.10 e 4.11) e os resultados desta análise encontram-se na Tabela 4.7. De acordo com os critérios estabelecidos por Burke e Nelson (1971), já mencionados no Capítulo III, a acomodação foi ausente para os três tipos de MNs contendo dendritos ativos, visto que a uma latência de 300 ms, a amplitude de corrente necessária para o disparo de PA não é 20% maior que a amplitude capaz de gerar um PA a uma latência mais curta. Por outro lado, de acordo com Schlue e colaboradores (1974 a, b, c), também mencionando no capítulo III, os modelos de MNs contendo dendrito ativo também apresentam acomodação lenta, similar a outros modelos de MNs (mais complexos) já reportados na literatura (VIEIRA; ELIAS, 2009). Contudo, os valores dos (I/I0)s reduziram para menos que um nos três tipos de MNs desenvolvidos,

mostrando que I assumiu valores menores que I0. Uma possível explicação para este fato está na contribuição da 𝑔𝐶𝑎𝐿 cuja ativação ocorre em 𝑉𝑚 subliminares e sua desativação ocorre lentamente, contribuindo com a despolarização prolongada da membrana. Assim sendo, apesar da ocorrência da inativação de canais de 𝑁𝑎+, a 𝑔𝐶𝑎𝐿 tende a contribuir com a

despolarização gerada pela 𝑔𝑁𝑎 e isto culmina no aumento da excitabilidade dos MNs e na redução da I, I0, I/I0.

Capítulo V

ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS E ELETROFISIOLÓGICAS SIMULANDO A

ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA

5.1. Introdução

A esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa de início tardio e fatal, afeta neurônios motores e foi primeiramente descrita por Charcot em 1865 (BROMBERG, 2015; GOETZ, 2000). A descrição desta doença foi realizada no Hospital de Salpêtrière, na França, local onde Charcot permaneceu durante toda a sua carreira, e ocorreu primeiramente por meio da observação de pacientes que apresentavam fraqueza muscular e ausência de outros problemas neurológicos. Em um segundo momento, realizou-se autópsias a fim de que se pudesse relacionar o tipo e localizações das lesões com sinais clínicos específicos (anatomo-clinical method). Desta forma, em 1865, Charcot apresentou um caso à

Société Médicale des Hôspitaux de Paris sobre uma paciente jovem do sexo feminino com

intensa fraqueza e contratura de todas as extremidades, porém, sem anormalidade sensorial e controle urinário e intelectual preservados durante a vida. Durante a autópsia, no entanto, Charcot observou degeneração isolada da região lateral da medula espinal. Após essa ocorrência, Charcot continuou suas observações a respeito de outros casos e características de doenças do neurônio motor, e, apenas em 1874, o termo esclerose lateral amiotrófica foi introduzido no Volume II de sua Oeuvres Complètes. Esta nomenclatura, esclerose lateral amiotrófica, refere-se à degeneração da substância cinzenta (amiotrófica) e também a danos à substância branca (esclerose lateral) (GOETZ, 2000). Contudo, apesar da descrição da ELA ter ocorrido há mais de 100 anos, sua fisiopatologia ainda não foi completamente elucidada e é passível de discussões.

A ELA, também conhecida como doença de Lou Gehrig ou de Charcot, pode ser decorrente de alterações genéticas (ELA familiar) ou de causas multifatoriais (ELA

esporádica). Nestes dois casos, as características clínicas são indistinguíveis e uma de suas principais características é a rapidez da evolução em curto prazo. Isto é, ao longo de 2 ou 3 anos, a maioria dos pacientes ficam acamados e impossibilitados de utilizar seus membros. Após este cenário, a doença progride para paralisia do nervo hipoglosso e pneumogástrico e culmina em morte (GOETZ, 2000). Além desta rápida evolução, outra dificuldade encontrada no estudo da ELA é o diagnóstico diferencial correto, visto que essa neurodegeneração pode ser confundida com diversas outras doenças do neurônio motor. Desta forma, o estudo da fisiopatologia e das alterações cronológicas no decorrer da ELA são de difícil acesso e estudos utilizando animais geneticamente modificados têm sido propostos(BORIES et al., 2007; CIURA et al., 2013; DELESTRÉE et al., 2014; KUO; JIANG; HECKMAN, 2014; QUINLAN et al., 2011).

