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Do total de 2.600 PVH em acompanhamento no HC-UNICAMP em 2016, identificamos 729 (28%) com 50 anos ou mais. Em nosso estudo conseguimos avaliar 333 pacientes consecutivos com mais de 50 anos que compareceram a pelo menos uma consulta de rotina nos ambulatórios de HIV/Aids do HC-UNICAMP no período de aproximadamente seis meses, o que representa 46% da população estimada de PVH nesta faixa etária acompanhadas no serviço.

A idade mediana da nossa população foi 56 anos, sendo mais que 60 em 37% dos avaliados, e apenas em três indivíduos mais que 80 anos. No Brasil, dentre todos casos de infecção pelo HIV detectados entre 2007 e 2017, apenas 11% tinha mais que 50 anos e 3%, mais que 60 no momento do diagnóstico. Do total de casos de aids notificados no País até junho de 2017, somente 13% tinha 50 anos ou mais no diagnóstico, e apenas 3,5%, mais que 60 anos35. À semelhança do que vem sendo documentado em serviços da América do Norte e Europa11,36,37, embora no Brasil mais de 50% dos diagnósticos encontrem-se na faixa de 20 a 34 anos12, observamos em nosso estudo uma grande proporção de idosos entre as PVH acompanhadas no serviço. O envelhecimento das PVH decorre principalmente do tratamento antirretroviral eficaz e da consequente queda da mortalidade, mas também do aumento de diagnósticos em faixas etárias mais avançadas em relação ao que ocorria no início da epidemia. Na população estudada, 76% “envelheceu” com HIV, enquanto 24% adquiriu a infecção após os 50 anos. Nesta população, a mediana de idade ao diagnóstico foi de 42 anos e o tempo mediano decorrido desde o diagnóstico foi de 16 anos.

A razão de sexos no grupo estudado foi de 1,7 homens para 1 mulher, a mesma dentre os maiores que 50 anos diagnosticados no Brasil desde 2014 e muito inferior à de 3,3 encontrada no grupo de 20 a 29 anos em 201612. De fato, nas faixas etárias mais avançadas, o aumento na taxa de detecção observado nos últimos anos no Brasil foi similar em ambos os sexos. Já o forte aumento da taxa de detecção observado entre os jovens atingiu particularmente homens que fazem sexo com homens (HSH).

A população incluída na pesquisa apresentou baixo nível de escolaridade, com 47% relatando sete anos ou menos de escola formal. Apenas 22% dos casos haviam completado o ensino médio ou mais, valor muito inferior quando comparado aos 48% do global das notificações de HIV no Brasil entre 2007 e 2017. Este dado provavelmente reflete a maior precariedade da educação no País no período da infância e juventude do grupo incluído no estudo. Sabemos que baixa escolaridade está associada à desfechos

negativos de saúde na população geral38. Poucos anos de educação formal pode ser uma

condição particularmente danosa no caso de PVH idosas, pois nesta população, infecção pelo HIV, baixa escolaridade e idade avançada foram identificados como fatores independentes preditivos de transtornos cognitivos39.

Infecção pelo HIV

De modo similar aos dados nacionais, no nosso grupo de pacientes o modo predominante de transmissão do HIV foi sexual, porém observamos algumas diferenças entre o nosso grupo e os casos notificados no País entre 2007 e 2017. Enquanto no Brasil do total de homens notificados, 59% ocorreu em homens que fazem sexo com HSH35, neste estudo estes somaram apenas 23% dos homens no grupo estudado. Para a maioria dos homens (59,5%) e das mulheres (91%), o modo de transmissão provável havia sido relações heterossexuais. A menor frequência de HSH no grupo estudado pode ser atribuída a dois fatores comportamentais relacionados a diferenças geracionais. Por um lado, pessoas mais velhas podem ter mais dificuldade em admitir comportamento homossexual e podem ter omitido tal tipo de exposição potencial ao HIV. Por outro, ainda que sexualmente ativo, o idoso pode não se perceber como vulnerável a infecções sexualmente transmissíveis (IST) ou ainda, mesmo reconhecendo, pode apresentar dificuldades em adotar medidas preventivas, como o uso de preservativo40. A transmissão

atribuída ao uso de droga injetável foi incomum (5,9% dos pacientes), tendo sido reportada por apenas uma das 115 mulheres, porém superior ao valor de 2% do total nacional até 201735. Quarenta e um porcento dos nossos pacientes foram diagnosticados com HIV até a década de 90, período em que o uso de “crack” inalado ainda não havia sido substituído completamente o uso de cocaína injetável. Ainda que grande parte dos diagnosticados naquele período tenha evoluído para óbito, os sobreviventes dessa época representam perto da metade das pessoas com mais de 50 anos acompanhadas no HC- UNICAMP.

