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DISCUSSÃO

No documento Prurido no gato (páginas 69-76)

O prurido é o sinal clínico mais frequente na dermatologia felina (Moriello, 2012) e deve ser abordado sempre como um sinal clínico e nunca como uma doença primária. Nem sempre é fácil para o proprietário saber se o seu gato está com prurido porque, ao contrário do cão, o gato tem o hábito de se lamber diáriamente, para manter a sua pelagem saudável. Alguns gatos quando estão com prurido podem não o demonstrar na presença dos proprietários devido á sua natureza secretiva (Wolberg e Blanco, 2008). Nestes casos é importante analizar os padrões de reação cutâneos que o gato apresenta. No entanto, outros podem demonstrar lambedura excessiva, como aconteceu nos casos clínicos descritos e nos quais era o principal motivo da consulta.

A abordagem dos casos deve ser sistemática e sequencial (Moriello, 2012), pois existem várias doenças que podem causar prurido como doenças parasitárias, infeciosas, reações de hipersensibilidade, doenças imunomediadas, endócrinas, psicogénicas, ambientais, neoplasias, defeitos de queratinização e doenças mistas (Logas, 2003). É necessário fazer alguns testes complementares para ir descartando os vários diferenciais.

Foram então escolhidas duas das doenças pruríticas mais frequentes hoje em dia na prática clínica de dermatologia felina. A dermatite alérgica à picada da pulga, que associa uma hipersensibilidade a uma causa parasitária. Por ser tão frequente, esta causa de prurido tem de ser sempre descartada em qualquer caso. E a dermatite atópica, também uma reação de hipersensibilidade, mas mais complexa e de difícil diagóstico definitivo, devido à imensa variedade de alergénios ambientais.

Dermatite Alérgica à Picada da Pulga

A dermatite alérgica à picada da pulga (DAPP) ou hipersensibilidade à picada da pulga é a alergia mais comum em gatos. A patogénese exata não é conhecida, mas pensa-se ser uma reação de hipersensibilidade imediata (tipo I) ou tardia (tipo IV) a partir da saliva da pulga (Rees, 2011).

Os sinais clínicos podem ser sazonais ou ocorrerem durante todo o ano. A sazonalidade é mais comum em regiões com Invernos frios, pois a DAPP tende a ocorrer nos meses de clima quente. Contudo, uma população viável de pulgas, suficientemente grande para perpetuar a DAPP, pode existir em habitações ao longo dos meses de Inverno (Moriello, 2012). No caso da Amber estavamos no mês de Outubro, o que comprova que pode ocorrer também no Outono, no

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qual o clima é mais fresco. Além disso, pequenos mamíferos (reservatórios) que vivem dentro ou em torno das casas podem ser uma fonte de exposição a pulgas durante todo o ano (Moriello, 2012). A alergia à pulga pode ocorrer em gatos de qualquer idade, sexo ou raça (Scott, Miller e Griffin, 2001).

Os gatos que não são alérgicos a pulgas podem não apresentar sinais da doença, mesmo que o pelo esteja fortemente infestado de pulgas. Isto representa um estado de tolerância e não é comum em gatos domésticos. As infestações por pulgas podem levar a anemia grave, em alguns casos. A maioria dos gatos com uma infestação de pulgas apresentam prurido. Contudo, a gravidade do prurido num gato alérgico é desproporcional ao número de pulgas encontradas. Pode não ser encontrada nenhuma pulga, porque os gatos alérgicos vão morder, caçar e ingerir as pulgas. Os sinais clínicos da DAPP são altamente variáveis e podem causar qualquer um dos padrões de reação cutânea conhecidos em gatos. Os padrões clássicos são a alopecia simétrica e a dermatite miliar sobre a região lombossacral e membros posteriores (Moriello, 2012). A Amber apresentava dermatite miliar nas regiões típicas do pescoço, lombar e lombossacral. Outros padrões que podem ocorrer são o complexo granuloma eosinofílico e o prurido facial (Paterson, 2008). Outras localizações das lesões podem ser na cabeça, abdómen ventral e zona medial dos membros posteriores. Alguns gatos têm uma apresentação pouco comum que consiste em lesões de úlcera indolente nos lábios associada à DAPP (Rees, 2011).

Os diagnósticos diferenciais dependem dos sinais clínicos observados. Normalmente, os diferenciais para a dermatite miliar devem ser considerados, como a dermatite atópica, alergia alimentar, queiletielose e dermatofitose (Scott, Miller e Griffin, 2001). Outros diferenciais a ter em conta incluem outros ectoparasitas (piolhos e ácaros), infeções fúngicas e bacterianas (Rees, 2011) e alopecia psicogénica (Paterson, 2008).

