Nosso trabalho teve por objetivo estudar as subpopulações de monócitos
circulantes em pacientes com síndrome coronária aguda e crônica, assim como em
indivíduos com e sem fatores de risco para doença arterial coronariana.
Os monócitos circulantes constituem uma população heterogênea, com
fenótipos e funções distintas entre as suas três subpopulações (72-74).
Nossos resultados mostraram um maior número absoluto de monócitos totais
e das subpopulações clássica e intermediária no grupo com SCA em relação aos
pacientes com SCC. Este aumento encontrado poderia indicar uma maior liberação
destas células na circulação em resposta ao ambiente inflamatório sistêmico e para
reparo dos danos ocorridos pela instabilidade e eventual ruptura da placa
aterosclerótica. Além disso, poderia ser um indicativo de agravamento da doença e
complicações do quadro.
De acordo com estes achados encontramos alta concentração sérica de PCR
e a alta taxa de Trig/HDL no grupo SCA, marcadores de inflamação e risco
cardiovascular respectivamente (64,75).
Chapman et al (2004) indagaram se o número de monócitos no sangue
periférico poderia ser um marcador independente de aterosclerose subclínica. Neste
estudo os autores verificaram que o número de monócitos poderia ser considerado
um preditor independente de aterosclerose de carótida e que o seu aumento estava
associado ao aumento da placa (76). Outros trabalhos também mostraram que
pacientes com doença arterial coronariana apresentam um aumento da população
CD16+ (77) (78), sendo que também foi verificada uma correlação com os níveis
Nossos dados acompanham os achados acima, diferentemente de Shantsila et
al. (2014) que não encontraram diferenças significativas no número absoluto de
monócitos quando compararam pacientes com DAC a indivíduos saudáveis (79).
Os resultados obtidos no grupo com SCC poderiam sugerir que a diminuição
destas células no sangue periférico seria um marcador de estabilidade e possível
contenção da doença, pois neste grupo também é possível observar um aumento,
embora não significativo, na frequência de monócitos clássicos e intermediários
CCR5+ sugerindo migração da circulação para os locais de lesão.
Para que ocorra a migração de células do sistema imune para sítios
inflamatórios, é necessário a produção de quimiocinas e a interação com seus
respectivos receptores. Três principais eixos quimiocinas/receptores são
responsáveis pelo recrutamento de monócitos e estão altamente associados a
progressão da DAC: CCL2/CCR2, CCL5/CCR5 e CX3CL1/CX3CR1. Estudo em
modelos experimentais no qual foi realizado a deleção combinada destes eixos,
resultou em uma menor formação de placa aterosclerótica e progressão da doença
(80).
O CCR2 é um dos receptores responsáveis pelo recrutamento e tráfego de
células inflamatórias e se liga a várias quimiocinas, sendo a principal delas o CCL2
(MCP-1) que promove o recrutamento de monócitos para os locais de inflamação (81).
Conforme demostrado em nossos resultados e dados presentes na literatura, o CCR2
é altamente expresso na subpopulação clássica de monócitos (74,81). O receptor de
fractalquina CX3CR1 é um receptor de superfície celular expresso
predominantemente em monócitos, responsável por promover forte adesão destas
alta expressão na população CD16+ (82). O CCR5 é um receptor que possui múltiplos
ligantes sendo o principal deles o CCL5 (RANTES) (81). A sua presença está
associada a progressão da aterosclerose, uma vez que sua deleção em modelos
experimentais leva a diminuição na progressão das lesões (83).
Em nosso estudo, quando comparados os grupos controle e SCA, notamos um
aumento na frequência de monócitos CCR5+ das três subpopulações e também de
monócitos não clássicos CX3CR1+. Juntamente com a elevação do número de
monócitos, este aumento de células CCR5+ pode sugerir que além de maior produção
e liberação destas células na circulação, estas são mais aptas a migrarem para o local
de lesão aterosclerótica nestes pacientes em quadro agudo.
Berg et al (2012) não mostraram diferenças na expressão de CCR5, CCR2 e
CX3CR1 quando compararam monócitos de pacientes com doença arterial carotídea
com indivíduos saudáveis. Entretanto, mostraram haver uma maior expressão de
CCR5 nas populações CD16+ e correlação negativa com a espessura íntima média
da artéria carótida comum (84). Nosso resultados mostraram haver uma elevação na
frequência de monócitos CCR5+, bem como na expressão deste receptor, em todos
os grupos comparados ao grupo controle, indicando que a sua presença está
relacionada com o desenvolvimento e progressão da doença, conforme observações
relatadas em estudo com modelos animais (83).
