• Nenhum resultado encontrado

Este estudo teve como objectivo investigar a interacção entre a cultura organizacional e o sistema de gestão da qualidade, na área hospitalar, através de um múltiplo estudo de caso, conduzido em dois hospitais centrais portugueses.

A análise dos dados originou um conjunto variado de resultados, nas vertentes da cultura organizacional e das práticas de gestão da qualidade que pretendemos contribuam para o conhecimento, académico e dos profissionais, no sentido de maximizar o processo de implementação da gestão da qualidade, através do reconhecimento das variáveis culturais e do seu papel neste.

Consideremos então a discussão à luz do problema de investigação, de acordo com os seus elementos constituintes, abordando, inicialmente, a vertente da dimensionalidade da cultura organizacional e da intensidade das dimensões, entre os hospitais.

Em primeiro lugar, preocupamo-nos em conhecer a potencial relevância da variável “Organização”: através da análise estatística multivariada, começamos por agrupar as variáveis de cultura organizacional em factores e procuramos obter evidências se, para estes, a “organização” não exercia um efeito de condicionamento nas práticas percepcionadas. Tal confirmou-se em todos os factores, com excepção de “Sistema Organizativo” e “Orientação para a Mudança”, que foram como tal eliminados (tabela 15). Isolamos, assim, seis dimensões de cultura organizacional comuns aos hospitais estudados: “inovação”, “planeamento e flexibilidade”, “orientação para a melhoria contínua”, “orientação para o cliente e competências”, “comunicação” e “motivação e envolvimento”.

De seguida, focalizamo-nos na estrutura da cultura organizacional, tendo sido importante confirmar se existiriam diferenças específicas na cultura organizacional nos dois hospitais. Para tal, analisamos as variáveis identificadas e concluímos que no hospital A existem indícios que nos podem levar a afirmar a existência de uma “cultura forte”, no sentido que não existem diferenças significativas em nenhuma das dimensões culturais entre os diferentes grupos funcionais do hospital (tabela 28). Por seu lado, no hospital B, a generalidade das dimensões culturais é relativamente diferente entre os seus grupos funcionais e, em especial, nos mais relevantes operacionalmente, médicos e enfermeiros, sendo que as médias obtidas pelos enfermeiros são sempre superiores às constatadas no grupo funcional médicos (tabela 29). Comparando as médias dos dois hospitais, verificamos existir apenas uma diferença significativa na variável “v_melhor” (que traduz a preferência e o empenho contínuo pela melhoria e pela excelência), que é aquela onde ambos atingem uma média mais elevada, mas também onde existe um maior diferencial (tabela 30). Quando se introduz a variável idade como concomitante, essa diferença deixa de existir.

Pretendemos analisar com maior detalhe as dimensões de cultura organizacional em relação aos diferentes grupos funcionais, pois no contexto hospitalar são reconhecidas diferenças substânciais entre estes. Constatamos diferenças em algumas variáveis de cultura nos grupos

técnicos e auxiliares, que desaparecem quando são inseridas variáveis demográficas como concomitantes, respectivamente “idade” e “género”. No grupo médicos, após correcção pela utilização das variáveis “antiguidade” e “experiência profissional” como concomitantes, verifica- se que a variável “organização” passa a ter um papel muito relevante nas diferenças registadas nesse grupo. Por último, observando as médias no grupo funcional médicos, o hospital A é sempre superior ao hospital B em todas as dimensões de cultura organizacional (tabela 34). Para responder à pergunta de investigação é fundamental a reflexão específica e conclusiva sobre a caracterização da cultura organizacional em cada hospital e as suas potenciais implicações sobre diferentes desenvolvimentos das práticas de gestão da qualidade.