A obtenção do diagnóstico de DAPP pode ser difícil (Moriello, 2012). É feito pela associação de sinais clínicos, pela presença quer de pulgas quer de fezes de pulga no corpo do gato (embora estas sejam, por vezes, difíceis de encontrar, uma vez que o prurido induz lambedura excessiva) e pelo desaparecimento dos sintomas quando o controlo das pulgas é bem sucedido (Wolberg e Blanco, 2008). A presença de Dipylidium caninum na região perianal ou numa amostra fecal também é sugestivo de pulgas, pois podem resultar da ingestão das mesmas (Scott, Miller e Griffin, 2001; Paterson, 2008). As lesões papulares e pruríticas nos membros inferiores dos proprietários (Paterson, 2008) e evidência de infestação de pulgas em animais de convívio, também podem ser úteis no diagnóstico (Foster, 2004). O teste do papel molhado permite a visualização de sangue do animal nas fezes de pulgas, que produz estrias vermelhas

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quando a pelagem é escovada para o papel molhado (Paterson, 2008). Uma reação positiva no teste intradérmico é sugestiva, mas não é diagnóstica. A Amber apresentava detritos debaixo do pelo e por isso foram realizados a escovagem com pente fino e o teste do papel molhado, nos quais se comprovou que os detritos eram fezes de pulgas.

A melhor ferramenta de diagnóstico é a resposta ao o controlo de pulgas. Isso pode ser recebido pelos proprietários com alguma resistência, pois envolve o tratamento de todos os animais da casa e porque “ter pulgas” ainda carrega um estigma. O que muitos dos prorietários não percebem é que as pulgas podem invadir a sua casa e infestar os seus gatos, mesmo que os gatos não saiam para o ar livre. Para complicar ainda mais a situação os gatos vão lamber-se e ingerir as pulgas, o que torna difícil encontrá-las. Contudo, os clientes estão cada vez mais conscientes da importância do controlo de pulgas em gatos e a utilização de produtos spot-on facilitou muito mais essa prática. As pulgas podem causar grande desconforto ao animal e podem também transmitir doenças zoonóticas, como a bartonelose (febre da arranhadela do gato) (Moriello, 2012).

A terapia primária deve ser então baseada na eliminação de qualquer possibilidade de exposição a pulgas (Rees, 2011). O objetivo é manter o gato livre de pulgas, durante 4-6 semanas e avaliar o grau da subsequente resolução do prurido (Ghubash, 2009). Mesmo uma picada de pulga ocasional tem a capacidade de induzir os sinais clínicos que podem persistir durante dias ou até mesmo semanas. Todos os animais em contacto que podem servir como fontes de alimento para as pulgas também devem receber um controlo de pulgas rigoroso. Os gatos devem ser tratados com produtos que contenham princípios ativos tanto para as fases imaturas, como para as fases de maturidade do ciclo de vida das pulgas. Em gatos mantidos em ambientes fechados e controlados o tratamento é, geralmente, bem sucedido (Rees, 2011). Uma série de fatores influencia o tipo de programa de controlo que deve ser implementado incluindo a idade e o número de animais envolvidos, a capacidade do proprietário para tratar todos os animais e o meio ambiente da casa, a formulação do produto usado para o tratamento e o estilo de vida do animal (Foster, 2004). Os sprays tendem a ser de difícil aplicação nos gatos que resistem à contenção. É importante ter em conta o peso do gato e comprimento do pelo quando se aplicam os sprays, para assegurar que são as quantidades apropriadas e que todo o revestimento do pelo é alcançado. Os produtos spot-on são muito mais convenientes e estão raramente associados a reações adversas, tais como alopecia no local da aplicação. Existem ainda no mercado produtos na forma de coleiras e pós. As coleiras podem ter uma atividade de longa duração, mas estão associadas a dermatites por contacto e podem ser um problema para os gatos com acesso ao ar

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livre, pois há o risco de asfixia. Os pós tendem a ter uma duração curta e fraca penetração na pelagem (Foster, 2004). Na tabela 4 estão listados os princípios ativos que são mais utilizados nos ensaios de controlo de pulgas em gatos, o seu mecanismo de ação, modo de aplicação, entre outros. A Amber era uma gata que não convivia com mais nenhum animal, nem tinha acesso à rua. Optou-se então pela associação de nitenpiram, um adulticida com ação rápida e curta (24- 48h), administrado por via oral e selamectina, um adulticida que também possui atividade ovicida e larvicida, mas com ação mais prolongada (1 mês), em spot-on, abrangendo assim todos os estágios do ciclo das pulgas. A selamectina também tem ação contra outros ectoparasitas (piolhos e ácaros) e alguns endoparasitas (Ihrke, 2006; Cadiergues, 2009).

