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O período hidrológico no riacho Damião no ano de 2009 foi de aproximadamente cinco meses e pôde ser dividido em duas fases distintas: a fase de fluxo contínuo do riacho que começa com o início das precipitações constantes na região; e a fase de poças do riacho, que se iniciou no final de junho com a estiagem na região e consequente diminuição da vazão até a formação de poças no leito do riacho.

No primeiro mês do ciclo hidrológico do riacho já haviam sido encontrados 14 das 25 famílias de macroinvertebrados e 13 dos 19 gêneros de Chironomidae descritos em todo o período de estudo. Este rápido aparecimento de organismos na fase inicial de riachos intermitentes, segundo Willians (2006) pode estar associado à abundante disponibilidade de alimento e as altas temperaturas da água. Segundo este autor, este alimento disponível é principalmente encontrado na forma de vegetação que se acumula no período seco do riacho e se decompõe rapidamente depois de terem sido expostas ao ar. Assim, essa vegetação pode conter uma quantidade maior de proteínas em relação às vegetações que estão o tempo todo submersas, no caso de águas permanentes.

De fato, os maiores valores de temperatura foram observados neste período do riacho e na fase final do período secando, porém neste estudo, o teste de Pearson demonstrou fraca correlação deste parâmetro com densidade e riqueza de organismos (r= -0,01 e r= 0,27 respectivamente). Willians (2006) ressalta que a temperatura é uma importante variável ambiental em águas temporárias e não apenas sazonalmente – levando em consideração que a temperatura pode flutuar durante o dia, devido ao fato destes ambientes serem tipicamente rasos sendo susceptíveis a rápidos aquecimentos (oriundos da luz solar) e resfriamentos (à noite e também pelos ventos).

Durante o período de cheias, as precipitações de forte magnitude ocasionam um grande aumento na vazão podendo atuar como um agente de distúrbio em riachos intermitentes (Morais et al, 2004). Este aumento da descarga pode originar desde pequenos movimentos no substrato a grandes mudanças na estrutura do sistema e na morfologia do leito do riacho, como exportação de detritos, deposição de sedimento e exclusão das comunidades biológicas por lavagem (Resh et al., 1988; Townsend, 1989; Stanley et al., 1994; Lake et al., 1998; Meyer & Meyer, 2000).

No riacho estudado, o teste de Pearson demonstrou que a magnitude da vazão influenciou tanto na riqueza taxonômica como na densidade de macroinvertebrados bentônicos. No período de fortes precipitações, principalmente nos meses de abril e maio onde a vazão do riacho também foi maior, observaram-se os menores valores de riqueza e densidade de organismos. Segundo Willians (1996), a capacidade de infiltração é um dos principais fatores que regulam as águas em ambientes temporários. Os solos do semi-árido brasileiro, por serem em geral rasos e pouco permeáveis, possuem baixa capacidade de armazenar água, fazendo com que grande parte da água que chega por precipitação seja perdida por escoamento o que pode ocasionar uma diminuição de organismos da fauna aquática.

No período secando do riacho, que compreendeu as três ultimas coletas e onde eram encontrados apenas poças no leito, foram encontrados os maiores valores de densidade e riqueza de organismos. Segundo Arts et al. (1981) e Willians (1983), as possíveis causas para explicar as maiores densidades e riqueza em ecossistemas de regiões áridas e semiáridas, durante o período de estiagem são: (1) aumento no suplemento alimentar na forma de detritos, de algas que se desenvolvem com a diminuição do fluxo, e também na forma de presas; (2) e a um excepcional aquecimento

e um fotoperíodo maior, aumentando a taxa de crescimento e, em alguns casos, estimulando a atividade reprodutiva.

Extence (1981) ainda aponta que a redução na profundidade da água pode favorecer algumas espécies de larvas de insetos que se alimentam por filtração. Embora neste período, quando feita a análise da fauna em nível de família tenha se observado uma quantidade maior de indivíduos predadores (representados por indivíduos das ordens Coleoptera, Hemiptera e Odonata); quando analisados somente os quironomídeos, notou-se o predomínio do gênero Tanytarsus que pode se alimentar por filtração. Além disso, foi observado que a diminuição do volume da água do ambiente e a formação das poças ocasionam uma maior concentração de organismos, sendo assim, um maior número de organismos de diferentes taxa podem ser capturados durante a coleta.

A família Chironomidae foi o táxon dominante em todo o período amostral. Este grupo parece ser menos afetado por mudanças ambientais podendo rapidamente recolonizar o ambiente após períodos de secas e cheias de grande intensidade (Pires, 2000). Isto foi demonstrado também em outros estudos que apontaram que este táxon é tanto resiliente como persistente em relação a distúrbios hidrológicos (Extense, 1981; Townsend et al.1997, Lake 2000, Boix et al, 2001). A capacidade de adaptação a estes ambientes destes organismos, segundo Miller & Golladay (1996) e Lake (2000), é devido às suas características que incluem pequeno tamanho do corpo, ciclo de vida curto, alta capacidade de dispersão do adulto, além de serem generalistas quanto ao tipo de habitat.

