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4.3 Primeira avaliação perceptiva da proposta

4.3.5 Discussão

Durante a realização dos testes, os ouvintes evidenciaram alguma dificuldade em identificar os es- tímulos apresentados. Tal dificuldade traduziu-se, por um lado, na audição repetida dos estímulos, antes da resposta à questão formulada, e, por outro, numa percentagem de acerto relativamente baixa, a rondar os 25%.

A dificultar a tarefa dos indivíduos recrutados para participarem no teste estiveram vários factores, com especial relevo para a falta de entoação e a ausência de acento. Apesar disso, se ti-

vermos em consideração as diferenças entre o número de respostas correctas do sujeito SA e dos restantes indivíduos, ilustradas na figura 4.23, é perfeitamente cabível supor que o próprio perfil do ouvinte ou o grau de empenhamento na realização da tarefa possam também influenciar, de algum modo, os resultados. Para comprovar a influência deste tipo de variáveis, seria, contudo, necessário recorrer a uma população mais alargada e diversificada, controlando rigorosamente factores como idade, proveniência geográfica, nível de escolaridade, entre outros.

Uma outra questão que teria sido pertinente investigar está relacionada com o apuramento da consistência das respostas dos sujeitos. Este procedimento, embora mais correcto do ponto de vista metodológico, revelou-se totalmente inviável devido, quer à reconhecida falta de qualidade dos estí- mulos apresentados, quer à necessidade de recorrer a dois sistemas distintos para síntese das palavras. Fazemos notar, no entanto, que, em consequência deste último facto, parte dos estímulos foi apresen- tada aos ouvintes em duplicado, compensando, de algum modo, a referida limitação. A repetição das palavras para cada um dos sintetizadores faria aumentar em muito o tempo requerido para a realização dos testes, sob pena de aborrecer os ouvintes e pôr em causa a acuidade das respostas.

Estas mesmas razões, que nos fizeram desistir de avaliar a consistência das respostas dos intervenientes no teste, determinaram também que, ao nível do material linguístico, nos tivéssemos circunscrito a um número de palavras relativamente reduzido. Os dados apresentados anteriormente foram obtidos com base num conjunto de apenas cinquenta estímulos. Ainda que o recurso a um número mais vasto de palavras (e de sujeitos) seja sempre preferível neste tipo de estudos, imposições externas relacionadas com a necessidade de reduzir ao mínimo o tempo de realização dos testes, para não dispersar a atenção dos ouvintes e evitar assim respostas aleatórias, motivaram um rigoroso controlo do número de palavras do teste.

Pensamos, no entanto, que este aspecto do alargamento do material linguístico pode e deve ser equacionado em investigações futuras, já com os problemas de falta de qualidade dos estímulos e limitações funcionais do SAPWindows devidamente resolvidas. Reunidas estas duas condições, não só um maior número de palavras poderá vir a ser admitido, facilitando a análise estatística posterior, como também outro tipo de material verbal (incluindo, por exemplo, palavras com laterais palatais e vibrantes múltiplas) deverá necessariamente ser considerado, logo que o TADA seja igualmente sujeito a alguns ajustes e correcções.

Embora a origem dos problemas nem sempre seja fácil de averiguar, tendo em conta as várias limitações que cada um dos componentes do sistema apresenta, alguns dos resultados acima expostos parecem estar directamente relacionados com as características dos próprios sintetizadores.

Tendo o SAPWindows sido originalmente concebido para síntese e estudo dos sons nasais, é sem surpresa que constatamos que, no tocante a este sintetizador, os melhores resultados obtidos dizem precisamente respeito a esta classe de sons. Estima-se, portanto, que também a agregação das vogais nasais ao sistema, prevista para o capítulo seguinte, decorra sem entraves de maior ou que, pelo menos, a proposta possa ser devidamente testada sem qualquer tipo de constrangimentos advenientes

de problemas com o sintetizador.

Paralelamente, os resultados revelam que também as vogais tendem a ser facilmente identi- ficadas pelos ouvintes.

