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O conjunto de procedimentos adotados nesta pesquisa teve seu respaldo nos princípios das Ciências Fonéticas, com ênfase ao modelo fonético de descrição da qualidade vocal (LAVER, 1980), por meio da análise acústica de amostras representativas de ajustes fonatórios, de tensão laríngea e de altura de laringe.

Em oposição a descrições impressionísticas, foi apresentado por LAVER (1980) o modelo de caráter científico, como uma perspectiva de ancoramento teórico às descrições de qualidade vocal. A característica de base analítica (contrapondo-se a holísticas) do modelo respalda-se na adoção de uma unidade de análise: o ajuste. Por sua vez, a propriedade integrativa é justificada pela possibilidade de se estabelecer combinações dos ajustes entre si, e das correlações à fisiologia e à acústica vocal.

Sendo assim, buscou-se conduzir um estudo na interface da fonética perceptiva e da fonética acústica, com o devido respaldo das Ciências Fonéticas e dos princípios da fonética experimental (LLISTERRI, 1991).

A formação em Fonética tem se mostrado importante para o grupo de pesquisadores que tem contato com o roteiro VPAS-PB, revelando a demanda por compreensão de preceitos teóricos, tais como a susceptibilidade dos segmentos aos efeitos de longo termo de ajustes de qualidade vocal, da convivência a uma unidade de referência: o ajuste neutro, que não se apresenta como parâmetro de normalidade. Este ajuste é adotado como ponto de partida para se graduar em as manifestações de ajustes de qualidade vocal nos planos laríngeo, supralaríngeo e de tensão, bem como dos aspectos de dinâmica vocal.

Os dados perceptivos revelam, no grupo estudado, a prevalência de ajustes de tensão muscular laríngea, sendo a hiperfunção presente no gênero feminino com manifestações entre graus 1 a 3, com graus similares no gênero masculino.

O ajustes oposto, a hipofunção laríngea, prevaleceu para os falantes do gênero masculino, em graus similares de manifestação no grupo de falantes do gênero feminino.

A prevalência de ajustes fonatórios para falantes do gênero feminino foi o ajuste fonatório de fricção laríngea de voz áspera (graus 1 a 3), com distribuição similar por graus no gênero masculino (Quadro 2 e 3; Figuras 9 e 10).

Quanto aos ajustes de tensão do trato vocal, no gênero masculino esteve presente a hiperfunção, em grau 1 leve (Quadro 2 e Figura 9), enquanto que no gênero feminino este ajuste foi ausente (Qaudro 3 e Figura 10).

O ajuste fonatório neutro (modo de fonação modal) prevaleceu no grupo do gênero masculino (Quadros 2 e 3; Figuras 9 e 10).

O grupo do gênero masculino apresentou emissões do ajuste fonatório de crepitância (grau 1), enquanto no grupo do gênero feminino esteve presente em graus 1 e 2 (Quadro 2 e Figura 9). O ajuste fonatório de voz crepitante no grupo gênero masculino esteve presente em grau 1, enquanto que no grupo de gênero feminino em graus 1 à 2 (Quadros 2 e 3; Figuras 9 e 10).

O ajuste fonatório de escape de ar, prevaleceu no grupo do gênero feminino (grau 1 a 2), enquanto no gênero masculino ocorreu em graus 1 a 3 (Quadros 2 e 3; Figuras 9 e 10).

Finalmente, o ajuste fonatório de voz soprosa prevaleceu no grupo do gênero feminino em graus 1 a 3, em relação ao grupo do gênero masculino (graus 1 e 2). (Quadros 2 e 3; Figuras 9 e 10).

O ajuste fonatório de modo de fonação falsete esteve ausente em ambos os grupos (Quadros 2 e 3 ; Figuras 9 e 10).

Conforme referências de LAVER (1980), as manifestações encontradas concentram-se em diferenças leves em relação ao ajuste neutro, com algumas manifestações em grau moderado.

A análise aglomerativa hierárquica de cluster permitiu traçar o perfil geral de

distribuição dos ajustes de qualidade vocal para os 2 grupos. No grupo do gênero masculino, as classes referentes a voz crepitante, voz soprosa e hipofunção laríngea segregaram-se dos demais (Figura 9). No grupo do gênero feminino, os ajustes de hiperfunção laríngea e da combinação de voz áspera e escape de ar segregaram-se dos demais ajustes (Figura 10).