Outro táxon da ordem Diptera que foi bastante representativo durante o período de estudo foi a família de predadores Ceratopogonidae. Os organismos desta família parecem ser também, um grupo bastante resistente as cheias de alta magnitude, já que

permaneceram no ambiente durante todo o período de estudo. Porém, estes organismos tiveram um decréscimo em suas densidades no período secando do riacho, provavelmente pelo fato de que neste período apareceram outros predadores de maior tamanho como hemípteras, coleópteras e odonatas (além de também terem sido observados em campo neste período, algumas espécies de peixes que se alimentam de macroinvertebrados). Desta maneira, a densidade deste grupo pode ter sido diminuída tanto por competição com estes organismos e/ou por predação. Gasith & Resh (1990), fizeram observações semelhantes em riachos de climas mediterrâneos. Segundo estes autores, nos períodos de grandes cheias, a fauna desta região parece ser mais influenciada por fatores abióticos, no entanto, com o início da estiagem e o retorno e estabelecimento das espécies no corpo de água, os fatores bióticos como competição e predação tornavam-se mais importantes na regulação das comunidades.

A ordem Ephemeroptera esteve representada no riacho Damião principalmente pelas famílias Caenidae e Baetidae. Apesar de apresentarem as maiores densidades no período secando do riacho, estes organismos foram encontrados em quase todo período de estudo com exceção dos períodos de altas vazões onde eles provavelmente foram carreados pelas fortes correntezas. O sucesso em colonizar ambientes temporários destas duas famílias de Ephemeroptera pode ser explicado pelo fato de elas serem compostas por organismos generalistas e com curto período de desenvolvimento (Da- Silva, 1998).

As ordens Coleoptera e Hemiptera são constituídas tipicamente por espécies que ocorrem em ambientes perenes e temporários, e em maior abundância em corpos de água lênticos ou lóticos com baixas vazões (Merrit & Cummins, 1996). Os organismos destas ordens possuem grandes poderes de colonização e adaptações para flutuações no nível da água (Willians, 2006). Estas características permitiram as espécies destes dois

grupos ocorrerem em uma maior densidade e riqueza na fase secando do riacho. Algumas destas espécies passam grande parte do ano em corpos de água perene, porém, na fase seca, eles migram para as poças que se formam nos riachos intermitentes onde encontram águas com temperaturas favoráveis para o desenvolvimento além de alimento (Moreno et al. 1997). Em um estudo no Canadá, Larson (1985) observou uma maior riqueza de organismos da família de predadores Dytiscidae (Coleoptera) em pequenas lagoas temporárias em relação a maiores corpos de água permanentes como lagos boreais. Segundo este autor isto ocorre em função de uma competição mais intensa nos ambientes permanentes.

Os camarões de água doce da família Paleomonidae, só não foram encontrados na fase secando do riacho, provavelmente pelo fato de que neste período este ambiente perdeu a conectividade com a fonte perene de água mais próxima que é o açude Boqueirão de Parelhas. Assim como os coleópteros e os hemípteras, estes organismos podem estar utilizando este corpo intermitente de água como uma fonte de alimentação.

O teste de variância ANOVA demonstrou que os períodos amostrais foram significamente diferentes em relação à riqueza taxonômica e densidade quando os macroinvertebrados foram analisados em nível de família e também quando foram analisados apenas os gêneros de Chironomidae, demonstrando uma modificação temporal da composição da comunidade durante o período de estudo. Essas variações, segundo o teste de correlação de Pearson, foram conforme citado anteriormente, em função principalmente das variações nas flutuações hidrológicas no leito do riacho medidas pela vazão.

No período em que o riacho recomeça a encher, ocorre o predomínio de grupos de organismos considerados pioneiros, que possuem rápido crescimento e desenvolvimento, estruturas de resistências (ex: ovos, larvas), estágios de vida

enterrados no sedimento, e\ou grande capacidade de migração (Boix et al, 2001). No riacho Damião estes organismos foram representados em grande parte pelos dípteros das famílias Chironomidae e Ceratopogonidae, semelhante aos estudos de Extence (1981), Stanley et al. (1994), Ortemim et al. (2002) e Acuña et al. (2005), que encontraram a comunidade de macroinvertebrados bentônicos também dominada por estes dois grupos na fase inicial dos riachos em que estudaram. Nesta fase do riacho foram encontrados também um grande número do hemíptera da família Corixidae, semelhante ao encontrado por Boix et al (2001) em corpos de água intermitentes da Península Ibérica. Os gêneros de Chironomidae Goeldichironomus, Polypedilum e