Em nosso estudo encontramos maior frequência de células CCR2+ nas
populações clássica e intermediária, conforme os achados de Shantsila et al (2014)
(79). Quando comparamos os pacientes com fator de risco (FR), pacientes crônicos
(SCC) e em quadro agudo (SCA), notamos um aumento de monócitos CCR2+ nas
CCR5+ das três subpopulações, o que poderia indicar que a frequência destas células
aumenta conforme a gravidade da doença.
Tallone et al (2011) compararam a heterogeneidade das populações de
monócitos em pacientes com DAC estável e indivíduos saudáveis, tendo encontrado
uma maior frequência de células CX3CR1+ em todas as populações de monócitos dos
pacientes, inclusive na clássica (85). Em nosso estudo observamos um aumento na
frequência de monócitos não clássicos CX3CR1+ de pacientes de todos os grupos em
relação ao grupo controle. Isto poderia sugerir que a presença de fatores de risco e/ou
doença estabelecida leva a um aumento de células capazes de "patrulhar" o endotélio,
uma vez que o CX3CR1 está envolvido na adesão firme dos monócitos ao endotélio.
Os TLRs são membros da família de receptores de reconhecimento padrão
responsáveis por detectar e responder a padrões moleculares associados a
microrganismos e ligantes endógenos, por meio da ativação do fator de transcrição NF-κB e consequente produção de citocinas inflamatórias (86). Dentre estes
receptores, o TLR2 e o TLR4 são expressos em monócitos e macrófagos e estão
associados à aterosclerose, uma vez que reconhecem e respondem a partículas de
LDL minimamente modificadas (87). O TLR4 é mais expresso na população
intermediária de monócitos (62). Com relação a este receptor, Kashiwagi et al (2012)
não encontraram diferença em sua expressão quando compararam os monócitos de
pacientes AE com indivíduos controle (88).
Em nosso estudo observamos uma maior frequência de monócitos clássicos e
não clássicos TLR2+ no grupo SCA quando comparado aos outros três grupos, bem
como maior frequência de células TLR4+ nas três subpopulações de monócitos no
A maior frequência de monócitos TLR2+ e TLR4+ encontrada no grupo SCA,
poderia sugerir que os pacientes em quadro agudo além de apresentarem um
aumento na quantidade de monócitos circulantes com aumentada capacidade de
migração, também têm maior capacidade de reconhecer e responder aos DAMPs
(padrões moleculares associados ao dano celular) gerados neste tipo de quadro,
como a HSP60.
Evidências experimentais sugerem que as proteínas de choque térmico (HSPs)
podem estra envolvidas na inflamação que caracteriza a aterosclerose. Fatores de
risco para desenvolvimento da doença, como a hipertensão, lipídeos oxidados e
estresse oxidativo aumentam a produção destas moléculas, principalmente a HSP60
por células endoteliais, células musculares lisas e macrófagos, células presentes na
placa aterosclerótica (89). Em modelos animais, a HSP60 demonstrou induzir fortemente a produção de TNF-α por macrófagos, e essa produção foi dependente de
TLR4 (90).
Em humanos, foi descrito que a presença da HSP60 e anticorpos contra esta
proteína estão associados com progressão da aterosclerose, uma vez que estudos
mostraram uma associação entre sua concentração e a espessura da intima-média
(91,92).
Em nosso estudo, com exceção da população não clássica, todos os monócitos
produziram citocinas em resposta ao estímulo com HSP60, principalmente as de
caráter proinflamatório (IL-1b, IL-6 e TNF-a). Embora tenha tido um efeito menor em
relação ao LPS, a HSP poderia atuar em sinergismo com outros estímulos
A HSP60 também se mostrou capaz de induzir a expansão de monócitos das
populações intermediária e clássica positivas para as quimiocinas IL-8 e CCL2,
importantes no recrutamento de monócitos para o local da lesão. Mais ainda,
observamos que a HSP60 também aumenta a população de monócitos capazes de
produzir citocinas que caracterizam a resposta Th1 como IL-12p70 e IFN-γ. A IL-12
induz a diferenciação de linfócitos Th1 produtores de IFN-γ, citocina crucial no
desenvolvimento da placa aterosclerótica. O IFN-γ promove a ativação de macrófagos
e células endoteliais levando a produção de moléculas de adesão, citocinas,
quimiocinas, proteases e fatores de coagulação (31).
