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Quando o M. leprae invade o organismo, mecanismos imunológicos envolvidos no combate às infecções causadas por bactérias intracelulares, entram em ação com envolvimento dos componentes do sistema imune inato, tais como células fagocíticas, células natural killer (NK), produção de citocinas e quimiocinas. A resposta imune inata sozinha não consegue eliminar bactérias patogênicas, como é o caso do Mycobacterium leprae, mas ela é importante porque ativa a resposta imune adaptativa (COELHO-CASTELO et al., 2009).

Antígenos específicos de M. leprae são reconhecidos pelas células apresentadoras de antígenos e podem induzir a produção de produtos da resposta imune inata e influenciar na ativação da resposta adaptativa, Th1, Th2, Th17 ou T reguladora. Por exemplo, o glicolipídio fenólico 1 (PGL-1), específico da parede celular do M. leprae é responsável pela indução de IL-10 e supressão da atividade macrofágica, o que pode gerar a diferenciação de células T reguladoras. Resposta humoral para o PGL-1 é considerada um marcador de formas multibacilares, forma clínica associada a uma resposta Th1 deprimida (BARROS et al., 2000; FOSS, 1997; SCOLLARD et al., 2006a). Da mesma forma que o PGL-1 é capaz de induzir uma supressão da resposta imune, outros antígenos do M. leprae podem ser capazes de induzir uma resposta protetora (REECE et al., 2006). Essas respostas dirigidas para componentes específicos do M. leprae podem levar a uma resposta protetora ou à indução de patogênese, com evolução do quadro clínico para as formas polares tuberculóide e virchowiana ou para as formas intermediárias da doença (MACHADO et al., 2004; SCOLLARD et al., 2006a, PALERMO et al.,2012), dependendo das células do sistema imune ativadas durante a exposição ao M. leprae.

Os resultados do presente estudo sugerem que os antígenos purificado derivado de

M. tuberculosis (PPD) e o sonicado bruto de M. leprae (MLCS) são capazes de induzir a

produção de IL-2 e IFN-γ in vitro, havendo uma correlação entre estas duas citocinas, sugerindo uma ativação de células da resposta imune do tipo Th1, nos indivíduos com formas mais brandas paucibacilares da doença, bem assim em controles contactantes sem doença.

A resposta Th1 é considerada protetora nas infecções por agentes intracelulares. Na infecção por M. leprae, o IFN-γ ativa os mecanismos microbicidas dos macrófagos, induzindo a produção de radicais de oxigênio (ROI) e de óxido nítrico (NO), os quais tem ações tóxicas

contra estes microorganismos (GOULART et al., 2002; VISCA et al., 2002; HAGGE et al., 2007). A IL-2 e o IFN-γ, promovem também a ativação de linfócitos T CD8+ citotóxicas, que

por sua vez, eliminam macrófagos parasitados. Esse é um outro modo pelo qual as células Th1 participam da eliminação de patógenos intracelulares (ABBAS et al., 1996).

Assim, a indução de resposta Th1 ao PPD e MLCS indica que estes antígenos possam ter um papel protetor na hanseníase. A correlação encontrada nas respostas aos antígenos PPD e MLCS sugere inclusive que elas sejam dirigidas a epítopos semelhantes.

Além disso, quando comparadas as concentrações de IFN-γ e IL-2 em resposta ao PPD e MLCS em pacientes que evoluiram para as reações hansênicas, com os que não evoluiram e os controles contactantes sem doença, não houve diferenças estatisticamente significativas na produção dessas citocinas entre os grupos. Ao analisar os doentes que apresentaram algum grau de incapacidade física (sequelas neurológicas) com os que não apresentaram e os controles contactantes sem doença foi observado que em resposta ao PPD, a produção de IFN-γ e IL-2 nos controles foi significativamente maior quando comparada com os doentes que manifestaram grau 1 e 2 de incapacidade física. Os resultados para o antígeno MLCS apresentam uma grande similaridade com os de PPD, maior produção de IFN-γ e IL-2 nos controles que nos doentes sem lesão, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos com e sem lesão neurológica ou que evoluíram ou não para estados reacionais. Esses dados confirmam que a resposta Th1 induzida em resposta a estes 2 antígenos é pelo menos protetora para as formas mais graves da doença e não estão associadas com lesão neurológica ou desenvolvimento de reação hansênica.

É possível que estas respostas sejam explicadas pelo contato com o M. leprae, principalmente pela resposta elevada observada nos controles contactantes diretos dos pacientes, ou mesmo pela vacinação com BCG recebida por estes na infância, ou contato prévio com M. tuberculosis.

A revacinação com BCG (PPD) nos contatos intradomiciliares do paciente portador de hanseníase é indicada pelo Ministério da Saúde (MS) como forma de aumentar a proteção contra o M. leprae desde que vários estudos mostram que o PPD ativa a resposta contra o M.