Paratendipes foram os organismos que dominaram as duas primeiras coletas do período

de estudo sugerindo que espécies destes gêneros são os colonizadores primários entre os Chironomidae neste riacho. De fato, Epler (2001) e Zilli (2009) ressaltam que certas espécies de Goeldichironomus podem ser pioneiras em ambientes de águas temporárias. Da mesma maneira, Boesel (1985) destaca que larvas de certas espécies do gênero

Polypedilum podem habitar ambientes recém formados, pelo fato de serem favorecidas

por águas rasas. Neste estudo, o teste de correlação de Pearson demonstrou uma forte correlação negativa da variável profundidade com a densidade de Polypedilum, o que provavelmente permitiu uma alta densidade deste gênero nesta fase inicial e no final do ciclo hidrológico do riacho Damião quando também eram encontradas baixas profundidades.

Com o início das fortes precipitações na região, a comunidade de macroinvertebrados sofre um declínio na riqueza e densidade de organismos e passa a ser dominada principalmente por quironomídeos do gênero Paratendipes. Este gênero pareceu ser bastante resistente a cheias de grande magnitude uma vez que foi o mais abundante neste período. Nesta fase do riacho começam a ocorrer também os

quironomídeos do gênero Cricotopus, que geralmente são encontrados em locais onde existe vegetação aquática (Boesel, 1983; Dornfeld & Fonseca-Gessner, 2005). Apesar da sucessão da vegetação aquática do riacho não ter sida analisada neste estudo, foi observado em campo neste período uma presença maior desta vegetação nesta fase, o que pode ter causado o aparecimento de indivíduos deste gênero.

Durante o período de estiagem na região, as mudanças na comunidade são causadas pela diminuição do fluxo no riacho e formação de poças permitindo o surgimento e a concentração de predadores de maior tamanho como os da ordem Coleóptera, Hemiptera e Odonata. Além disso, foi notado um aumento da densidade de outros gêneros de Chironomidae como Fissimentum, Polypedilum e Tanytarsus. O gênero Fissimentum, segundo Cranston & Nolte (1996), é detritívoro e mostra-se freqüente e comum em regiões com baixas velocidades de corrente e substrato arenoso e lodoso. Como demonstrado na análise granulométrica do sedimento, o período onde esse grupo foi mais abundante (nas 3 últimas amostragens), também ocorreu um aumento das frações de areia no sedimento, o que juntamente com a diminuição da vazão riacho, podem ter favorecido este aumento da densidade deste gênero.

O teste de Pearson também correlacionou a riqueza de macroinvertebrados com a condutividade elétrica. Esta variável teve grande variação durante o período de estudo (140 a 260 µS/cm) sendo os maiores valores encontrados no período em que o riacho já se encontrava em forma de poças. Os valores de condutividade foram menores no período das cheias no riacho, provavelmente devido às maiores precipitações e menor evaporação ocorrida nesse período. Conforme colocado por Khalaf & Macdonald (1975), a condutividade da água aumenta com a evaporação e diminui com a adição de água da chuva que ocasiona a diluição dos solutos da água superficial. Ainda segundo este autor, outro fator que influencia na condutividade elétrica é a natureza da bacia

hidrográfica. A maior condutividade elétrica no período de poças do riacho pode estar associada a uma quantidade maior de matéria orgânica neste ambiente que juntamente com outros fatores podem estar favorecendo uma maior riqueza e densidade de organismos.

Outro fator abiótico que demonstrou considerável variação durante o período de estudo, porém não se correlacionou fortemente com densidade de organismos e riqueza taxonômica, foi o oxigênio dissolvido (r= -0,21) para densidade e r= -0,5 para riqueza). Segundo Willians (1985), vários autores têm indicado que as mais baixas concentrações de oxigênio não parecem ser relevantes em determinar a distribuição e abundância de animais em águas temporárias. Conforme este autor, talvez isso ocorra devido às muitas adaptações que os organismos desenvolveram para mitigar os impactos das baixas concentrações de oxigênio no ambiente em épocas de seca quando a quantidade de oxigênio diminui. Estas adaptações são notáveis principalmente em alguns gêneros de quironomídeos (Pinder, 1986), o que também pode ter favorecido o aumento da densidade deste grupo nas três ultimas amostragens. Além disto, outros taxa também abundantes nos períodos com baixas concentrações de oxigênio, como os das ordens Coleoptera e Hemiptera, podem respirar oxigênio atmosférico.

