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Diversos estudos mostram forte associação entre asma e obesidade, havendo também elevada prevalência de resistência à insulina em pacientes obesos e asmáticos quando comparados a obesos não asmáticos (65, 66, 89, 90).

Diversos estudos vêm utilizando dietas enriquecidas com gordura, conhecidas como dietas hiperlipídicas para produzir modelos de obesidade em roedores (116). Estes estudos mostram que dietas hiperlipídicas promovem hiperglicemia e resistência à insulina (117, 118). Dentre as linhagens de roedores, os camundongos C57BL/6J são os mais utilizados como modelo de síndrome metabólica e de resistência à insulina (119). A predisposição desta linhagem para desenvolver obesidade tem sido explicada pelo aumento na resistência à leptina quando comparado a outras linhagens (120, 121).

Estudos epidemiológicos têm mostrado que a obesidade abdominal está mais fortemente associada à asma do que a massa corporal geral (92). A obesidade abdominal está também associada à síndrome metabólica secundária à obesidade, representada ao nível molecular por resistência à insulina e hiperinsulinismo (15). Alguns trabalhos vêm, inclusive, demonstrando que a hiperinsulinemia e a consequente resistência à insulina sistêmica influenciam negativamente o tecido pulmonar, levando a espessamento da parede peribronquiolar e da musculatura brônquica lisa, depósito de colágeno, e hiperreatividade brônquica (122, 123).

O teste de tolerância à insulina (ITT) é um parâmetro para se avaliar a sensibilidade à insulina (124). Nosso modelo experimental confirmou que camundongos alimentados com dieta hiperlipídica por 12 semanas tiveram aumentos do peso corporal, da gordura epididimal e dos níveis de glicose em jejum, assim como redução de kITT quando comparado a animais que receberam dieta padrão (59, 113).

A AKT, também conhecida como PKB, é uma proteína quinase serina/treonina que desempenha um papel-chave em múltiplos processos celulares. Está bem fundamentado que em músculo esquelético e tecido adiposo a sinalização

de AKT desempenha função central na captação de glicose estimulada por insulina (125).

No presente trabalho mostramos que em camundongos magros não- desafiados (não-asmáticos) a injeção i.v. (veia cava) de insulina determina aumento da fosforilação de AKT no tecido pulmonar em comparação aos animais que não receberam insulina. Mostramos também que a fosforilação de AKT induzida pela insulina é significativamente reduzida nos animais desafiados com OVA (asmáticos) quando comparada a camundongos não-desafiados. Estes achados indicam que o ambiente inflamatório pulmonar per se em resposta ao desafio com OVA leva a diminuição em algum grau da fosforilação de AKT no tecido pulmonar.

Na próxima etapa decidimos avaliar a expressão de AKT em obesos e magros, desafiados com OVA (asmáticos). Nossos resultados mostraram que a insulina determina aumento significativo da fosforilação de AKT no pulmão de camundongos magros em relação aos valores basais. Por outro lado, a insulina falhou em elevar a fosforilação da AKT no tecido pulmonar de camundongos obesos, sugerindo que o tecido pulmonar de camundongos obesos não é responsivo à insulina (ou até mesmo resistente à mesma) após 12 semanas de dieta hiperlipídica.

Avaliamos a fosforilação de AKT em brônquios isolados de camundongos, e vimos que a insulina é capaz de aumentar a fosforilação de AKT em camundongos magros, mas não em obesos, à semelhança do tecido pulmonar. Dessa forma, é possível que a sinalização à insulina esteja circunscrita aos brônquios, mas dada a relativa dificuldade metodológica com detecção da expressão de AKT neste tecido, continuamos o trabalho somente com o homogenato de tecido pulmonar.