Tuberculosis e M. leprae (proteção cruzada) e protege esses indivíduos, principalmente, das

formas mais agressivas da doença (SETIA et al., 2006; MS, 2009). No entanto, estes controles contactantes avaliados no presente estudo, ainda não haviam sido revacinados com BCG. Não foi avaliada a resposta de controles não contactantes, visando verificar se as respostas induzidas foram devidas ao contato com M. leprae.

O comportamento do antígeno bruto sonicado de M. leprae (MLCS) foi muito similar ao da proteína purificada derivada de M. tuberculosis (PPD), sugerindo que a purificação deste poderá identificar moléculas com potencial protetor mais específicas de M. Leprae, que possam pelo menos, ser utilizadas como vacinas ou imunoterapia na hanseníase.

A técnica de clonagem de expressão em organismos procarióticos, refinando a triagem de genomas inteiros para a identificação de proteínas antigênicas tem possibilitado a obtenção de um grande número de antígenos recombinantes específicos do M. leprae em um curto espaço de tempo (DUTHIE et al., 2008a). Além disso, a utilização do soro de doentes como sonda para a clonagem de genes expressos, conduziu à identificação de novos antígenos (HOMER et al., 2003; LODES et al., 2004; LODES et al., 2001). Antígenos recombinantes de M. leprae obtidos a partir de fragmentos de DNA total do bacilo, inseridos na Escherichia

coli têm sido utilizados em estudos in vitro e em modelos experimentais. Alguns desses

antígenos conferiram proteção em ratos, porém, a maioria destes antígenos não foram avaliados em pacientes com hanseníase (BAUMGART et al., 1996; GELBER et al., 1994; MATSUOKA et al., 1997; NGAMYING et al., 2001; NOMAGUCHI et al., 2002).

Nesse estudo, vários antígenos recombinantes individuais de M. leprae (ML0276, ML2028, ML2258, ML2055, ML2531, ML2629, ML82f, ML2044, ML2380, ML2331) e quiméricos de proteínas de M. leprae (LID-1 e PADL) e M. tuberculosis (ID83 e ID93), alguns deles já testados em outras populações (REECE et al.,2006; DUTHIE et al., 2008a,b; DUTHIE et al., 2010; RAMAN et al., 2009; DUTHIE et al., 2011; SPENCER et al., 2011; SAMPAIO et al., 2011), e outros ainda sem resultados conclusivos, foram utilizados para estimular sangue total de pacientes com diagnóstico de hanseníase, utilizando um ensaio simples com sangue heparinizado total, sem necessidade de separação de células mononucleares. Essa avaliação funcionou como um screening para revelar alguns antígenos potencialmente úteis para estudos mais elaborados, buscando esclarecer melhor a resposta imune envolvida na resposta protetora e patogênica na hanseníase.

No nosso estudo, estes antígenos induziram resposta celular em poucos indivíduos e não houve diferenças nas respostas de pacientes com diferentes formas operacionais da doença para a grande maioria deles, mesmo avaliando uma grande quantidade de citocinas e quimiocinas. Essa baixa produção de citocinas e quimiocinas no sobrenadante após o estímulo com o antígeno recombinante, pode ser justificada pelo protocolo que foi utilizado na pesquisa, com uso de sangue total e ao pouco tempo de incubação das células (estimulação durante 24 horas). Além disso, as células da resposta imune dessa população pode não apresentar receptores para os epítopos presente nesses peptídeos recombinantes,

principalmente considerando que os antígenos podem não ser de superfície do bacilo, além de não possuírem modificações póstraducionais por serem produzidos em E. coli.

O “Leprosy IDRI Diagnostic 1” (LID-1) resultante da fusão dos antígenos individuais de M. leprae, ML0405 e ML2331, mostrou-se útil para uso em diagnóstico sorológico de indivíduos pré-sintomáticos, (doentes com baixo índice baciloscópico - pacientes paucibacilares) e de forma precoce em doentes com as formas multibacilares, (REECE et al., 2006; DUTHIE et al., 2007b; DUTHIE et al., 2011). No nosso estudo utilizando o LID1 não houve diferenças estatisticamente significativas na produção das citocinas e quimiocinas dosadas no soro dos doentes PB e MB e nos controles contactantes intradomiciliares dos doentes. Estes resultados podem ser devido ao fato dos genes desses antígenos terem sido clonados utilizando soros, sendo possível que a resposta celular não seja distinta entre os grupos estudados.