O grupo de pacientes do estudo foi diagnosticado predominantemente na fase tardia da infecção. Em mais de 72%, o diagnóstico de aids estava presente, seja por contagem de CD4 baixa - a mediana do nadir de CD4 foi 138 cel/mm3 - seja pela ocorrência de doença oportunista, documentada em 43% dos casos. A mediana de CD4 inicial foi de 214 céls/mm³, porém é importante notar que uma parte significativa dos

pacientes foi diagnosticada antes da disponibilidade ampla da contagem de CD4. Para esses, o primeiro exame ocorreu já sob efeito do tratamento antirretroviral e valores encontrados já refletiam alguma resposta imunológica. Isto é, a mediana de 214 cel/mm3,

mesmo baixa, provavelmente superestima o valor real no diagnóstico.

Diagnóstico tardio, definido por CD4 inicial menor que 200 céls/mm³ ou doença definidora de aids, foi mais frequente em pacientes mais velhos que em jovens em vários estudos. O grupo de Cuzin18, em consonância com outro estudo prévio17, encontrou uma mediana de CD4 inicial de 189 cel/mm³ em pacientes acima de 50 anos na França. Também nos Estados Unidos da América e no Canadá, pacientes nesta faixa etária apresentam consistentemente diagnóstico mais tardio, quando comparados a grupos mais jovens20. O mesmo se repete também em países de recursos limitados. Dawood e colaboradores encontrou para seu grupo de pacientes acima de 50 anos na África do Sul uma mediana de CD4 inicial de 142 cél/mm³ 8. No Brasil, no ano de 2017, enquanto apenas 11% dos jovens de 18 a 24 anos foi diagnosticado tardiamente, com CD4 menor que 200 cel/mm3, o mesmo ocorreu em 40% dos indivíduos com mais de 50 anos no momento do diagnóstico35. Do mesmo modo que nos dados globais da epidemia brasileira12, a taxa de diagnóstico tardio não foi diferente quando analisada por sexo em nosso estudo.

A principal hipótese para explicar o diagnóstico mais tardio em pessoas mais velhas é a baixa frequência de testagem diagnóstica nessa população. No estudo de Ellis e colaboradores, pacientes acima de 65 anos tiveram menos chance de serem testados para HIV que pacientes mais jovens21. A falta da percepção da vulnerabilidade de idosos

para IST pela equipe de saúde21 e pelos próprios idosos40,41 certamente contribui para que

o teste não seja oferecido aos mais velhos. A baixa percepção de risco, entretanto, convive com alta exposição ao risco: Cooperman, ao avaliar o comportamento sexual em homens de 49 a 80 anos, encontrou que 75% era sexualmente ativo, sendo que 25% deles tinha mais de uma parceria sexual. Neste mesmo grupo, apenas 18% dos indivíduos HIV- negativos fazia uso de preservativos, em contraste com uma taxa maior (58%), mas ainda assim preocupantemente baixa, entre os HIV-positivos41.

A demora mediana para início de TARV no nosso grupo de PVH com mais de 50 anos foi de três meses, com grande variação, a depender do período do diagnóstico. Indivíduos diagnosticados até 1989 demoraram 50 meses (mediana) para iniciar o tratamento, aqueles diagnosticados entre 1990 e 1994, 42 meses. Uma drástica redução do tempo para o início da TARV para 3 meses aconteceu a partir de 1995, para atingir 2 meses após 2010. Estas mudanças refletem mais a disponibilidade de tratamento eficaz a partir de 1995 que as oscilações nas diretrizes para início de tratamento ocorridas durante as três décadas de TARV. Ainda que, de fato, entre 1997 e 2013 as diretrizes tenham oscilado em adotar limiares de CD4 de 500, 200, 350 e novamente 500 para desencadear o início de tratamento, para pacientes tardiamente diagnosticados como os do nosso estudo, o tratamento sempre esteve recomendado a partir do diagnóstico.