Em relação à fosforilação de IRβ e IRS-1, anteriormente havíamos usado o tempo de 5 minutos pós-insulina e não víamos diferenças entre os grupos (dados não apresentados nesta tese). Especulamos que isso era devido ao tempo escolhido para análise, pois na cascata de sinalização, a fosforilação do receptor de insulina é um evento anterior à fosforilação da AKT, sendo plausível que a fosforilação de IRβ e IRS-1 tenha sido perdida em 5 minutos. É também descrito que a insulina estimula a fosforilação do receptor em 3-5 resíduos de tirosina, sendo o máximo de resposta

em 1 minuto pós-estímulo (126). Por isso, decidimos usar o tempo de 1 min pós- insulina. De fato, os resultados foram semelhantes aos da AKT, isto é, aumento de resposta pela insulina no grupo magro e ausência da mesma no grupo obeso. Estes dados estão de acordo com a literatura mostrando que a dieta hiperlipídica leva a resistência à insulina em músculo tanto em humanos quanto em roedores. A resistência à insulina é caracterizada por diminuição da fosforilação de IRS, resultando em diminuição da associação de IRS-1-PI3K, reduzindo assim a sinalização de insulina (16, 127).

Como já referido anteriormente, camundongos alimentados com dieta hiperlipídica apresentam resistência à ação da insulina. Duas vias vêm sendo responsabilizadas por este fenômeno; ou seja, a via inflamatória clássica da JNK / IKK (128) e a via da iNOS/NO, esta levando à nitração de resíduos de tirosina em proteínas essenciais para a condução do sinal de insulina nos tecidos (96).

Nossos resultados mostraram que a expressão das proteínas pró- inflamatórias, JNK e IKK, estão elevadas no tecido pulmonar de camundongos obesos, confirmando assim a resistência à insulina neste tecido. De fato, a literatura mostra que JNK e IKK promovem fosforilação do IRS-1 em serina (serina 312 em humanos e serina 307 em roedores) (129, 130). A fosforilação de serina é responsável por bloquear o IRS-1 levando à resistência à insulina através da interrupção da interação de IR/IRS (131) e promoção da degradação IRS-1 (129).

Animais submetidos ao desafio alergênico, assim como pacientes asmáticos, apresentam níveis elevados de NO no ar exalado (46, 132, 133). Embora a fonte exata do NO não esteja esclarecida, há fortes evidências de que o mesmo seja advindo da iNOS (49, 134, 135). É possível que a ativação do NF-kB pelo TNF- α aumente a transcrição da iNOS e, subsequentemente, a produção de NO, que por sua vez recruta células inflamatórias para o tecido pulmonar, as quais aumentarão a produção de NO e de ONOO-, exacerbando o processo inflamatório nos obesos (136, 137). A expressão de iNOS, que é fracamente detectada no tecido adiposo e músculo esquelético de animais controles, aumenta marcantemente após a ingestão de dieta hiperlipídica. Em condições fisiológicas, tanto a eNOS quanto a nNOS produzem localmente pequenas quantidades de NO no tecido adiposo, enquanto

que o aumento da produção da iNOS no estado obeso pode levar à produção de grandes quantidades de NO, que pode contribuir para a exacerbação de doenças associadas à obesidade (96). Assim, a via do NO parece dar suporte à elucidação da associação entre asma e resistência à insulina. O estresse nitrosativo leva a modificações covalentes e inibição de várias proteínas fundamentais na sinalização da insulina (94, 95). Estudos mostram que o bloqueio crônico do NO (por meio do uso do inibidor, L-NAME) em camundongos obesos ou a deleção do gene da iNOS leva a diminuição da adiposidade induzida por dieta hiperlipídica, reduzindo a inflamação do tecido adiposo e “melhorando” a sinalização da insulina no músculo esquelético (96, 97). Isto indica que o NO desempenha papel modulatório importante no desenvolvimento da obesidade e na resistência à insulina. Tsuzuki e colaboradores (138) relataram, ainda, que, há indução da iNOS em dois modelos de resistência à insulina: obesidade induzida por dieta hiperlipídica e obesidade genética por deficiência de leptina (camundongos ob/ob). Nesses dois modelos, a sinalização da insulina pela via IR/IRS-1/AKT está diminuída, e os níveis de nitração dessas proteínas encontram-se aumentados no músculo esquelético e fígado. Assim, a nitração de proteínas envolvidas na transmissão do sinal da insulina parece ser um mecanismo molecular de resistência à insulina associado à indução da iNOS.