A “Protein advances diagnostic of leprosy” (PADL), uma proteína resultante da fusão quimérica complementar de LID-1 (ML0405, ML2331, ML2055, ML0411 E ML0091) é capaz de diferenciar em exames sorológicos os pacientes com as formas MB dos controles, sugerindo o seu uso para diagnóstico das formas MB da doença (DUTHIE

at al., 2010, DUTHIE et al., 2011). No entanto, as concentrações de IFN-γ nos

sobrenadantes estimulados com o antígeno quimérico PADL foram maiores em doentes com a forma PB quando comparadas com os doentes com a forma MB. Não houve diferenças significativas na produção de outras citocinas e/ou quimiocinas entre as formas clínicas operacionais da doença, porém, é possível que a produção de IFN-γ nos pacientes com as formas PB induza uma supressão da produção de anticorpos nestes pacientes, justificando a presença de maiores títulos de anticorpos nos pacientes com formas MB da doença. A indução da produção de IFN-γ nestes pacientes pode também sugerir que estes antígenos tenham potencial protetor pelo menos parcial na doença, embora não induza esta resposta nos controles sem doença.

Além dos antígenos individuais e quiméricos de M. leprae, nesse estudo também foram avaliadas a reatividade de antígenos recombinantes em associação quimérica de M.

tuberculosis, a exemplo de ID 83 (fusão de 3 proteínas de M. tuberculosis, Rv1813, Rv

3620 e Rv 2608) e ID93 (fusão de quatro proteínas de M. tuberculosis Rv3619, Rv1813, Rv3620 e Rv2608) e o antígeno individual de M. leprae ML2531, que ainda não está referenciado na literatura, em estudos de avaliação imunológica. Em estudos prévios, o antígeno quimérico ID93, ativou uma resposta polifuncional de células CD4 e CD8 e de células mononucleares de sangue periférico, nos animais previamente vacinados com

BCG, quando expostos ao M. tuberculosis e a M. tuberculosis resistente às drogas (BERTHOLET et al., 2011).

No nosso estudo estes antígenos não foram capazes de distinguir as diferentes formas operacionais da hanseníase e essas dos controles contactantes, sugerindo não serem bons para a utilização em testes diagnósticos ou que tenham potencial protetor na doença.

No entanto, a produção da proteína quimiotática de monócitos 1 (MCP-1) em resposta ao ID93 e ML2531 foi maior nos pacientes que posteriormente apresentaram reação hansênica, sugerindo que estes antígenos possam ser utilizados como marcadores de reação hansênica, fenômeno inflamatório responsável por alta morbidade e pela lesão neurológica na hanseníase. O MCP-1 é uma proteína quimiotática que recruta monócitos, macrófagos, linfócitos T e células dendríticas (células pró-inflamatórias fundamentais para a formação dos granulomas) e que estão presentes nas lesões teciduais das reações hansênicas tipo 1 (KAHAWITA et al. 2008; SCOLLARD et al. 2006b; GOULART et al. 2002). Além do recrutamento de células mononucleres para os tecidos, a MCP-1 contribui na resposta imune adaptativa e/ou na patogênese de várias doenças. Os receptores de quimiocinas são expressos em leucócitos, células dendríticas e células de Langerhans. A maior variedade de receptores é observada em linfócitos T e sua expressão pode definir subtipos de linfócitos T e o padrão de resposta imune produzida pelo doente (MESQUITA JR et al., 2008)

O papel das quimiocinas na hanseníase ainda não está bem esclarecido (MENDONÇA

et al, 2008). Nesse estudo, a maioria dos pacientes que produziu MCP-1 em resposta aos

antígenos ID93 e ML2531 eram PB e a reação do tipo 1 foi a mais frequentemente observada nos pacientes estudados. Polimorfismo genético funcional que induz a elevada produção de MCP-1 está relacionado com a progressão da infecção em tuberculose bem como com uma maior susceptibilidade ao desenvolvimento de leishmaniose mucosa após a infecção por

Leishmania braziliensis, possivelmente pela estimulação de macrófagos e da produção de

citocinas inflamatórias como o TNF-α (FLORES-VILLANUEVA et al. 2005; RAMASAWMY et al. 2010).

Concluindo, muitos aspectos da resposta imune inata e adaptativa na resposta protetora e patogênica na hanseníase ainda precisam ser esclarecidos. Neste trabalho nós mostramos que antígenos brutos e recombinantes podem ser utilizados em um ensaio simples, utilizando sangue total, para avaliar alguns parâmetros da resposta imune, como a indução de quimiocinas e citocinas. Esse ensaio com antígenos é fundamental como screening de novas moléculas com potencial futuro para diagnóstico e prognóstico da doença. Nesse estudo identificamos que o antígeno bruto sonicado de M. leprae (MLCS) tem moléculas que podem

ser purificadas e sequenciadas para a clonagem de genes com potencial protetor na hanseníase. Além disso, o PADL pode também ter papel protetor contra formas graves MB da doença, tendo potencial para imunoterapia, enquanto os antígenos ID93 e MLCS podem ser bons marcadores dos estados reacionais.

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