O hospital A destaca-se nas práticas de gestão da qualidade “empenhamento e suporte da gestão de topo”, “formação dos colaboradores”, “participação dos colaboradores” e “focalização no cliente”. A análise dos dados qualitativos permite-nos acreditar numa maior proximidade entre os elementos da Direcção Médica e de Enfermagem e um envolvimento mais activo e integrado no SGQ, assim como uma eficaz e eficiente comunicação entre os órgãos de gestão e as Operações e ao envolvimento destes no SGQ, gerando encorajamento activo ao desenvolvimento, o que é reforçado pela intensidade das dimensões culturais “Orientação para a melhoria contínua”, “Comunicação” e “Motivação e envolvimento” (tabela 25). Os dados qualitativos realçam também que a aposta na formação contínua é mais evidente, sendo reconhecida como tal pelo corpo clínico e também devido aos conceitos de formação obrigatória e recomendada e por acções de formação comportamental para grupos que habitualmente são menos “elegíveis” para estes conteúdos, como é o caso do grupo auxiliares. Paralelamente, percepciona-se um maior encorajamento à participação e ao envolvimento dos colaboradores e, como referimos, inclusivamente com bons resultados no grupo médicos existindo, pelas informações obtidas nas entrevistas, um verdadeiro sentimento de auto-estima, de pertença e voluntarismo na participação. Por último, verifica-se um maior investimento num esforço de seguimento e acolhimento dos pacientes e seus familiares, o que é explicita e formalmente reconhecido por estes, do qual são bons exemplos de actividades o “Programa de Acompanhante”, o “Percurso Integrado do Doente” ou os telefonemas de acompanhamento

base no referido anteriormente, cremos que as práticas que evidenciam melhor desenvolvimento no hospital A, em especial as de “empenhamento e suporte da gestão de topo” e “participação dos colaboradores”, muito devem ao reforço continuado dos valores colaborativos por parte da gestão (sendo que a Administração participa activamente no próprio “Grupo da Qualidade”) e, em especial, às atitudes e comportamentos recorrentes de envolvimento e de evidenciar de valor do sistema, por parte dos elementos das estruturas transversais qualidade/clínicas perante as equipas médicas. Acreditamos que estas circunstâncias, ao longo do tempo, provocaram um quadro mental de aceitação, reconhecimento e envolvimento no Sistema de Gestão da Qualidade, de toda a organização e, particularmente, do grupo funcional médicos.

O hospital B destaca-se nas práticas “organização para a qualidade” e “melhoria do sistema da qualidade”. Existe um grande investimento na acreditação e certificação, patente nos vários serviços certificados pela norma ISO 9000 ao longo dos últimos dez anos. Os dados obtidos permitiram evidenciar um grande e continuado esforço nos processos formais, na normalização de práticas, regras e princípios operativos, directos e de suporte, tal como de uma maior ligação do ciclo de auditoria clínica ao processo de Clinical Governance, a uma activa procura de redefinição de processos, com projectos de Lean Management com o Instituto Kaizen, o que traduz uma maior evolução do sistema. Acreditamos que esta opção contribuiu para o acentuado desenvolvimento de mecanismos de monitorização do desempenho organizacional, com a coexistência de vários sistemas de indicadores e projecções clínicas, indicadores internacionais de qualidade (na área hospitalar) e com um relevante estudo de episódios que potenciaram uma melhor análise causa-efeito. Após a análise integrada dos resultados, cremos que as práticas que evidenciam melhor desenvolvimento no hospital B surgem no contexto de uma opção de criação de conformidade associada ao domínio técnico especializado, com uma abordagem mais verticalizada (por serviço/unidade) do SGQ. Usufruiu-se, assim, das elevadas competências de cada unidade para assegurar, prioritariamente, o cumprimentos dos “requisitos internos de qualidade” desta, seja na óptica da prestação de cuidados ao paciente, seja da prestação de serviços ao cliente interno. Este tipo de abordagem têm inerentes vantagens na perspectiva funcional de cada unidade e fundamenta uma tríade

regras/reflexão/princípios, orientada para um menor risco e uma maior segurança para o paciente. Na vertente da cultura organizacional, acreditamos ser credível referir que o privilegiar de valores sólidos de conformidade, adaptou-se bem à maior tendência dos médicos para traduzirem a sua motivação, estrutura relacional e autoridade maioritariamente com a classe médica e na óptica da sua especialidade e unidade funcional, pois fica muito próxima da perspectiva de “qualidade do acto médico” (em linha com conclusões de outros estudos anteriormente referenciados). Porém, os resultados da análise das entrevistas comprovam que pelo menos uma parte do grupo médicos percepciona que este nível de formalismo tem pouco valor acrescentado e que, mesmo com o elevado nível de desenvolvimento dos sistemas de informação, a comunicação e a obtenção de informação nas áreas transversais é difícil, o que perspectiva a possibilidade destas estarem mais dependentes dos valores culturais de cooperação e envolvimento do que da infra-estrutura tecnológica e procedimental.