O tipo de tratamento utilizado variou amplamente no grupo, de acordo com a disponibilidade de ARV no momento do início. Quarenta e quatro porcento dos pacientes nunca havia sido exposta a medicamentos da classe dos inibidores de protease e mantinha um esquema típico de início de tratamento, baseado em efavirenz ou dolutegravir.

A mediana de tempo total de tratamento foi de 15 anos; 75% dos pacientes tendo usado de 6 a 19 anos de TARV. A maioria dos pacientes (91%) mantinha supressão viral, com PCR-RNA quantitativo inferior a 200 cóp/mL e havia apresentado resposta imunológica, com CD4 superior a 350 cél/mL em 86% e superior a 500 em 65% dos casos. A mediana da mais recente contagem de CD4 foi de 661 cél/mL. Definimos “resposta satisfatória” ao tratamento como a combinação de carga viral menor que 200 cóp/mL e CD4 superior a 350 cél/mm3 porque ambas as condições foram associadas em

outros estudos com desfechos clínicos positivos, com menor risco de doença oportunista42

e morte e maior expectativa de vida4,5. Usando esta definição verificamos que 80% das PVH com mais de 50 anos em acompanhamento no ambulatório apresentava resposta satisfatória à TARV.

O desenho deste estudo pressupõe a inclusão somente de PVH estáveis clinicamente em acompanhamento e com boa adesão ao tratamento e ao seguimento no ambulatório de HIV/Aids da UNICAMP, já que apenas pacientes que compareceram para uma visita de rotina foram incluídos. De fato, apenas 3% dos avaliados estavam em tratamento de alguma doença ativa na visita mais recente, sendo tuberculose ou alguma neoplasia as mais frequentes. Pacientes diagnosticados no passado que evoluíram para óbito ou foram transferidos, e pacientes com má adesão ou que faltaram à consulta

agendada não foram avaliados, o que produziu um forte viés de boa evolução e sobrevida na população estudada. Sendo assim, este estudo não permite estimar a taxa de resposta ao tratamento e a mortalidade nos pacientes que iniciam tratamento no HC – UNICAMP e, menos ainda, estudar o efeito da idade sobre tais taxas. Por outro lado, observamos que dentre os sobreviventes que atingiram os 50 anos de idade e estão em tratamento por longo tempo, há um subgrupo (20%) que não atingiu resposta satisfatória. Exploramos então fatores preditores de resposta satisfatória no grupo estudado.

Em uma análise inicial separamos os pacientes em dois grupos: aqueles diagnosticados com HIV antes dos 50 anos (os que envelheceram com HIV) e aqueles diagnosticados após os 50 anos (os diagnosticados “mais velhos”), mas não encontramos diferença na chance de resposta satisfatória entre esses dois grupos. Como o tamanho da amostra é relativamente pequeno, a análise estatística para detectar diferenças pequenas entre as duas subpopulações fica prejudicada.

Exploramos então o papel de diversas variáveis sobre a resposta ao tratamento. Após análise univariada, identificamos vários potenciais preditores de ausência de resposta satisfatória em nossa população: idade no diagnóstico maior que 50, diagnóstico de aids, doença oportunista prévia e ativa, baixo nadir de CD4, dislipidemia, história de neoplasia, tempo longo de doença, tratamento e supressão viral. Entretanto, a maioria das associações desapareceu na análise multivariada, controlada para marcadores de doença avançada, como presença de aids, doença oportunista e neoplasia e CD4 baixo. Após os ajustes para tais fatores confundidores, permaneceram como fatores preditivos independentes de resposta satisfatória a TARV apenas nadir de CD4, história de neoplasia e duração da supressão viral sustentada.

Em contraste com outros pesquisadores, não encontramos idade avançada como preditor de pior resposta ao tratamento7,8,18,25,26. Considerando que quanto mais velha a população, mais frequente é o diagnóstico tardio, a falha em ajustar para marcadores de doença avançada tende a produzir associações entre idade avançada e desfechos negativos, o que não ocorreu em nosso estudo.

Fatores Preditivos de Resposta Satisfatória Nadir de CD4

A contagem de CD4 baixa é o principal marcador de doença avançada. Contagens iniciais inferiores a 200 cél/mL definem diagnóstico tardio da infecção pelo HIV, situação associada a desfechos clínicos negativos e mortalidade em vários estudos observacionais5,14,15 e pior resposta a tratamento em estudos observacionais e clínicos randomizados17, 18, 42, 43,44,45. Por outro lado, a resposta à TARV, definida como supressão viral e recuperação imune, resulta em queda de morbidade e mortalidade, e aumento da expectativa de vida5.