Com deixámos expresso anteriormente (secção 4.2.1), as variáveis do tracto - e respectivos valores de target - associadas às vogais foram estimadas com base em medidas articulatórias concretas e rigorosas (cf. Browman & Goldstein, 1990a), efectuadas a partir do perfil articulatório do informante AND. Adicionalmente, os perfis sagitais deste sujeito foram comparados com outras imagens RM, relativas ao mesmo contexto, mas adquiridas para outros informantes, de modo a aferir e validar os locais de máxima constrição considerados. Todo o processo esteve sujeito a uma cuidadosa apreciação auditiva, procurando monitorizar os efeitos de eventuais reajustes nos valores de ponto e, sobretudo, de grau de constrição. O rigoroso cumprimento dos referidos procedimentos metodológicos não invalida, contudo, a possibilidade de rectificar alguns dos valores previstos, nomeadamente em relação aos pares [a]/[5] e [o]/[O]. Cabe ainda salientar, a este respeito, que a tarefa de determinar um target vocálico numérico é, em grande parte, dificultada pela variação a que a pronúncia das vogais parece estar sujeita e que resulta não só do contexto, mas também de factores regionais, entre outros.

A percentagem de respostas correctas em relação às consoantes oclusivas surdas foi também satisfatória, mas os resuldados das oclusivas sonoras - baixa taxa de acerto e confusão sistemática entre consoantes surdas e sonoras - indiciam problemas ao nível da simulação do vozeamento. Esta limitação é comum aos dois sintetizadores e verifica-se, de igual modo, a respeito das consoantes fricativas (neste caso, apenas para o HLsyn). Para as dificuldades na identificação destas últimas muito terão contribuído ainda os problemas na geração de ruído. Conforme deixámos expresso em momentos anteriores deste capítulo, parece-nos clara a necessidade de se aperfeiçoar ainda mais o conhecimento dos mecanismos de produção destes segmentos, de modo a incrementar o desempenho dos sintetizadores articulatórios relativamente a estes sons.

No grupo dos segmentos mais difíceis de identificar, a par das fricativas surdas, inserem-se ainda a lateral alveolar e a vibrante simples. Se na base dos resultados obtidos para as fricativas surdas estão, a nosso ver, as características dos sistemas de síntese envolvidos na geração dos estímulos - de que avultam as deficiências na produção de vozeamento e fricção - as dificuldades na identificação de laterais e vibrantes parecem antes emanar de problemas associados ao TADA e às configurações gestuais em si mesmas. Já aqui fizemos notar que, na simulação do/l/ e do /R/, lançámos mão de configurações gestuais alternativas, por forma a colmatar as limitações subjacentes ao TADA. Esta estratégia, não sendo a ideal, acabou por condicionar, conforme seria aliás de esperar, os resultados do teste perceptual.

Quando se observa o número de respostas correctas obtidas para a lateral alveolar, facil- mente se verifica que o sucesso da solução implementada para fazer face à impossibilidade de especi- ficar a forma de constrição no TADA depende do sintetizador usado. Se é verdade que a discrepância entre os resultados do HLsyn e do SAPWindows pode ser justificada pela falta de preparação deste

último para lidar com esta classe de sons, de antemão sabemos também que esta solução de recriar o efeito acústico do /l/ à custa da referência a uma dupla articulação não passa de um artifício. Em- bora esta abordagem funcione de forma satisfatória para o /l/ - pelo menos para o HLsyn - ela não é extensível a outros sons laterais, como oportunamente tivemos ocasião de referir.

Os mesmos argumentos são válidos em relação à vibrante simples, simulada, voltamos a lembrar, mediante uma alteração do valor do stiffness. Esta solução afigurou-se como a única ao nosso alcance para tentar ultrapassar a impossibilidade de testar outras alternativas, como o controle da designada damping ratio. Da análise dos resultados parece, no entanto, lícito arguir que o recurso a tal metodologia acabou por se revelar pouco eficaz. Concomitantemente, e à semelhança das laterais, esta abordagem não é generalizável às vibrantes múltiplas.

Destas observações decorre, portanto, a necessidade de implementar e avaliar outras vias complementares de representação gestual das laterais e vibrantes, até agora apenas equacionadas sob um ponto de vista teórico (vd. secção 4.2.5.4 e 4.2.5.5).

Não sendo este o objectivo primordial do estudo perceptual, também não ficou clara a in- terferência de variáveis como o número de sílabas da palavra ou estrutura dos estímulos na tarefa de identificação das palavras e dos segmentos. Para que se pudesse proceder a análises estatísticas mais poderosas e, assim, formular conclusões sólidas acerca desta matéria, seria necessário considerar não só um maior número de palavras, como também recorrer a populações mais alargadas.

A tarefa de validação da nossa proposta gestual, mediante a aplicação de um teste percep- tual, apesar de arriscada por estar sujeita a numerosos constrangimentos reconhecidos anteriormente - que desde sempre fizeram prever uma percentagem de acerto global reduzida - revelou-se útil na iden- tificação dos principais problemas e futuras linhas de intervenção. Confirma-se a validade e interesse em adaptar o TADA, tornando-o apto a lidar com os sons do PE.

