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Discussão da relação genótipo / fenótipo nos diversos casos analisados V.2.1-Caso

2.3 Síntese de DNA

V- Discussão dos Resultados

V.2- Discussão da relação genótipo / fenótipo nos diversos casos analisados V.2.1-Caso

O caso número 1 corresponde a um indivíduo do sexo feminino com 56 anos de idade com 8000 µg/L de ferritina. Este indivíduo possui um genótipo de risco para o desenvolvimento de Hemocromatose Hereditária do tipo I visto ser homozigótico para C282Y. Contudo o facto de ser mulher, ainda relativamente jovem, e ter um nível elevadíssimo de ferritina levou-nos a seleciona-la para análise de mutações em outros genes relacionados com o metabolismo do

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ferro. A co-herança do genótipo de risco em HFE com mutações em outros genes relacionados com o metabolismo do ferro já tem sido descrita na literatura como um factor agravante do fenótipo de Hemocromatose (Biasiotto et al., 2004; Van Dijk et al., 2007). Esta análise levou à identificação de 4 alterações diferentes nos genes em estudo, 3 delas presentes no BMP-6 e uma no TfR2.

No gene BMP-6 foi detectada a alteração c.857+12 C→T no estado heterozigótico, localizada a jusante do exão 2 deste gene. A análise de splicing (Tabela IV.22) revelou que esta alteração não leva a alteração dos locais aceitadores ou dadores de splicing, para além de não implicar nenhuma alteração do Branch Point assim como dos scores dos motivos enhancer e silencer. Deste modo, é pouco provável que promova alterações no splicing, como sejam mecanismos de splicing alternativo. Esta alteração havia já sido descrita na base de dados do PubMed com uma frequência de alelo minor, T, de 10,3% (MAF: minor allele frequency). Este é um conceito que se refere à frequência na qual o alelo menos comum para cada polimorfismo ocorre numa determinada população e tem sido amplamente empregado em estudos de análise do genoma. A população utilizada para a determinação da MAF para esta alteração, 1000Genome phase 1, engloba a análise de 1094 indivíduos provenientes de várias partes do mundo. Em suma, podemos então concluir que esta alteração se trata de um polimorfismo de um nucleótido (SNP), o qual não parece ter associação a patologia.

Neste mesmo indivíduo foram também encontradas no gene BMP-6 as alterações c.1281+24 T→C e c.1281-197 T→C em estado homozigótico, localizadas na região intrónica a jusante do exão 5 do gene BMP-6. A alteração c.1281+24 T→C está já descrita no PubMed, com uma MAF (alelo C) de 34,9% (1000Genome phase 1), sendo assim um polimorfismo muito frequente. A análise de splicing (Tabela IV.24) efectuada para este polimorfismo revela que esta alteração não leva à modificação dos locais aceitadores ou dadores de splicing, assim como do Branch Point. Contudo, verifica-se o aparecimento de dois motivos enhancer cujos scores não ultrapassam os 81%. Dado que este local na sequência nativa tinha já um consenso elevado para a presença de motivos enhancer, pode concluir-se que os dois novos motivos que aqui aparecem não deverão influenciar grandemente o mecanismo de splicing.

Por outro lado, a alteração c.1281-197 T→C em BMP-6 não se encontra descrita no PubMed. A análise do efeito desta alteração ao nível do splicing (Tabela IV.24) revelou que esta leva à diminuição acentuada do score de um local dador de splicing de 66,11 para 39,28 na presença da mutação, não se tendo verificado alterações ao nível do Branch Point. Verificou-se ainda que esta também leva ao aparecimento de um motivo enhancer e ao desaparecimento de um motivo silencer (ambos com valores de score baixos). O facto de se verificar a grande diminuição do score para o local dador de splicing, conferida pelo polimorfismo, apenas poderá ter significado biológico no caso de naturalmente ocorrer alguma variante de splicing do BMP-6, a qual resulte da inclusão parcial do intrão 5 até sensivelmente à posição c.1281- 197. Contudo, não se encontra descrito na literatura qualquer referência a mecanismos de splicing alternativo associados ao BMP-6. Assim parece pouco provável que haja qualquer influência deste polimorfismo no fenótipo de sobrecarga em ferro deste indivíduo.