Para avaliar a participação da iNOS na resistência à insulina no tecido pulmonar nós investigamos os efeitos do inibidor seletivo de iNOS, amoniguanidina (20 mg/kg/dia, três semanas), na expressão das proteínas envolvidas na sinalização da insulina. A aminoguanidina inibe a atividade e expressão da iNOS e reduz os níveis de estresse nitrosativo (139). Nossos resultados com aminoguanidina mostraram forte associação da via nitrosativa com a resistência à insulina pulmonar. Ou seja, camundongos obesos tratados com aminoguanidina e estimulados com insulina mostraram fosforilação da AKT maior do animais obesos não-tratados, alcançando níveis similares aos do grupo magro. A fosforilação de IRβ e IRS-1 mostrou esse mesmo perfil. Dessa forma, camundongos obesos tratados com aminoguanidina parecem estar protegidos da resistência à insulina no pulmão, visto pela normalização da fosforilação insulino-dependente da IRβ, IRS-1 e AKT. Assim, estes resultados revelam que o aumento da expressão da iNOS na obesidade impede a via da insulina no tecido pulmonar, resultando em resistência à resposta local da insulina. Sugerimos que o excesso de NO e EROs no pulmão de

camundongos obesos acarretam nitração do IRβ e IRS-1 pelo peroxinitrito, impedindo a fosforilação da AKT induzida pela insulina. É possível que esta nitração e formação de peroxinitrito sejam resultado da inflamação pulmonar bem como do aumento de ácidos graxos livres oriundos da dieta hiperlipídica. De acordo com a literatura, em camundongos wild-type, a infusão lipídica induz nitração em tirosina de IRS-1, IRS-2 e AKT em fígado e músculo esquelético, que não é observada em animais knockout para iNOS (94). Além disso, a elevação da expressão das proteínas JNK e IKK no tecido pulmonar do camundongo obeso foi normalizada pelo tratamento com aminoguanidina. Sugerimos que o tratamento com aminoguanidina, diminuindo os níveis pulmonares de NO causa redução no recrutamento células inflamatórias para o tecido pulmonar (140). Essas células, por sua vez, diminuíriam a liberação de TNF-α, parecendo explicar a diminuição da ativação das vias JNK e IKK (141, 142). A interação entre iNOS e as vias IKK-NF-kB e JNK, juntamente com a potencialização dos efeitos causados por essa interação, levaria a um ciclo vicioso de resistência à insulina.

Nossos resultados de imunoprecipitação mostram aumento no número de resíduos nitrados em tirosina (3-NT) nas proteínas IRβ, IRS-1 e AKT no pulmão de camundongos obesos, indicando que a sinalização da insulina encontra-se prejudicada neste tecido. Os dados de imunofluorescência mostram que na região peribronquiolar de camundongos obesos há maior colocalização entre 3-NT/IRβ e 3- NT/AKT, mostrando aumento da nitração em proteínas da sinalização da insulina. Esse aumento da nitração de IRβ, IRS-1 e AKT no pulmão de camundongos obesos parece-nos um dado bastante robusto, pois foi visto pelo ensaio de imunoprecipitação e confirmado pelo ensaio de imunofluorescência. A sinalização IKK/IkappaB/NF-kappaB representa uma via pró-inflamatória que pode ser ativada pelo TNF-α, e, de certo modo, “antagoniza” a ação da insulina. A ativação de substratos da via de sinalização estimulada pelo TNF-α, como a JNK, é capaz de reduzir a funcionalidade dos substratos do receptor de insulina 1 e 2 (IRS-1 e IRS-2). Quando esses substratos são fosforilados de maneira inibitória em serina pela JNK, diminui as chances de os mesmos serem fosforilados em tirosina pelo receptor de insulina, que poderia contribuir para a resistência à transdução do sinal da insulina (143).

A hiperglicemia no diabetes vem sendo associada indiretamente à produção excessiva de EROs por meio da formação de produtos avançados da glicação (advanced glycated end-products, AGEs; 144) os quais estão também implicados em doenças inflamatórias pulmonares como asma (145). Estudo anterior mostrou que a aminoguanidina inibe a formação de AGEs (144); porém, para obter esse efeito é necessário doses elevadas de aminoguanidina, da ordem de 1 g/L (água de beber), que é equivalente a aproximadamente 1 g/kg/dia (146). A dose usada em nosso trabalho foi 50 vezes menor (20 mg/kg/dia). Assim, nesse presente estudo, o efeito protetor da aminoguanidina na sinalização da insulina em animais obesos parece ter sido devido de fato à inibição seletiva da atividade da iNOS, reduzindo o estresse oxidativo (139). O tratamento com aminoguanidina não altera a ingestão alimentar dos animais (147) e nem modifica o peso corpóreo (presente trabalho), sugerindo que a melhora da sinalização da insulina não é acarretada por menor ganho de peso ponderal.