No final de julho o riacho Damião secou completamente, evento este previsível tenda em vista que o desaparecimento completo da água superficial do leito destes ecossistemas nesta época do ano ser regular. Vários métodos de evitar a seca existem entre os organismos aquáticos de ambientes temporários (Williams & Hynes, 1976b). Algumas espécies, notadamente coleópteras e hemípteras, encontrados em grandes quantidades em nosso estudo, passam o período de seca em águas permanentes adjacentes. Outros insetos adultos, como alguns da ordem Trichoptera, passam este período em abrigos como vegetações ou hibernados em cavernas (Bouvet, 1977). A

zona hiporrêica também pode servir como refúgio principalmente para oligochaetas, nematóides, e para as famílias de inseto das ordens Ephemeroptera e Diptera (Bolton et

al., 1992). Outra estratégia destes organismos para sobreviverem e persistirem nos

ambientes aquáticos temporários é por ovos, pupas ou cistos de resistência (Willians, 1985). Silva-Filho & Maltchik (2000), no entanto, estudando um riacho intermitente também no semiárido brasileiro, não encontrou nenhuma destas formas de resistência nos substratos do riacho. Segundo os autores, os estágios de resistência são raros em riachos com altos picos de vazão, apesar destes estágios serem comuns em outros ambientes sem esta característica física.

Quatro potenciais mecanismos de recolonização existem em rios intermitentes: fontes aéreas (ovoposição dos adultos); drift rio abaixo; migração rio acima e migração de dentro do substrato (zona hiporrêica) (Williams & Hynes, 1976b). Apesar destes mecanismos não terem sido estudados neste trabalho, apenas o drift rio abaixo não parece ser um mecanismo de recolonização adotado pelos organismos do riacho estudado, tendo em vista que este é um córrego de primeira ordem e não existem nas proximidades, corpos de água perenes à sua montante. E tendo em vista que a maioria dos organismos encontrados foram insetos, as fontes aéreas parece ser um dos principais mecanismos de recolonização neste riacho. Segundo Hynes (1975), a ovoposição de adultos que emigram de outros habitats é um importante mecanismo de recolonização em riachos intermitentes tropicais.

A composição e o número de taxa encontrado no riacho Damião foi aparentemente similar a de outros estudos realizados em ecossistemas lóticos temporários na região semiárida do Brasil. Maltchik & Silva-Filho (2000) encontraram um total de 19 famílias de insetos, uma família de anelídeo e uma família de molusco em um ano de amostragem em um riacho da bacia do rio Taperoá, na Paraíba. Em outro

estudo nesta mesma bacia, porém em um rio intermitente de maior ordem de grandeza, Silva-Filho e Maltchik (2002) encontram 17 taxa de macroinvertebrados. Poucos são os riachos de caráter permanente no semiárido brasileiro que se possa fazer uma comparação em termos de riqueza taxonômica. Em um dos poucos trabalhos, Abílio et

al. (2007) encontrou 22 taxa de macroinvertebrados em um riacho permanente também

na bacia do rio Taperoá, sendo 16 destes insetos.

Apesar da significante separação geográfica, diferenças de clima, endemismo e características hidrológicas, os taxa encontrados no riacho Damião foram de certa forma também, pelo menos na resolução taxonômica de família, similares aos encontrados em riachos temporários de outras regiões do planeta. Willians (2006) fez uma comparação entre a fauna de macroinvertebrados de rios e riachos temporários da América do Norte, da região do Caribe e da Austrália. Entre os principais organismos em comum encontrados nestes ambientes e no riacho Damião estão: gastrópodes (principalmente Planorbidae), oligochaetas, decápodes e insetos das ordens Hemiptera (Corixidae, Gerridae, Veliidae), Coleoptera (Hydrophilidae e Dytiscidae), Trichoptera (Hydropsychidae) e Diptera (Chironomidae, Ceratopogonidae e Tipulidae).

Segundo Maltchik (2006), o aspecto mais importante para a conservação dos riachos do semiárido brasileiro é a necessidade do reconhecimento que estes locais são pontos de biodiversidade, e como demonstrado neste estudo, esta diversidade está associada principalmente com os padrões naturais das flutuações hidrológicas. Assim, torna-se necessário uma quantidade maior de estudos que propiciem o entendimento de como estes extremos hidrológicos de cheias e secas afetam a fauna aquática para que as estratégias de conservação e gestão destes corpos de água sejam realmente efetivas. Além disso, com futuros cenários de mudanças climáticas globais, é esperada uma expansão das áreas áridas e semiáridas (Fisher & Grimm, 1991) e consequentemente o

aumento de ambientes aquáticos com características temporárias (Álvarez-Cobelas et al, 2005; Bonada et al, 2007). Deste modo, um melhor conhecimento destes sistemas e sua biota torna-se um requerimento para o manejo dos corpos de água doce do nosso planeta.

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