Diversas mutações responsáveis pela ELA já foram descritas na literatura. Entre elas podem-se citar as que ocorrem nos genes FUS (responsáveis por 1,9-5% de ELA familiar e esporádica combinada), TDP-43 (ELA familiar e esporádica) (SREEDHARAN et al., 2008), OPTN (gene Optineurin) (ELA familiar e esporádica) (MARUYAMA; KAWAKAMI, 2013), SQSTM1 (gene Sequestosome 1) (responsáveis por 1-5% de ELA familiar e por 2-4% de ELA esporádica) (CHEN et al., 2014; FECTO et al., 2011), VCP (Valosin-containing protein) (responsáveis por 1-2% de ELA familiar e por menos de 1% de ELA esporádica) (ABRAMZON et al., 2012), C9orf72 (chromosome 9 reading frame 72) (responsáveis por 40- 50% de ELA familiar e por aproximadamente 10% de ELA esporádica) (MORITA et al., 2006; ROBBERECHT; PHILIPS, 2013; VANCE et al., 2006), hnRNPAB1/2 (KIM et al., 2013). Apesar de existirem diversas mutações genéticas descritas na literatura responsáveis pela ELA, os modelos animais mais utilizados são decorrentes de mutações no gene Cu/Zn – superóxido dismutase (SOD1) (AMENDOLA; DURAND, 2008; BORIES et al., 2007; DELESTRÉE et al., 2014; KUO et al., 2004, 2005; MARTIN et al., 2013; PAMBO-PAMBO; DURAND; GUERITAUD, 2009; QUINLAN et al., 2011; VAN ZUNDERT et al., 2008).

O estudo de Bories e colaboradores (2007), por exemplo, utilizou camundongos de 6 a 10 dias com mutações no gene SOD1 G85R. Neste trabalho, os animais SOD1 foram divididos em dois grupos distintos de acordo com a faixa etária (de 6 e 7 dias de vida e de 8 a 10 dias). Os MNs lombares dos animais neonatos foram analisados em preparações in vitro da medula espinal. Os autores observaram uma hipoexcitabilidade, constatada pelo aumento da 𝐼0 em ~45% em relação a animais controle (sem mutação genética) e diminuição do ganho da f-I em ~28%. Além disso, notou-se uma redução de ~30% da 𝑅𝑛 e aumento da 𝐶𝑚 em ~74,37%. Não foram observadas alterações no 𝑉𝑚 em repouso nem nas características da

AHP e do PA. Os autores do referido estudo sugeriram a ocorrência de um aumento das condutâncias responsáveis pela dinâmica da AHP que explicariam então, a não alteração da amplitude e duração desta hiperpolarização, bem como a redução do ganho da f-I.

Delestrée e colaboradores (2014) utilizaram animais SOD1 G93A de idade mais avançada, entre 32 e 80 dias, e observaram que um grupo de MNs lombares não apresentava alterações na excitabilidade, enquanto que outro grupo apresentou hipoexcitabilidade. Assim como no trabalho de Bories e colaboradores (2007), o estudo de Delestrée e colaboradores (2014) também reportou um aumento da condutância de entrada (𝑔𝑛) em ~35%. Ainda neste estudo, foi sugerido que um aumento da 𝑔𝑁𝑎𝑝 compensaria o aumento de 𝑔𝑛 e explicaria a

não alteração da excitabilidade motoneuronal. Já o caso de hipoexcitabilidade poderia ocorrer devido a um aumento da 𝐼𝐾 (não passível de medição por voltage clamp). Por fim, os autores

discutiram também o fato de que a hiperexcitabilidade, reportada na literatura [e.g (KUO, et al., 2004, 2005, MARTIN, et al. 2013)], seria um estágio transitório e não persistente até a vida adulta.