O resveratrol vem sendo muito explorado como droga anti-inflamatória, neuroprotetora e anti-cancerígena, entre outros efeitos (148). Estudos recentes mostraram que o resveratrol reduz a obesidade e a resistência à insulina em roedores alimentados com dieta hiperlipídica (99, 102, 149) e em humanos com diabetes do tipo 2 (100). Por isso, decidimos investigar este polifenol quanto à sinalização da insulina no tecido pulmonar de camundongos magros e obesos. No geral, o tratamento de animais obesos com resveratrol inibiu de maneira significativa a resistência à insulina pulmonar causada pelos eventos nitrosativos, visto que tal agente diminuiu a formação de 3-NT. Este composto normalizou a fosforilação da IRβ, IRS-1 e AKT em resposta à insulina no tecido pulmonar (ou de AKT em brônquio isolado) de camundongos obesos e inibiu a nitração das proteínas IRβ, IRS-1 e AKT. Além disso, o tratamento com resveratrol reduziu de maneira significativa a expressão da p-JNK e p-IKK no grupo obeso. Nossos dados corroboram com trabalho recente no qual o resveratrol preveniu a resistência à insulina causada pela elevação aguda de ácidos graxos livres, através da inibição da IKK no músculo sóleo (149). Também já foi visto que o resveratrol reduz a liberação de TNF-α em células inflamatórias dos pulmões de ratos por mecanismo relacionado a aumento da atividade de SIRT1 (150). Ademais, a deacetilase de SIRT1 bloqueia a upregulação da via de sinalização do NF-ᴋB pelo TNF-α em macrófagos in vitro e

em pulmões de ratos in vivo (150). Assim, estes mecanismos podem explicar a diminuição da ativação da vias JNK e IKK. Dessa forma, nossos resultados mostram um efeito terapêutico adicional do resveratrol na reversão da inflamação e inibição da resistência à insulina no tecido pulmonar de camundongos obesos. Os dados obtidos com o tratamento de camundongos obesos com resveratrol parecem bastante otimistas para o tratamento da asma associada à obesidade e resistência à insulina, principalmente considerando-se que a nitração é um evento irreversível (151).

Os animais magros tratados com resveratrol não apresentaram diferenças significativas frente à fosforilação de JNK e IKK e à nitração de IRβ, IRS-1 e AKT comparados aos animais magros não-tratados. De modo semelhante ao resveratrol, o tratamento com aminoguanidina também não mostrou diferença na fosforilação de JNK e IKK quando comparado aos animais magros não-tratados. Estes resultados podem ser explicados pelo fato de animais magros apresentarem níveis menores de inflamação em relação aos obesos. Assim, os tratamentos não seriam capazes de diminuir níveis já baixos de inflamação e nitração.

Estudo recente mostrou que células das vias respiratórias humanas têm receptores de insulina funcionais e transportadores de glicose dependentes de insulina que participam na regulação do uptake de glicose intracelular. Além disso, a insulina tem a capacidade de comprimir as barreiras paracelulares do epitélio das vias aéreas, criando uma barreira metabólica (152). O epitélio das vias aéreas atua prevenindo infecções pulmonares, pois o pulmão é o órgão de interface com ambiente não estéril (153- 155). De fato, a hiperglicemia em camundongos tratados com estreptozotocina foi correlacionada com níveis elevados de glicose no LBA e aumento de infecções pulmonares bacterianas (156). Sugerindo que animais obesos que apresentam hiperglicemia podem ter maiores índices de infecções bacterianas. Assim, a barreira regulada pela insulina atua para proteger o espaço aéreo de possíveis infecções bacterianas (152).

Em resumo este presente trabalho mostra que existe resistência à insulina no tecido pulmonar de camundongos obesos, sendo possível que este mecanismo esteja relacionado à amplificação da resposta inflamatória alérgica. A melhora da

resistência à insulina causada pelo tratamento com resveratrol em camundongos obesos mostra que drogas que controlam as desordens metabólicas secundárias à obesidade, tal como a resistência à insulina, poderiam se tornar coadjuvantes no tratamento da asma.

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