O valor de CD4 mais baixo apresentado por PVHA (nadir de CD4) é um forte fator preditivo de supressão viral e de recuperação imunológica24,46,47 em resposta à TARV. Entretanto, mesmo em indivíduos sob tratamento que atingem e mantém supressão viral máxima e restituição imune, ou seja, mantém carga viral indetectável e valores elevados de CD4, o nadir de CD4 continua sendo um fator preditivo independente de progressão de doença47, comorbidades48,49 e mortalidade50. O impacto do diagnóstico tardio da infecção pelo HIV sobre o prognóstico foi claramente observado no estudo sobre mortalidade da coorte UK CHIC4. Naquele modelo, comparados com à população geral britânica, indivíduos com CD4 inicial menor que 200 cél/mm³ perdiam dez anos na expectativa de vida aos 20 anos, enquanto indivíduos comparáveis quanto a gênero, idade e tempo tratamento que iniciaram TARV com CD4 de 350 cel/mL ou mais apresentaram expectativa de vida similar à da população geral.

Em adição a todas essas evidências sobre o valor preditivo do nadir de CD4 para desfechos desfavoráveis em longo prazo, pesquisas recentes demonstraram que, independente de outros fatores, em pacientes sob tratamento estáveis do ponto de vista clínico, virológico e imunológico, o nadir de CD4 prevê o tamanho do reservatório viral51.

Este, por sua vez, é um fator preditivo de rebote viral após um tempo prolongado de controle da replicação, especialmente após interrupção da TARV ou migração para esquemas ARV sub-ótimos52.

Em consonância com este corpo de evidências, no nosso estudo, mesmo após controle para CD4 atual, supressão viral, tempo de supressão viral e outros fatores confundidores, o valor nadir de CD4 permaneceu como forte fator preditor de resposta satisfatória à TARV. Nós encontramos um aumento de 10% na chance de resposta satisfatória à TARV para cada aumento de 10 células no valor nadir de CD4.

Tempo de doença diagnosticada

Encontramos a variável “tempo de doença diagnosticada” como outro fator associado a resposta satisfatória. Cada ano de doença diagnosticada aumentou em 7% a chance de resposta a TARV.

O tempo de doença diagnosticada se relaciona ao tempo de terapia eficaz. Quanto mais tempo de terapia eficaz, maior é a sobrevida e, portanto, maior é o tempo de doença diagnosticada.

Outros estudos mostram que, passado o momento inicial mais grave, de diagnóstico tardio com doença avançada, com o tempo esses pacientes apresentam recuperação imunológica, que é progressivo. Hughes et al publicou em 2018 uma análise de uma coorte de PVH de 15 anos de tratamento. Eles observaram que o valor de CD4 nos diferentes grupos não estagnava, que havia aumento de seu valor no decorrer dos anos53.

Tempo de supressão viral

Encontramos um aumento em 15% na chance de resposta satisfatória à TARV para cada ano de supressão viral mantida. A associação se manteve forte, mesmo após ajustes para nadir de CD4 e outros confundidores. A supressão viral sustentada é um reflexo da boa adesão à TARV, que está diretamente relacionada ao aumento de valores de CD4 e à redução da mortalidade54.

Em uma grande coorte na África do Sul seguida por mais de 5 anos, o grupo de Fatti46 encontrou que indivíduos com idade superior há 55 anos apresentaram maiores

taxas de supressão viral, associadas a menores taxas de perda de seguimento e de troca de esquema terapêutico para segunda linha, achados interpretados como resultantes de melhor adesão ao tratamento no grupo dos pacientes mais velhos46.

No Brasil, indicadores da Cascata de Cuidado em HIV/Aids35 mostraram que a taxa de vinculação ao serviço cresce com o aumento da idade, de modo que as maiores proporções são encontradas entre os indivíduos com 50 anos e mais. Além disso, em 2016, entre as 193 mil PVH vinculadas com 50 anos e mais, 90% estavam retidas, 76% em uso de TARV e 72% em supressão viral, considerando-se o corte de 200 cóp/mL, taxas favoráveis quando comparadas àquelas de faixas etárias mais jovens35.