Como terapia secundária, os medicamentos antipruríticos que funcionam melhor no tratamento da DAPP são os corticosteroides, pois os gatos não respondem bem à terapia anti- histamínica, nestes casos. Os corticosteroides orais que são mais utilizados são a prednisolona ou a metilprednisolona (Rees, 2011). Normalmente, usam-se a curto prazo ou então quando o controlo de pulgas não é efetivo (Scott, Miller e Griffin, 2001). Os gatos com infestações de pulgas e DAPP muitas vezes têm infeções bacterianas secundárias (Moriello, 2012), que devem ser tratadas com antibiótico e nestas situações os glucocorticoides não devem ser administrados (Paterson, 2008). A imunoterapia ainda se encontra em fase experimental (Bruner, 2011). Não houve necessidade do uso de corticoesteróides, nem de outros fármacos na Amber, pois obteve logo melhorias apenas com o programa de controlo de pulgas.

As medidas rigorosas de controlo de pulgas devem ser continuadas numa base regular (ou durante todo o ano) (Rees, 2011), especialmente durante os meses de primavera e verão, quando as pulgas estão mais ativas, utilizando preferencialmente formulações em stop-on (Foster, 2004).

As necessidades do tratamento ambiental têm vindo a diminuir, mas, quando necessário, é favorável a utilização de reguladores de crescimento ou inibidores de desenvolvimento de insetos (Kunkle e Halliwell, 2003). Limpeza e aspiração frequente também ajudam no controlo da população de pulgas.

O prognóstico é bom se o tratamento for adequado. A prevenção é a chave para evitar as recorrências (Bruner, 2011).

Dermatite Atópica

A dermatite atópica, ou atopia, é uma doença prurítica em que os gatos afetados têm uma reação de hipersensibilidade a alergénios ambientais inalados ou por absorção cutânea. Pensa-se que seja a segunda alergia mais comum em gatos. A patogenese exata ainda não foi determinada,

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mas uma resposta inadequada dos linfócitos Th2, que leva a uma inflamação alérgica na pele, é a teoria mais aceite. Mais recentemente, as células de Langerhans, foram consideradas importantes na atopia felina. Estas são células apresentadoras de antigénios localizadas na pele. Portanto, a absorção cutânea dos alergénios pode ser mais importante do que se pensava anteriormente (Rees, 2011). Os alergénios que afetam os gatos com maior frequência são os ácaros do pó, como o Dermatophagoides farinae e, numa menor extensão, o pólen, as escamas cutâneas e o bolor (Wolberg e Blanco, 2008).

Pode ocorrer em gatos com idades compreendidas entre os 6 meses e os 3 anos, e o principal sinal clínico é o prurido moderado a intenso (Wolberg e Blanco, 2008), sensível à terapia com glucocorticoides (Moriello, 2012). Não há predisposição de género nem de raça (Paterson, 2008). A Rita é um gato europeu comum e, segundo o seu historial, começou a apresentar os primeiros sinais de prurido por volta da idade descrita.

Os sinais podem ser sazonais ou não sazonais (Moriello, 2012) e podem ser observados vários padrões de reação cutânea. A Rita apresentava sinais não sazonais, apesar de serem menos instensos nos meses de Inverno. Os padrões de reação observados foram alopecia auto-induzida, nas regiões típicas, ventral e membros e eritema em todas as áreas afetadas pela lambedura excessiva. Também tinha lesões crostosas nas orelhas, provocadas pela tentativa de aliviar o prurido auricular. Outros padrões que podem ocorrer são o complexo granuloma eosinofílico, a dermatite miliar e o prurido facial e podal (com paroníquia bacteriana secundária, muitas vezes). Os gatos podem apresentar também otite externa ceruminosa e prurítica, hipersensibilidade alimentar e/ou DAPP concomitantes (Paterson, 2008). Sinais não dermatológicos como rinite, tosse e dispneia (asma) podem igualmente ser observados nalguns gatos (Wolberg e Blanco, 2008).

Os diagnósticos diferenciais incluem dermatofitose, DAPP, queiletielose, pediculose, sarnas (Otoédrica, Notoédrica, Demodécica, Sarcóptica), hipersensibilidade à picada do mosquito, alergia alimentar, doenças autoimunes (por exemplo, pênfigus foliáceo), neoplasia cutânea e alopécia psicogénica (Hnilica, 2011).