Para além das alterações acima descritas foi ainda detectada no indivíduo número 1 a alteração R752H (c.2255 G→A) no gene TfR2. Esta alteração já foi previamente descrita com

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uma MAF associada ao alelo A de 9% (Pubmed). Ao nível proteico conduz à substituição do aminoácido arginina pelo aminoácido histidina. A arginina é um aminoácido polar com carga positiva e índice de hidrofobicidade de -4,5, enquanto a histidina é polar, tem carga neutra e tem um índice de hidrofobicidade de -3,2 (http://en.wikipedia.org/wiki/Amino_acid consultado a 04-09-12). O facto de ambos os aminoácidos serem hidrofílicos não leva a uma previsão de alteração ao nível do folding da proteína. Contudo, o alinhamento múltiplo (Figura IV.20) realizado para a zona desta mutação, revelou que o resíduo R752 é muito conservado em termos evolutivos, pelo que poderia ser importante para a função da proteína. Esta previsão é corroborada pelos scores obtidos pelos modelos HumDiv e HumVar indicando um impacto potencialmente patogénico associado a esta alteração (Figura IV.21).

No que diz respeito ao seu impacto ao nível do processamento do RNA (Tabela IV.27), verificou-se que esta alteração não deverá estar implicada em mecanismos de splicing alternativo, uma vez que não origina novos locais aceitadores ou dados de splicing. Mais ainda as variações detectadas nos motivos silenciadores e enhancer de splicing não são consideradas significativas.

Em suma, existem dados obtidos neste estudo que indicam um possível impacto negativo da R752H ao nível da estrutura (e possivelmente da funcionalidade) da proteína TfR2. Contudo, um estudo previamente publicado, no qual foi analisada uma amostra de 51 indivíduos com sobrecarga em ferro, concluiu que a frequência desta alteração era semelhante neste grupo de indivíduos quando comparada com a obtida para o grupo controlo (Santos et al., 2011). Foi, deste modo, descartada a hipótese por estes autores de este polimorfismo estar associado à sobrecarga em ferro nos indivíduos que dela são portadores. No entanto, não se pode descartar por completo que tenha esse efeito num indivíduo que, já por si, é afectado pela homozigotia da mutação C282Y no gene HFE (que é o caso do indivíduo número 1). Está descrito que num estado fisiológico, a proteína HFE se encontra associada ao receptor TfR1 ao nível da membrana celular. Aquando de um aumento dos níveis circulantes de ferro supõe-se que a proteína HFE se dissocie deste receptor e passe a associar-se ao TfR2, desencadeando uma cascata de sinalização que culmina com o aumento da expressão de hepcidina no fígado (Schmidt et al., 2009). É ainda hipotizado que a TfR2 possa ainda estar envolvido na activação da expressão da hepcidina por um mecanismo independente da HFE. Efectivamente, o knockdown conjunto de HFE e TfR2 gera um fenótipo mais grave do que o knockdown individual de cada um destes genes (Wallace et al., 2009). Deste modo, uma alteração no estado heterozigótico ao nível do gene do TfR2 poderá não ter um efeito notório num indivíduo sem alterações no gene HFE, no entanto podemos levantar a hipótese de um efeito patológico aditivo no caso deste indivíduo com mutações em HFE.

Em suma, a heterozigotia para a R752H em TfR2 aliada à homozigotia para a C282Y em HFE poderá estar na causa da elevadíssima hiperferritinémia do indivíduo 1. No entanto, será necessária a realização de estudos funcionais relativamente à mutação R752H para confirmar esta hipótese.

- 57 - V.2.2-Caso 2

Na amostra do caso número 2, correspondente a um indivíduo do sexo masculino de 48 anos, com o genótipo de risco no gene HFE e com um valor de ferritina sérica de 3900 µg/L, foi detectada por sequenciação automática a alteração c.371C→T, localizada no exão 3 do gene HJV.

Esta alteração no DNA leva à substituição do aminoácido prolina pelo aminoácido leucina na proteína (P124L). A prolina é um aminoácido apolar, com carga neutra e com índice de hidrofobicidade de -1,6, enquanto a leucina, também apolar de carga neutra, tem um índice de hidrofobicidade positivo de 3,8. (http://en.wikipedia.org/wiki/Amino_acid consultado a 31-08- 12). O índice de hidrofobicidade dos aminoácidos é muito relevante no folding das proteínas. Os aminoácidos com este índice positivo têm características hidrofóbicas, por outro lado, os que apresentam índices negativos são hidrofílicos. Assim sendo, a diferença de hidrofobicidade entre os aminoácidos resultantes da mutação P124L podem alterar a conformação da proteína HJV, uma vez que os resíduos hidrofóbicos tendem a localizar-se no interior da proteína, enquanto os hidrofílicos a ser expostos ao contacto com o ambiente aquoso.