O impacto do engajamento ao cuidado (“engagement-in-care”) sobre os desfechos clínicos em longo prazo foi demonstrado por Sabin e colaboradores54. Após observação

de 8.730 indivíduos por um tempo mediano de 5,5 anos, os pesquisadores demonstraram que o padrão de engajamento ao cuidado foi preditor de mortalidade subsequente tanto antes como depois do início da TARV54. Este achado indica que os pacientes que sobrevivem à fase inicial de tratamento e se mantém aderentes à TARV, ainda que diagnosticados tardiamente, acabam por atingir resposta satisfatória, desde que decorrido um tempo suficientemente longo de supressão viral.

Neoplasias

No presente estudo, embora histórico de infecções oportunistas e/ou neoplasias definidoras de aids não tenham sido preditores de má resposta ao tratamento, encontramos uma chance de resposta satisfatória à TARV 86% menor nos indivíduos que apresentavam histórico de qualquer neoplasia. É importante notar que 13 dos 22 casos de neoplasias documentadas eram neoplasias não-aids (neoplasias NAIDS). Além disso, em contraste com os casos de neoplasias definidoras de aids (neoplasias AIDS) - sarcoma de Kaposi e linfoma não-Hodgkin, as neoplasias NAIDS ocorreram anos após o início da TARV, na vigência de supressão viral e após resposta imune. As neoplasias associadas a aids haviam sido diagnosticadas concomitantemente ou logo após o diagnóstico da infecção pelo HIV.

A associação entre infecção pelo HIV e câncer é conhecida desde o início da epidemia55. Sarcoma de Kaposi e linfoma não-Hodgkin foram as primeiras neoplasias

incluídas na classificação de aids pelo Centro de Controle de Doenças norte-americano (CDC) como neoplasias definidoras de aids, com base na alta incidência observada entre portadores de HIV em imunodeficiênciav56. Em 1993, câncer de colo uterino foi adicionado à lista de neoplasias AIDS57. O início da TARV eficaz a partir de 1996 levou a um rápido declínio na incidência de neoplasias definidoras de aids, principalmente sarcoma de Kaposi e linfoma não-Hodgkin58. Tal diminuição, no entanto, foi acompanhada por um aumento na incidência de outras neoplasias, de tal magnitude que, atualmente, um terço das mortes em PVH está relacionada a câncer59,60.

Embora o aumento do risco de neoplasias NAIDS possa ser atribuído ao aumento da longevidade e envelhecimento dessa população, há evidências de que PVH apresentem

risco maior também de neoplasias NAIDS, comparadas à população na mesma faixa etária61. Esse risco elevado foi demonstrado para linfoma de Hodgkin, neoplasia do canal

anal, neoplasia pulmonar, hepática e algumas neoplasias de pele62. As causas do risco

aumentado de câncer são imunossupressão residual, coinfecção com vírus oncogênicos e prevalência aumentada de fatores tradicionais de risco para câncer nessa população, como tabagismo63. Em relação à população geral, as neoplasias em PVH parecem ocorrer mais precocemente, como mostram os estudos de Hleyhel et al. Ao analisar uma coorte francesa no período de 1992 a 2009, encontraram surgimento precoce de neoplasias AIDS e NAIDS. Em comparação à população geral, observaram antecipação de três anos para neoplasia pulmonar e um ano para linfoma Hodgkin64,65.

Quando analisadas separadamente, tanto neoplasias AIDS como infecções oportunistas não mostraram associação com resposta à TARV em nossos pacientes. Esse achado está em concordância com estudos prévios que mostram drástica diminuição da incidência de neoplasias e infecções oportunistas após o advento da terapia eficaz61,66, mas nenhum efeito protetor da TARV sobre a ocorrência de neoplasias NAIDS.

A associação entre neoplasias malignas e pior resposta a TARV certamente é complexa e multifatorial. Por um lado, a imunodeficiência causada pelo HIV aumenta a susceptibilidade a neoplasias e efeito brutal do HIV sobre a resposta imune a tumores parece perdurar mesmo após recuperação da contagem de CD4. Por outro lado, as neoplasias, por si só e em decorrência de seu tratamento, causam imunossupressão64.

Como discutem Wang e colaboradores, os efeitos da neoplasias e de seu tratamento podem perdurar após a remissão da doença, em decorrência da exaustão funcional das células T, disfunção característica desses agravos67.

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