• Nenhum resultado encontrado

No presente estudo, demonstramos que a disfunção miccional e processo inflamatório vesical induzidos pela administração de CYP é acompanhada por alterações marcantes na via de sinalização GCs/GMPc, evidenciada pela redução na expressão protéica das subunidades desta enzima e nos nívis de GMPc. Demonstramos também que o pré-tratamento com o ativador de GCs, BAY 58-2667, foi capaz de prevenir ambas as alterações e melhorar a disfunção miccional.

A CI/SDV é uma síndrome há muito tempo reconhecida, mas o exato mecanismo patogênico desta doença ainda não foi completamente esclarecido, e os regimes de tratamentos são, na maioria das vezes, apenas sintomáticos83. A inflamação na bexiga induzida pela CYP em roedores é um modelo experimental bem estabelecido para CI/SDV37. Após administração sistêmica, a CYP é metabolizada, produzindo, dentre outros metabólitos, a acroleína, que se acumula na bexiga urinária, causando irritação local, que resulta em inflamação grave e hiperatividade vesical36. Por haver muitas similaridades entre a CI/SDV e a cistite induzida por CYP, este modelo tem sido amplamente utilizado para se caracterizar vias inflamatórias e alterações funcionais, assim como para identificação de novos e potenciais alvos terapêuticos para esta doença83.

Após uma única administração de CYP em ratos e camundongos, observa-se inflamação aguda na bexiga, caracterizada por perda da integridade da barreira urotelial e aumento da permeabilidade, edema suburotelial, apoptose de células uroteliais, além de infiltração de células inflamatórias, como neutrófilos, monócitos e mastócitos37,42,84- 86. Baseando-nos em estudos já publicados36-38, realizamos a padronização de três modelos de cistite – agudo, intermediário e crônico – a fim de caracterizar as alterações

morfo-funcionais. Em concordância a esses estudos, induzimos com sucesso a cistite em camundongos após injeção de CYP, e observamos as alterações histológicas, como denudação do urotélio e desorganização tecidual; edema inflamatório, ruptura urotelial e disfunção miccional.

Constatamos ainda que a exposição à CYP induziu alterações funcionais marcantes, favorecendo um fenótipo disfuncional hiperativo, confirmado em estudo recente79. O perfil de micção nos animais conscientes foi caracterizado por elevado número de manchas de micção e de pequeno volume, que foi consistente com os registros cistométricos nos animais anestesiados, os quais apresentaram elevação marcante na frequência de micção, CNMs e pressão basal.

A bexiga urinária é densamente inervada por fibras nervosas parassimpáticas cuja ativação resulta na liberação de ACh que produz contração do músculo liso detrusor detrusor via ativação de receptores muscarínicos5. A predominância de receptores muscarínicos do subtipo M2 e de uma população menor do subtipo M3 já foram reportadas na bexiga urinária; entretanto, sabe-se que o subtipo M3 tem maior importância nas repostas contráteis mediadas por mecanismos colinérgicos5. Alguns estudos mostram que a expressão e importância funcional dos receptores muscarínicos na bexiga podem ser alterados no curso da cistite87-90. Assim, experimentos de

imunoblotting e imunohistoquímica revelaram que alterações no sistema colinérgico

induzidas pela exposição à CYP envolvem up-regulation de receptores muscarínicos M2, M4 e, predominantemente, M5 no urotélio91. Um estudo mostrou que a expressão do RNAm de receptores muscarínicos M2 e M3 aumenta no urotélio e reduz no detrusor73. Em nosso estudo, e em concordância com estudos anteriores91-94, as contrações in vitro da bexiga induzidas pela adição do agonista muscarínico, carbacol, foram significativamente menores nos animais com cistite após 4 e 24 horas. Ademais,

a redução da força de contração do detrusor em resposta a ativação de receptores muscarínicos nos animais expostos à CYP pode se relacionar aos reduzidos volumes de micção, o que resulta em urina resídual, estando também associado ao aumento da frequência de micções (papel filtro). Apesar da aparente discrepância entre o perfil hiperativo da bexiga (observado nos ensaios de papel filtro e estudos urodinâmicos) e a hipocontratilidade do detrusor in vitro, alguns estudos sugerem que uma excessiva sensibilidade de vias aferentes e intensa liberação de fatores derivados do urotélio91,95 contribuem para este perfil hiperativo. Também tem sido proposto que condições de inflamação grave de estresse oxidativo podem causar hipoatividade do detrusor devido a danos no músculo liso96. Entretanto, observamos que a contração da bexiga induzida pela adição do agente despolarizante KCl (80 mM) não foi diferente entre os grupos cistite de 24 horas e crônico em relação ao grupo controle, indicando que a capacidade contrátil da bexiga não foi afetada pela CYP. Dessa forma, é provável que o prejuízo na contração ao carbacol do detrusor no grupo cistite 24 horas deva-se, majoritariamente, a um prejuízo no sistema/receptores colinérgicos. Vale ressaltar que no grupo cistite 4 horas notamos uma maior resposta contrátil ao KCl em relação aos demais grupos, que é indicativo de maior sensibilidade de canais iônicos, principalmente canais de Ca2+ do tipo L, que contribuiria para a hiperatividade da bexiga97. Em relação a contração induzida por estimulação elétrica, esta resultou em respostas contráteis dependentes das frequências aplicadas em todos os grupos, entretanto, observamos redução significativa no grupo cistite de 4 horas, em todas as frequências avaliadas. As contrações do detrusor induzidas por estímulo elétrico refletem, principalmente, a ação dos neurotransmissores ACh e ATP liberados das fibras parassimpáticas, e, visto que esses animais também apresentam hiporreatividade ao carbacol, sugere-se uma alteração na