A informação obtida no alinhamento de sequências homólogas em espécies diferentes é reconhecido como um factor importante para compreender a variação genética em humanos (Miller and Kumar, 2001). Num determinado conjunto de sequências, uma fracção de aminoácidos está conservada mesmo entre espécies distantes que divergiram há milhares de anos. Ao longo da evolução as variações que aparecem nessas posições conservadas estiveram sob uma pressão selectiva muito forte, sugerindo que esses resíduos de aminoácidos são críticos para a função da proteína. Assim, o resultado de alinhamentos múltiplos interespecíficos pode ser informativo de quais as regiões proteicas mais susceptíveis a promover o desenvolvimento de uma doença quando estão mutadas em humanos. O alinhamento múltiplo (Figura IV.12) realizado para a zona desta alteração, revelou que a P124 é um resíduo muito conservado, pelo que poderá ser importante para a função da proteína. A alteração c.371 C→T localiza-se no exão 3 do gene, local que codifica para 3 domínios distintos da proteína HJV: um péptido de sinal, um domínio RGD (repulsive guidance domain) e um factor de von Willebrand. Mutações nestes locais podem comprometer a interacção com as integrinas durante a interação proteína-célula, o que pode causar uma diminuição ou uma perda de função por parte da proteína HJV (Giancotti, 1999). No nosso caso em estudo, a probabilidade desta alteração causar mudanças significativas na proteína foi ainda evidenciada pelos scores (HumDiv e HumVar) calculados pelo Polyphen-2 (Figura IV.13). Concluímos assim, através da análise dos diversos resultados referentes à proteína que, a nova mutação P124L em HJV, terá muito provavelmente, efeito negativo sobre a funcionalidade da HJV.

A análise efectuada pelo software Human Splicing Finder (Tabela IV.21) revelou que esta mutação provavelmente não estará implicada em processos de splicing alternativo, uma vez que não são originados novos locais aceitadores ou dadores de splicing. Verifica-se ainda que surge um novo motivo silenciador de splicing mas este apresenta um score muito baixo para ser considerado relevante.

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Deste modo, provavelmente, a heterozigotia para a nova mutação P124L em HJV aliada à homozigotia para a C282Y em HFE pode justificar o fenótipo apresentado por este indivíduo (Tabela IV.20). Estão também já descritos na literatura alguns casos nos quais alterações em heterozigotia nos genes HJV e HAMP estão associados ao agravamento do fenótipo de hemocromatose em indivíduos homozigóticos para a C282Y ou compostos heterozigóticos H63D/C282Y (Biasiotto et al., 2004; Van Dijk et al., 2007).

V.2.3-Caso 4

O caso número 4 corresponde a um indivíduo do sexo feminino, jovem com apenas 31 anos de idade com 3728 µg/L de ferritina sérica. Não apresenta genótipo de risco em HFE, pois apenas apresenta heterozigotia para a mutação H63D. De notar que a H63D é bastante prevalente na população portuguesa (frequência alélica entre 17 e 19%) (Cardoso et al., 2001), pelo que na população em geral é muito frequente encontrarem-se indivíduos heterozigóticos para este alelo, não sendo, só por si, justificação para o fenótipo apresentado.

A análise genética efectuada neste estudo a este indivíduo levou à identificação de 4 alterações diferentes, todas localizadas no gene BMP-6.

Duas dessas alterações já foram discutidas neste capítulo do trabalho, a c.1281+24 T→C e c.1281-137 T→C, e foram identificadas no estado heterozigótico. Para além destas foram ainda encontradas as alterações c.1029 C→T e c.1104 G→C, ambas localizadas no exão 4.