Quinlan e colaboradores (2015) avaliaram o efeito da idade e da mutação SOD1 G93A em animais de 6 a 12 dias de vida. Estes autores observaram um aumento de 𝑔𝑁𝑎𝑝(aumento de 200%) e𝑔𝐶𝑎𝐿 (aumento de 100%), bem como aumento de 300% na PIC total e um aumento de ~23% em 𝑔𝑛. A duração da AHP foi reduzida em torno de 16,7% e não foram observadas alterações significativas no ganho da f-I e nos limiares de disparos inicial e final (para uma estimulação triangular).

O estudo experimental de Kuo e colaboradores (2005), em que foram utilizadas culturas de MNs espinais de camundongos geneticamente modificados (SOD1-G93A) de 6 a 10 dias, mostrou que houve um aumento na INap, porém não houve nenhuma alteração nas

propriedades passivas da membrana motoneuronal. Esse aumento na INap promoveu um

aumento da excitabilidade de células com alta 𝑔𝑛 (tipo F), por resultar em aumento significativo na PIC total. Entretanto, as células com baixa 𝑔𝑛 (tipo S), apesar de apresentarem aumento da INap não apresentaram alterações na excitabilidade pois houve um

aumento na componente de saída da corrente persistente e, portanto, a PIC total permaneceu praticamente constante. Esse resultado pode explicar a tendência de células maiores (alta 𝑔𝑛) serem degeneradas primeiramente em sujeitos com ELA. Kuo e colaboradores (2005) também constataram um aumento no ganho e uma diminuição no limiar da relação entre a frequência de disparos de PAs e a corrente injetada no corpo celular da célula (relação f-I). O grupo também enfatizou que a elevação da INap pode não ser o único fator que contribui para a morte

celular, mas que essa elevação poderia aumentar o efeito da excitotoxicidade do glutamato (com elevada concentração na medula espinal) e da elevada concentração de receptores AMPA permeáveis ao 𝐶𝑎2+nos MNs.

Martin e colaboradores (2013) estudaram como alterações na morfologia de células embrionárias de camundongos geneticamente modificados (SOD1 G93A) induziam a hiperexcitabilidade nestes animais. Diferentemente dos trabalhos citados até o momento, os autores referidos acima notaram uma redução de ~39% na área dendrítica (𝐴𝑑), aumento de ~29,30% na 𝑅𝑛 além de uma redução de ~35% na 𝐼0. Todavia, o ganho da f-I e as características da AHP e do PA não se alteraram. Apesar de não descartada a contribuição do aumento de 𝑔𝑁𝑎𝑝 na hiperexcitabilidade encontrada, este trabalho mostrou que a redução da morfologia é o principal fator de alteração da excitabilidade neste estágio da ELA.

Abordagens computacionais também têm sido utilizadas para se estudar como mecanismos morfológicos e eletrofisiológicos típicos da ELA afetam as respostas de modelos matemáticos de MNs. O estudo computacional de Elbasiouny e colaboradores (2010a) focou nas alterações dos aspectos passivos da membrana (e.g., 𝐶𝑚,𝑅𝑛, 𝜏𝑚, etc.), que são associados às modificações morfológicas e eletrotônicas que são observadas em modelos de animais geneticamente modificados durante o desenvolvimento inicial da ELA. No referido trabalho, os pesquisadores observaram que a redução na excitabilidade motoneuronal estava associada a uma redução de 25% na 𝑅𝑛 e de 12-22% na eficácia sináptica. Além disso, alterações na morfologia dendrítica resultavam em uma diminuição de 10% da 𝑅𝑛 e de 7-15% na eficácia

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