liberação ou degradação de ACh, porém os mecanismos envolvidos não foram caracterizados.

Dentre os grupos com cistite, observamos alterações mais evidentes no grupo cistite 24 horas, o que nos permite concluir que este é melhor modelo, dentre os avaliados, para estudo das alterações funcionais observadas na cistite. Apesar de existirem diferenças histopatológicas entre a cistite 24 horas de exposição à CYP e a CI/SDV crônica, a marcante degradação do urotélio e irritação da parede da bexiga, resultando em urgência, disúria, aumento da frequência e noctúria são alterações comumente observadas em ambas as condições98. Assim, elegemos o grupo cistite 24 horas como modelo para se avaliar os efeitos protetores do BAY 58-2667.

O NO, via GCs/GMPc, possui atividade inibitória sobre a musculatura lisa vesical 99. Ratos tratados cronicamente com inibidores de NOS desenvolvem bexiga hiperativa75. Portanto, a redução dos níveis de NO pode contribuir para a hiperatividade da bexiga observada nos animais com cistite. Deficiências na via GCs/GMPc ainda não haviam sido caracterizadas na cistite experimental. Por isso, avaliamos a expressão de GCs e níveis de GMPc ao longo de 24 horas após exposição à CYP. Demonstramos uma degradação da GCs tempo-dependente, e ao final de 24 horas de exposição à CYP, observamos que a expressão protéica e gênica da enzima foram ~50% menores em relação ao grupo controle, bem como os níveis de GMPc. Dessa forma, fica evidente a deficiência desta via de sinalização na disfunção vesical induzida pela CYP, tornando-a um interessante alvo terapêutico para CI/SDV.

Ativadores de GCs, como o BAY 58-2667, interagem diretamente com o grupamento heme prostético da GCs, restaurando a resposta da enzima, mesmo em condições oxidativas49,50,100. Em modelo de hipertensão induzida pelo L-NAME, a ativação da GCs pelo BAY 58-2667 normalizou a hipertensão arterial e a

vasoconstrição renal, restaurando o fluxo sanguíneo renal48. Em nosso estudo, o pré- tratamento dos animais expostos à CYP com BAY 58-2667 preveniu significativamente as reduções de volume e do número de micções avaliadas nos animais conscientes. Preveniu, ainda, as alterações cistométricas, incluindo as elevações na pressão basal, frequências de micção e CNMs, além de prevenir as reduções da capacidade, complacência e intervalo entre micções nos animais anestesiados. A redução da contração ao carbacol in vitro nos animais com cistite também foi prevenida pelo pré- tratamento com BAY 58-2667.

Em seguida, nos direcionamos a avaliar os mecanismos pelos quais o BAY 58-2667 previne as disfunção vesical induzida pela CYP realizando-se ensaios de imunoblotting das subunidades da GCs e de ELISA para os níveis de GMPc. Notamos que a exposição à CYP resulta em marcantes reduções nas expressões das subunidades α1 e β1 da GCs e na produção de GMPc, alterações estas prevenidas pelo pré-tratamento com BAY 58- 2667.

O estresse oxidativo elevado tem sido implicado em diferentes condições patológicas da bexiga54,101,102, incluindo a cistite experimental103. O estresse oxidativo acompanhando a diabetes tipo II também deteriora a função do músculo liso uretral64. Além disso, em condições de desbalanço oxidativo vascular, o estado redox da enzima GCs é alterado para um estado oxidativo, possivelmente como consequência da elevada geração de ERO. O termo ERO compreende uma variedade de moléculas de sinalização que desempenham um importante papel na progressão de doenças inflamatórias. Tais moléculas são classicamente definidas como metabólitos parcialmente reduzidos de oxigênio, e por possuírem forte capacidade oxidativa são capazes de oxidar proteínas, lipídios e constituintes celulares, além de danificar o DNA104. As principais ERO incluem o ânion superóxido (O2-), peróxido de hidrogênio (H2O2) e radical hidroxila

(OH-). O NO também pode reagir com o ânion superóxido para formar peroxinitrito (ONOO-). Normalmente, as células dispõem de enzimas antioxidantes que atuam contra o acúmulo de ERO, como a catalase, glutationa peroxidase e superóxido dismutase105,106.