A atopia é essencialmente diagnosticada com base em dados clínicos (anamnese, sinais, resposta aos corticosteróides). Uma vez que a atopia felina coexiste frequentemente com outras alergias, é necessário excluir todas as alergias antes de estabelecer um diagnóstico definitivo (Wolberg e Blanco, 2008). Na rita foram realizados testes de escovagem com pente fino, raspagem de pele profunda e citologia. Todos estes exames deram resultados negativos, não existindo evidências de pulgas, piolhos, ácaros, bactérias nem fungos, excluindo, à partida,

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alguns dos diferenciais. O teste de dermatófitos ficou reservado para uma segunda fase, se necessário. A dieta de eliminação foi instituida após a segunda consulta, com resultados muito pouco satisfatórios. Os testes alérgicos não foram realizados, pois são mais caros, e muitos dos proprietários não estão dispostos à realização dos mesmos, sabendo que os testes intradérmicos são difíceis de interpretar devido à natureza da pele do gato e são observados fracos resultados. Os testes serológicos ainda não foram aprofundados em gatos e os seus resultados não se correlacionam com os dos testes intradérmicos (Wolberg e Blanco, 2008).

A gestão do prurido no gato é o principal problema na dermatite atópica (Moriello, 2012). Os corticosteroides são geralmente eficazes na redução prurido atópico, mas há o risco dos efeitos secundários a longo prazo. Os anti-histamínicos combinados com os AGE, suplementados em altas doses, podem beneficiar gatos com prurido menos intenso (Rees, 2011). A ciclosporina é outra opção e pode ser utilizada em gatos com prurido sazonal (> 1 mês) ou durante todo o ano como o principal tratamento para o prurido ou em conjunto com outros tratamentos (Moriello, 2012). A imunoterapia torna-se mais útil quando é impossível evitar o alergénio ou quando todas as outras possibilidades de tratamento não foram bem sucedidas ou estão contra-indicadas (Paterson, 2008). O tratamento de doenças concomitantes, como infeções bacterianas e dermatite por Malassezia, o controlo de ectoparasitas e ensaios alimentares também são importantes como parte da gestão global da atopia (Paterson, 2008). O importante é controlar os sinais clínicos, sem causar problemas de reações adversas (Foster, 2004). Evitar o alergénio muitas vezes não é possível, mas a exposição pode ser diminuída, ao remover possíveis alergénios do ambiente. Por exemplo, as roupas de cama podem ser tratadas com sprays para diminuir o número de ácaros ou lavadas a altas temperaturas (Paterson, 2008). Devido à natureza multifatorial da dermatite atópica, a melhor abordagem terapêutica muitas vezes envolve a combinação de múltiplas modalidades individualizadas para cada animal (Scott, 2011).

No caso da Rita optou-se pela terapia sintomática do prurido baseada num corticosteroide (metilprednisolona, per os) e na administração de AGE (per os) como adjuvante. Como não tinha um programa de controlo de pulgas instituído e para eliminar o diferencial de DAPP, fez-se uma associação de nitenpiram, um adulticida com ação rápida e curta (24-48h), administrado por via oral, com a selamectina, um adulticida que também possui atividade ovicida e larvicida, mas com ação mais prolongada (1 mês), spot-on, abrangendo assim todos os estágios do ciclo das pulgas.

A gata teve uma boa resposta inicial aos corticoides, mas quando parou a medicação houve recorrência dos sinais de prurido. Voltou a repetir de novo o corticosteroide, mas desta

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vez numa duração menor e introduziu-se a ciclosporina e a dieta hipoalergénica. Manteve-se a desparasitação externa mensal com um spot-on, uma vez que pode ocorrer uma DAPP concomitante. Ao fim dos 3 meses de tratamento instituído, a Rita estava apenas a ser medicada com a ciclosporina, pois rejeitava a dieta hipoalergénica. Contudo, verificou-se uma remissão dos sinais de prurido e por isso foi continuada a medicação com ciclosporina, apenas aumentando o intervalo entre administrações.

Neste caso não foi possível estabelecer um diagnóstico definitivo, portanto o diagnóstico foi apenas presuntivo de uma dermatite alérgica com elevada probabilidade de ser uma dermatite atópica, dado que houve sempre uma boa resposta aos corticosteróides, estava estabelecido um programa de controlo de pulgas mensal e devido à estabilização dos sinais clínicos com o uso da ciclosporina como tratamento único. Como o ensaio dietético falhou uma alergia alimentar também não pôde ser totalmente excluída.

O controlo da atopia depende da sazonalidade dos sinais clínicos, da gravidade do prurido durante a temporada de alergia do gato, da distribuição dos locais afetados, de outras doenças concomitantes e, é claro, do que o prorpeietário seja capaz ou esteja disposto a fazer pelo animal (Moriello, 2012). É imperativo que os proprietários entendam que uma dermatite atópica afeta o seu animal para o resto da vida. Com uma boa cooperação por parte dos mesmos e um tratamento individualizado, a maioria dos casos apresenta resultados satisfatórios (Scott, 2011).

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