Os estudos do grupo de pesquisas sobre a fala têm revelado particularidades ao que se refere aos grupos de ajustes de qualidade vocal e de medidas acústicas empregados neste estudo (Camargo e Madureira, 2010, Rusilo et al., 2011) e, mais recentemente, para os gêneros masculino e feminino (Camargo et al., 2012). Tais achados conduziram à demanda de tratamento de dados de forma distinta para os gêneros masculino e feminino neste estudo. Além disso, os dados foram tratados de foram a separar ajustes neutros e não neutros de qualidade vocal para os parâmetros eleitos, de forma a não ser necessário lidar com os grupos distintos de falantes em função dos ajustes fonatórios e de tensão.

Retomando-se os achados perceptivos do grupo de falantes do gênero feminino, deve-se recordar que configuração laríngea particular das mulheres pode favorecer a ocorrência de fenda glótica, triangular posterior (PINHO e PONTES, 2008; AZEVEDO 2001)

Nesse caso, o fechamento imperfeito da glote, sob influência do fluxo de ar subglótico, gera vibração irregular (menos periódica). Das pregas vocais, ruído turbulento e, frequentemente amplitude reduzida da vibração da prega vocal com consequente diminuição dos componentes harmônicos da voz (ISSHIKI et al., 1999), o que explicaria os ajustes de ar e voz áspera.

Em pesquisa anterior realizada por RUSILO et al., (2011), foi realizado o levantamento da qualidade vocal em grupo de 60 falantes sem referência a queixas vocais. Os achados revelaram predomínio de ajustes modal, voz crepitante, hiperfunção de laringe e voz áspera, num grupo com prevalência de falantes do gênero feminino.

O princípio da combinabilidade dos ajustes (LAVER, 1980) também colaborou para justificar a associação de ajuste tensão (hiperfunção laríngea) e de ajustes de trato vocal (laringe elevada), propiciando um cuidadoso detalhamento de ocorrências que podem predispor quadros de distúrbios de voz (LIMA-SILVA, 2012).

Nessa mesma perspectiva, foram relatados achados de pesquisas de FERNANDES (2011) e LIMA-SILVA (2012), em grupos de professores ajustes de hiperfunção laríngea, voz áspera e constrição faríngea, segundo o roteiro

VPAS-PB, com importantes implicações detectadas entre ajustes fonatórios, de

trato vocal e de tensão.

São fontes de descrição dos ajustes de qualidade vocal no modelo fonético as esferas acústicas e fisiológicas (LAVER, 1980). A descrição complementar de dados acústicos da qualidade vocal tem sua justificativa relacionada ao fato de que a qualidade vocal é decorrência da interação entre a estrutura acústica do sinal vocal e um ouvinte, de maneira que as descrições acústicas são tidas como essenciais para dimensionar o impacto que o sinal vocal promove no ouvinte (KREIMAN e GERRATT, 2000; LIMA-SILVA 2012).

O conjunto de medidas acústicas extraídas a partir do script

ExpressionEvaluatorbySG (BARBOSA, 2009) propiciou a análise de trechos de

fala e, não exclusivamente, de vogais isoladas em abordagens de curto termo. A frequência fundamental (f0) da voz equivale, fisiologicamente, à frequência na qual as pregas vocais vibram. Aproximadamente, oscilam entre 100 a 150Hz para homens e de 200 a 300Hz para mulheres durante a fala (ISSHIKI et al., 1999), compatíveis com os valores de mediana de f0 obtidos no presente estudo.

A análise aglomerativa hierárquica de cluster aplicada a tais medidas

revelou agrupamentos similares para homens e mulheres, com tendência a aproximar medidas de f0 e de sua variabilidade (semiamplitude entre quartis, quantil 99,5%, assimetria, além daquelas referentes à primeira derivada de f0) e medidas de declínio espectral e ELT em grupos distintos. Em estudos

anteriores, a variabilidade de f0 diferenciou ajustes neutro e não neutros (CAMARGO e MADUREIRA, 2010; RUSILO et al., 2011).

A análise discriminante revelou que as medidas acústicas foram capazes de diferenciar 79,12% de ajustes neutro (modal) e 74,95% de não neutros. Quando considerados em blocos de medidas, aquelas referentes a f0 e à primeira derivada de f0 tiveram maior poder discriminatório para ajuste neutro (modal) e as medidas de declínio espectral e ELT para os ajustes não neutros. Tais aspectos poderão ser aplicados em futuros estudos e incorporados para rotina clínica, enquanto preditivos de evolução terapêutica.

As medidas de declínio espectral sofrem influência do mecanismo laríngeo, inclusive de seu grau de tensão (HAMMARBERG e GAUFFIN, 1995; LAUKKANEN et al., 2004).

Os dados de correlação canônica revelaram justamente associação de medidas de declínio espectral com ajustes de laringe elevada, além de ajuste de hiperfunção laríngea com espectro de longo termo no grupo de falantes do gênero masculino (Figura 12).