Membro da família de receptores scavenger para lipoproteínas modificadas, o
CD36 é uma glicoproteína de membrana expressa principalmente em monócitos e
macrófagos. Esta molécula atua como receptor para glicoproteínas de adesão e
colágeno, além de contribuir para a formação de células espumosas na placa
aterosclerótica através do reconhecimento e internalização da partícula de LDL
oxidada que leva a ativação de vias que culminam com a produção de citocinas
inflamatórias (93,94).
Nossos resultados mostraram uma maior frequência de monócitos CD36+ das
três subpopulações no grupo SCA. O aumento da expressão deste receptor poderia
indicar uma maior capacidade de reconhecimento e resposta a antígenos
aterogênicos. Outros autores também observaram um aumento na expressão de
CD36 em pacientes no início do quadro de SCA comparados a indivíduos controle
(95). Além disso, a ativação de CD36 pela LDLox resulta na inibição da migração dos
monócitos e macrófagos o que é considerado um mecanismo de retenção destas
Tanto na doença aguda como crônica, é comum a ocorrência de hipóxia e
necrose tecidual nos locais de lesão aterosclerótica, o que desencadeia processos
angiogênicos intraplaca (60,96). O Tie2 (CD202b) é um receptor ativado por
moléculas da família da angiopoetina expresso principalmente em monócitos e
macrófagos e está relacionado à indução de angiogênese (97). Aproximadamente
20% dos monócitos totais são positivos para este receptor tendo expressão
preferencial, mas não exclusiva, na população intermediária (98).
Em nossas análises, encontramos um aumento na frequência destas células
em pacientes com SCA, nas 3 subpopulações de monócitos, associando-as a forma
mais grave da doença. Por outro lado, indivíduos com fatores de risco e pacientes
com SCC expressam menores porcentagens de monócitos Tie2+, mostrando que se
encontram em uma fase mais precoce da doença aterosclerótica. Trabalhos
experimentais mostraram que a mobilização de monócitos Tie2+, através da
superexpressão de MCP-1 em tecido cardíaco, foi associada a prevenção de
disfunção cardíaca e melhora do remodelamento após infarto do miocárdio (99).
Os pacientes com SCA também apresentam uma frequência elevada de células
SLAM+ nas 3 subpopulações de monócitos. Monócitos que expressam este marcador
foram descritos em doenças inflamatórias crônicas como Crohn (100) e sua presença
foi relacionada com a ativação de monócitos por vias dependentes de TLR, embora a
sua indução seja diferente da de outros marcadores de ativação de monócitos (69).
O aumento da frequência de células SLAM+ juntamente com o aumento de
TLR2+ e TLR4+ reforça a ideia de que as células dos pacientes com SCA estão mais
ativadas e responsivas a DAMPs que são amplamente gerados no estágio agudo da
Neste trabalho, além de fenotipar os monócitos quanto a expressão de
importantes marcadores de superfície associados às suas funções, foi nosso objetivo
verificar a sua capacidade de adesão ao endotélio ativado.
O recrutamento e adesão dos monócitos ao endotélio ativado nos locais de
formação de lesão é uma etapa essencial para o desenvolvimento da aterosclerose
(101). As fases envolvidas neste processo de adesão e migração envolvem a adesão
e rolamento dependentes de selectinas, a ativação e adesão dos monócitos via
quimiocinas e seus receptores, a adesão dependente de integrinas e a transmigração
pelo endotélio (102). A estimulação de células endoteliais com citocinas de caráter inflamatório como TNF-α e IL-1β induz um aumento na expressão de receptores
envolvidos na captura, rolamento e adesão de leucócitos ao endotélio (103-105).
Nossos experimentos de adesão mostraram que monócitos da subpopulação
clássica são capazes de aderir a células endoteliais ativadas com TNF-, IL-1 ou ambas. Entretanto, não encontramos diferenças em relação aos estímulos, nem
tampouco quanto aos grupos estudados (indivíduos controle com e sem fatores de
risco e pacientes com SCC).
Em conjunto nossos resultados mostraram que pacientes com síndrome
coronária aguda (SCA) apresentam maior número de monócitos circulantes das 3
subpopulações em relação a pacientes com síndrome coronariana crônica, indivíduos
com fatores de risco para doenças cardiovasculares e controles sem fatores de risco.
Além disso, apresentam alta frequência de monócitos clássicos, intermediários e não
clássicos positivos para receptores de quimiocinas (CCR5 e CX3CR1) e de receptores
de reconhecimento padrão (TLR2, TLR4 e CD36), sugerindo um alto potencial
a angiogênese (Tie-2) também foram mais frequentes em monócitos de pacientes com