Cap´ıtulo

5

Para uma Abordagem Gestual das Vogais

Nasais do Português Europeu

Durante a emissão das vogais fechadas..., o véu palatino pode abaixar-se permitindo que a corrente expiratória se escape também pelas fossas nasais. A vibração laríngea é então ressoada por duas câmaras, a bucal e a nasal. Chamam-se vogais nasais aos fonemas assim pronunciados.

Oliveira Guimarães (1927)

5.1

Introdução

Terminada a longa e complexa tarefa de caracterização gestual dos vários segmentos do PE - condici- onada, em larga medida, pela escassez de dados articulatórios e de informação acerca da organização temporal do PE - propomo-nos agora avançar para o cumprimento daquele que é um dos objectivos primordiais desta dissertação: a descrição e análise do fenómeno da nasalidade à luz dos princípios dinâmicos da FA, com base num estudo experimental, especialmente desenhado para o efeito.

Contrariamente ao capítulo anterior, mais do que especificar os gestos associados às vogais nasais, foi nosso propósito obter dados acerca da organização temporal dos próprios gestos. Adici- onalmente, ao coligir pistas sobre o mecanismo de produção das vogais nasais, esperamos também poder contribuir para o aprofundamento do conhecimento das propriedades fonéticas do material es- tudado e, em última análise, aduzir alguns argumentos úteis à reflexão teórica em torno das vogais nasais do português.

A decisão de circunscrever este tipo de análise às vogais nasais está relacionada, antes de mais, com a importância da própria nasalidade, frequentemente invocada como uma das idiossincra-

sias mais características do vocalismo do português (Strevens, 1954). Existem, contudo, outras razões - já enunciadas parcialmente na Introdução a este trabalho - que justificam a opção tomada, nomeada- mente as características do sintetizador articulatório SAPWindows e a dificuldade de acesso a dados articulatórios desta natureza (EMA), facilitado, no caso particular das vogais nasais, pelos contactos estabelecidos com os investigadores do GIPSA-LAB, no âmbito de dois projectos de investigação (projecto HERON e projecto “Dynamique de la nasalité. Émergence et phonologisation des voyelles

nasales”1). Além destes aspectos, a nasalidade do português continua a suscitar algumas dúvidas e controvérsias, resultantes, em boa medida, da escassez de estudos recentes acerca desta matéria.

No quadro teórico da FA, o tratamento das vogais nasais implica uma referência a, pelo menos, duas variáveis do tracto: o corpo da língua (TB) e o velo (VEL). Para a caracterização da dimensão oral contámos, como habitualmente, com a informação obtida através de RM. Já a descri- ção do movimento do velo e da sua relação com os demais articuladores assenta num estudo EMA, desenhado, entre outros objectivos, com o intuito específico de dar resposta às questões formuladas neste capítulo. O processo que presidiu à concepção e recolha deste corpus, bem como a análise dos resultados obtidos, constitui a essência deste capítulo.

Assim, depois de uma breve introdução teórica à temática da nasalidade, através da revisão de estudos anteriores - dedicados sobretudo ao português, mas com referência, sempre que tal se justificou, a outras línguas onde o fenómeno assume relevância - ocupámo-nos, numa primeira fase, da caracterização das variáveis do tracto grau e local de constrição do corpo da língua, que especificam o gesto vocálico, seguindo uma metodologia em tudo similar à adoptada no capítulo anterior.

Tendo em mente uma série de resultados e questões prévias suscitadas por um conjunto de estudos, que se debruçaram sobre a questão da nasalidade, nas mais variadas perspectivas, delineámos as hipóteses e questões que nos propomos investigar no estudo exploratório do comportamento do velo, baseado em EMA. Posteriormente, cedemos lugar a uma apresentação geral da metodologia seguida ao longo do estudo experimental, desde a escolha do corpus até ao pós-processamento e anotação dos dados, passando pela explicitação dos procedimentos adoptados durante a recolha do

corpus junto dos informantes.

A primeira parte deste capítulo encerra com a apresentação, em secções separadas, dos re- sultados obtidos para cada umas das variáveis em análise - amplitude, duração, stiffness, coordenação temporal - seguida de uma breve discussão dos mesmos.

A segunda parte (e última) do capítulo diz respeito ao estudo perceptivo realizado, tendo em vista o esclarecimento de algumas questões suscitadas no decurso do estudo articulatório.