Atualmente, os mecanismos moleculares subjacentes a degradação da GCs heme- oxidada permanecem desconhecidos. Especula-se que a oxidação do grupamento heme desestabiliza a enzima, tornando-a susceptível a degração via ubiquitina-proteassoma49. Entretanto, sabe-se que o BAY 58-2667 liga-se com elevada afinidade ao grupamento heme oxidado da GCs, anulando os efeitos dos compostos heme-oxidantes na proteína, preservando assim sua sinalização e atividade49,107.

Para avaliar os níveis de estresse oxidativo nas bexigas dos animais expostos à CYP, realizamos ensaio de histoquímica com DHE em secções frescas de bexigas, identificando-se a formação de ERO no detrusor e no urotélio. Nossos resultados mostraram que a CYP aumenta significativamente os níveis de ERO em ambos, detrusor e urotélio, os quais são prevenidos pelo pré-tratamento com BAY 58-2667. Estudos prévios demonstraram que o tratamento com antioxidantes, como tempol, flavonóides antioxidantes e glutationa, reduz o estresse oxidativo e melhora a disfunção vesical induzida pela CYP103,108.

Observamos ainda uma marcante resposta inflamatória acompanhando a disfunção miccional pela exposição à CYP, como evidenciado pela elevação da atividade da MPO, um marcador para infiltração neutrofílica109, da expressão protéica da COX-2 e da razão peso da bexiga/peso corporal, indicativo de edema inflamatório. É reconhecido que a expressão de COX-2 está elevada no urotélio subsequente a inflamação induzida por CYP110,111. A COX-2 é uma enzima chave na conversão do ácido araquidônico a prostanóides pró-inflamatórios, como a prostaglandina E2, que desempenha papel

importante na hiperatividade do detrusor e dor associada a inflamação da bexiga112. De fato, antiinflamatórios não esteroidais são empregados na CI/SDV para diminuição da dor83. Entretanto, o pré-tratamento com BAY 58-2667 não alterou os parâmetros inflamatórios avaliados, sugerindo que a melhora promovida por este ativador na disfunção vesical ocorre independentemente do processo inflamatório local.

Na dose utilizada no presente estudo, o BAY 58-2667 não interferiu significativamente na maioria das avaliações funcionais e moleculares nos animais controles, não inflamados, reforçando que o BAY 58-2667 depende de uma condição oxidativa prévia para exercer suas ações. Este seria um indicativo de seletividade da droga e uma grande vantagem farmacológica. Ressalta-se que o com BAY 58-2667 em animais controles reduziu significativamente a pressão basal (análise cistométrica), sugerindo que este ativador por si produz algum nível de relaxamento da bexiga.

Estudo anterior mostrou menor fluxo sanguíneo na bexiga de pacientes com CI/SDV, apesar de não ter ficado claro se esta alteração contribui, parcial ou totalmente, para os sintomas vesicais113. Reconhecido como potente vasodilatador, o BAY 58-2667 é capaz de produzir vasodilatação sustentável na circulação cardíaca e veias pulmonares, melhorando a perfusão tecidual, reduzindo assim os danos locais114,115. Dessa forma, acreditamos que a melhora da função vesical pelo BAY 58-2667 pode também se dar através de um efeito indireto por promover vasodilatação dos vasos sanguíneos que irrigam a bexiga, facilitando inclusive o clearance de espécies reativas. Entretanto, estudos adicionais são necessários para se comprovar esta hipótese.

Em suma, este estudo mostrou que a exposição à CYP acarreta alterações vesicais in

vivo, favorecendo um quadro hiperativo. A via de sinalização GCs/GMPc está

marcantemente alterada na cistite induzida por CYP, com redução significativa na expressão e atividade da enzima GCs, os quais são prevenidos pelo tratamento com o

ativador de GCs, BAY 58-2667. Sugerimos que a preservação das subunidades da GCs e normalização da produção de GMPc resulta na melhora da disfunção vesical e manutenção de ciclos adequados de micção. Pesquisas futuras ainda são necessárias para o melhor entendimento da patofisiologia desta doença e identificação de opções terapêuticas novas, seguras e efetivas. Nesse sentido, a classe dos ativadores de GCs pode prover uma nova opção para tratamento da CI/SDV.

Documentos relacionados