A alteração c.1029 C→T encontra-se descrita no PubMed com uma MAF para o alelo T de 1,9% (amostra 1000Genome phase 1), sendo assim um polimorfismo relativamente raro ao qual não foi atribuída, até a data, importância clinica. A análise de splicing (Tabela IV.23) revelou que esta alteração não leva a variações significativas no que respeita aos locais aceitadores de splicing. Para além disso, verifica-se que aparecem 2 novos motivos silencer. Os scores obtidos para estes motivos são relativamente baixos (60,99 e 62,45) quando comparados com os valores observados para os 5 motivos enhancer localizados na mesma região (76,09; 76,77; 80,36; 75,65 e 75,65). Deste modo pode-se afirmar que esta alteração deverá ser inócua no que respeita a alterações no processo de splicing. A alteração c.1104 G→C também já se encontra descrita no PubMed, sendo a MAF para o alelo C, de 40,7% (1000Genome phase 1). É deste modo classificado como um polimorfismo relativamente frequente e, provavelmente, sem relevância clinica. A análise de splicing (Tabela IV.23) revela que esta alteração não deverá levar a alterações nos locais dadores de splicing. Para além disso, verifica-se que desaparecem dois motivos enhancer com scores de 74,38 e 78,16. O desaparecimento desses motivos no exão deixaria em aberto a hipótese de este deixar de ser reconhecido como tal e poder haver o aparecimento de um variante de splicing com a exclusão do exão 4. Contudo com a alteração é também criado um novo motivo enhancer, motivo este com um score superior ao dos motivos que desaparecem (84,76) e deste modo parece compensar a ausência dos motivos nativos.

Deste modo, as alterações encontradas neste indivíduo, juntamente com a heterozigotia para a H63D não deverão ser suficientes para justificar o fenótipo apresentado por este indivíduo. Fica assim por explicar este fenótipo. Levanta-se a hipótese de que a lesão molecular possa ainda ser encontrada noutro gene também associado com o metabolismo do ferro.

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Alternativamente ou concomitantemente poderão existir ainda causas de índole ambiental ou outras patologias associadas.

V.2.4- Caso 10

O caso número 10 corresponde a um indivíduo do sexo masculino com 50 anos de idade, com homozigotia para a mutação H63D no gene HFE, e com um nível altíssimo de 9567 µg/L de ferritina sérica. Aqui foram identificadas 6 alterações diferentes, 5 no gene BMP-6 e uma no TfR2.

No BMP-6 foram encontradas as seguintes alterações: c.1281+24 T→C, c.1281-197 T→C, c.1029 C→T, c.1104 G→C e c.1542+4 G→A. Todas as alterações se encontraram no estado de heterozigotia, tendo as 4 primeiras já sido discutidas nos casos acima descritos. A alteração c.1542+4 G→A não se encontra descrita no PubMed. A análise de splicing (Tabela IV.25) revela que não existe alteração no local aceitador de splicing, por outro lado há um aumento do valor do score do local de branch point de 52,64 para 82,27, para além disso verifica-se o desaparecimento de um motivo enhancer concomitante com o aparecimento de outro com um score semelhante. O branch point corresponde a um loop que ocorre durante o processo de splicing. Após o aparecimento dessa estrutura, ocorrem reacções que levam à libertação do intrão e à fusão dos exões adjacentes. Por fim, o intrão é separado do complexo pelo spliceossoma, sendo posteriormente degradado (Corvelo et al., 2010).

Relativamente à mutação encontrada em heterozigotia no gene TfR2, c.1851 C→T (A617A), já se encontra descrita no PubMed com uma MAF de 15,4% para o alelo T e sendo um polimorfismo descrito como não tendo importância clinica relevante (Lee et al., 2001; Santos et al., 2011). A análise de splicing (Tabela IV.26) revelou que não existem alterações que justifiquem a existência de mecanismos de splicing alternativo.

Apesar de, neste indivíduo, terem sido encontradas várias alterações aliadas à homozigotia para a H63D no gene HFE, o quadro de sobrecarga em ferro neste indivíduo é extremamente grave e o genótipo observado não o justifica.

V.2.5-Caso 11

O caso número 11 corresponde a um indivíduo do sexo masculino, cuja informação relativa à idade nos é desconhecida. É sabido que apresenta heterozigotia para a mutação H63D no gene HFE. Neste caso encontrou-se apenas uma alteração no gene BMP-6, a c.1281+24 T→C em heterozigotia, anteriormente descrita para o indivíduo número 1. Os valores de ferritina observados neste caso são de 4000 µg/L, um fenótipo característico de excesso de ferro, mas que é pouco provável que seja justificado pela presença da mutação anteriormente referida juntamente com a H63D em heterozigotia no gene HFE.

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