Os achados de ajuste de laringe elevada reforçam o aumento do grau de adução glótica e respaldam a relação do ajustes de hiperfunção laríngea (PINHO e PONTES, 2007) com os dados de declínio espectral e espectro de longo termo (CAMARGO e MADUREIRA, 2010; RUSILO et al., 2011; CAMARGO et al, 2012).

Para os falantes do gênero feminino, a análise de correlação canônica revelou associação similar ao grupo masculino, no que se refere à associação de medida de declínio espectral com ajuste de hiperfunção laríngea (Figura 18). Entretanto revelou influências de medidas de f0 – mediana com ajuste de hiperfunção laríngea, bem como de ajustes de voz soprosa a medida de ELT. Tais associações reforçam os achados de particularidades da estrutura laríngea feminina a afetar a qualidade vocal em suas vertentes perceptiva e acústica.

O aumento do nível de hiperfunção laríngea afeta, naturalmente, os mecanismos glóticos, tanto em termos de fechamento mais vigoroso, quanto da modificação do modo vibratório das pregas vocais, como tendência ao aumento dos valores de f0 habitual e de restrição da extensão e da variabilidade (gama tonal) de f0, bem como redução da variabilidade de intensidade (faixa dinâmica) e de seu aumento no plano habitual.

Tais ajustes resultam de aperiocidade do sinal vocal, o que pode comprometer os níveis de f0 habitual, bem como os aspectos de declínio espectral há pouco mencionados (HAMMARBERG e GAUFFIN, 1995; LAUKKANEN et al., 2004).

A investigação ampliada a maior número de falantes poderá reafirmar tais associações e prover dados de referência para a avaliação clínica e para novas pesquisas.

Com base nos achados relatados, que reafirmam a validade de medidas acústicas de longo termo, no caso deste estudo, representadas pelas medidas

geradas pelo script ExpressionEvaluatorbySG, e na demanda por descrição de

medidas que não sejam influenciadas pela dependência de demarcação de ciclos sucessivos de onda sonora ou “dependentes de f0” surge a proposta do enfoque de diferença de intensidade entre os dois primeiros harmônicos (H1- H2) na dimensão de curto termo (HAMMARBERG e GAUFFIN, 1995; LAUKKANEN et al., 2004). Para evitar interferências das influências do trato vocal supraglótico, recomenda-se que seja enfocada vogal com língua baixa, como [a].

A análise de componentes principais revelou distribuições similares para os grupos de falantes dos gêneros masculino e feminino. Neste ponto, as medidas de H1-H2 formaram classe distinta, assim como ajustes de hiperfunção laríngea; escape de ar e voz áspera; modal; voz soprosa; voz crepitante; crepitância e hipofunção laríngea. Tais agrupamentos revelam a condição de separar ajustes de hiperfunção e hipofunção laríngea. No caso de hipofunção associou-se o ajustes de voz soprosa e de voz crepitante.

O outro grupo detectado: combinação de ajustes de escape de ar e de voz áspera revela importantes combinações de fatores a determinar a fisiopatologia de voz (ISSHIKI, 1999). Tal combinação foi encontrada em estudo recente (LIMA-SILVA, 2012) e reforça a “rouquidão” enquanto ajuste composto de qualidade vocal (LAVER, 1980) e os achados de estudos com método de diferencial semântico que culminaram na proposta GRBAS, adaptado para nossa realidade como RASAT (PINHO e PONTES, 2008).

Dados de análise de regressão linear para medidas de H1-H2 em função dos ajustes de qualidade vocal revelaram distinções para ajustes de hiperfunção laríngea e voz soprosa para falantes de gênero masculino e de ajustes de hiperfunção e hipofunção laríngea, modal, escape de ar e voz áspera para o grupo do gênero feminino.

Além disso, os valores de H1-H2 mostraram diferenças estatísticas para ajustes neutros e não neutros de esferas fonatória e de tensão, inclusive para a maioria dos pareamentos testados, exceto para modal x voz crepitante e modal x hipofunção laríngea no grupo do gênero feminino. Tais dados reforçam o potencial de medida H1-H2 para se corresponder aos ajustes de qualidade vocal de natureza fonatória e de tensão, desde que consideradas as particularidades para os grupos de falantes em função do gênero. Como parâmetros de referência podemos adotar aqueles do ajuste neutro (masculino: média: -1,4657dB, DP: 5,036, variância: 25,3361; feminino: média: - 0,69455dB, DP: 7,009, variância: 49,125).

A adoção do referencial das Ciências Fonéticas propiciou a condição de detalhamento de eventos relacionados aos ajustes de qualidade vocal, dentre eles, as particularidades que residem entre a percepção e a acústica do sinal vocal de grupos de falantes dos gêneros masculino e feminino.

6. Conclusão

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